Título: Após escândalos, o último capítulo
Autor: Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 31/10/2010, Cidades, p. 31

Ao longo de mais de três anos, crises como a da Bezerra de Ouro, a da Caixa de Pandora e a aplicação da Lei da Ficha Limpa influenciaram diretamente o cenário político do Distrito Federal. Brasilienses vão às urnas para escolher quem governará o DF pelos próximos quatro anos

Quando saírem de casa para apertar o botão na urna eletrônica, os brasilienses vão escrever hoje o último capítulo de uma história que começou em 14 de junho de 2007, quando o Distrito Federal viveu um de seus maiores escândalos: a prisão de 19 de pessoas, entre as quais o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Tarcísio Franklim de Moura, um dos mais importantes colaboradores de Joaquim Roriz, por lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos. Teve início ali, na Operação Aquarela, a configuração do cenário político que põe em confronto hoje os candidatos Weslian Roriz (PSC) e Agnelo Queiroz (PT) na disputa pelo comando de um orçamento de R$ 25 bilhões na capital do país.

Ao decidir quem vai governar o Distrito Federal pelos próximos quatro anos, os 1,8 milhão de eleitores que vão hoje às urnas participam da escolha final de um processo que deixou pelo caminho uma geração de políticos até então aptos a participar com grande potencial deste segundo turno. As escutas telefônicas da Operação Aquarela provocaram a renúncia de Roriz do mandato no Senado e a sua inelegibilidade não só nesta eleição como a aposentadoria política pelos próximos 16 anos. Numa eleição que ficará marcada pela aplicação da Lei da Ficha Limpa, projeto de iniciativa popular criado para moralizar a política brasileira, o Distrito Federal será lembrado com destaque.

Em nenhuma outra unidade da Federação, a lei teve impacto tão grande. No Pará, a norma afastou das eleições dois concorrentes ao Senado Jader Barbalho (PMDB) e Paulo Rocha (PT) que tiveram, juntos, mais de 50% dos votos. Mas no Distrito Federal a alínea K da Lei da Ficha Limpa, que trata da hipótese de inelegibilidade pela renúncia, tirou do páreo um homem que governou o Distrito Federal quatro vezes foram 14 anos no poder , nunca perdeu uma eleição e conseguiu agora levar a disputa para o segundo turno, mesmo representado pela mulher, Weslian, uma total neófita na política, e sob acusações de ser um ficha suja.

A renúncia ao mandato no Senado provocou não apenas desgaste público e consequências jurídicas na esfera eleitoral. Fora do Congresso, Joaquim Roriz perdeu poder de barganha para controlar o PMDB. Seu ex-braço direito, o deputado federal Tadeu Filippelli, conseguiu se consolidar como o principal nome do partido no DF, um dos mais importantes do país. Roriz ainda ensaiou uma intervenção, mas sem o apoio da cúpula do PMDB, anunciou, em 16 de setembro de 2009, na sede do partido no Congresso, que se sentia expulso da legenda e procuraria outra casa para concretizar seus planos de concorrer novamente ao GDF. Em discurso, ao lado de apenas dois integrantes da executiva nacional os deputados Íris de Araújo (GO) e Moisés Avelino (TO) , Roriz acusou o PMDB de estar a serviço do então governador José Roberto Arruda (DEM).

Um dia, dois eventos

No mesmo 16 de setembro, o então secretário de Relações Institucionais do DF, Durval Barbosa, registrava em depoimento oficial aos promotores de Justiça Sérgio Bruno Fernandes e Clayton Germano, do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do DF, as denúncias da Operação Caixa de Pandora, episódio que tirou do pleito de hoje dois potenciais candidatos ao Palácio do Buriti, Arruda e o então vice-governador, Paulo Octávio. Enquanto Roriz tomava decisões no Congresso, Durval era informado de tudo por telefone. Com um olhar na política e outro na chance de reduzir penas decorrentes das inúmeras ações judiciais propostas pelo Ministério Público, Durval entregou aos promotores gravações com imagens de políticos e empresários recebendo malas de dinheiro. Formalizou naquela data o processo de delação premiada que criou uma crise institucional sem precedentes no DF.

A filiação de Roriz no PSC e a derrocada de Arruda e Paulo Octávio criaram o ambiente para a construção da aliança entre PT e PMDB, partidos adversários em todas as eleições anteriores na capital do país. Nasceu, assim, a chapa Agnelo Queiroz-Tadeu Filippelli, que ontem liderava as intenções de voto. Segundo pesquisa do Instituto CB Data, Agnelo teria hoje 59% dos votos válidos, contra 41% da dupla Weslian Roriz-Jofran Frejat. Quem optar pela eleição da ex-primeira-dama e apertar o número da candidata, continuará vendo na urna a foto de Joaquim Roriz. Por decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF), representaria um risco para a segurança do sistema eletrônico de votações alterar a imagem no equipamento.

Primeiro turno

No primeiro turno, há quatro semanas, Agnelo recebeu 676.394 votos, correspondente a 48,41% do eleitorado. Weslian, que substituiu o marido nove dias antes da votação e só teve o registro da candidatura deferido pelo TRE-DF na véspera do pleito, conquistou 440.128 votos, ou 31,5%. O segundo turno foi impulsionado pela performance de Toninho do PSol, que teve 199.095 votos, ou seja, 14,25% do total. Eduardo Brandão (PV) ficou com 78.837 votos, significando 5,64%. Nesta segunda etapa, Toninho votará nulo, mas sua vice, Tetê Monteiro (PSol), anunciou na última sexta-feira opção por Agnelo. O petista conquistou também o apoio de Brandão e do PV.

Os demais concorrentes ao GDF, Rodrigo Dantas (PSTU), Frank Svensson (PCB) e Ricardo Machado (PCO), escolheram a neutralidade. Na véspera do primeiro turno, Agnelo já havia ganho a adesão de Newton Lins (PSL), o candidato que passou toda a primeira fase da campanha eleitoral pregando voto numa terceira via, contra os azuis, representados por Roriz, e os vermelhos, identificados com o PT.

Líder nas pesquisas e com mais apoio político, Agnelo que tem a seu lado os dois senadores eleitos, Cristovam Buarque (PDT) e Rodrigo Rollemberg (PSB), e uma ampla bancada eleita: 15 dos 24 novos distritais e cinco dos oito federais. Mas a provável abstenção provocada pelo feriado prolongado que só termina na próxima quarta-feira preocupa a coordenação da campanha do petista. O vencedor da eleição será conhecido até as 19h30 de hoje. O novo governador ou governadora assumirá no dia primeiro de janeiro com muitas missões a serem resolvidas nos próximos quatro anos, especialmente nas áreas de Saúde e Segurança Pública (leia mais nas páginas 36 e 37). Mas é no campo político que o próximo chefe do Executivo precisa deixar uma marca, a do fim dos escândalos envolvendo a classe de governantes e parlamentares na capital do país. Só o tempo dirá se isso será possível.

>>Bezerra de ouro Conversa interceptada pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do DF e pela Polícia Civil revelou negociação entre Joaqum Roriz e Tarcísio Franklim de Moura, cujo telefone estava sendo monitorado pelos investigadores, para a partilha de cheque de R$ 2,2 milhões do empresário Nenê Constantino. A Operação Aquarela apurou irregularidades nos contratos de automação bancária do BRB com a Asbace (Associação Brasileira dos Bancos Estaduais)

>>Pará

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os políticos que renunciarem a cargos quando já houver contra eles uma representação por quebra de decoro em tramitação estão inelegíveis. A decisão foi tomada em recurso do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que renunciou em 2001 a mandato no Senado, acusado de irregularidades no Banco do Estado do Pará (Banpará)

>>PMDB Partido que integra a chapa presidencial do PT, com Michel Temer (PMDB-SP) como vice de Dilma Rousseff, o PMDB tem hoje 2 milhões de filiados, 8.497 vereadores, 1.201 prefeitos e quatro governadores eleitos. Ofereceu apoio importante ao presidente Lula e a seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, no Congresso. Dois peemedebistas ainda disputam o segundo turno, em Goiás e Paraíba

>>Ex-governador Mesmo que não tivesse sido abatido pelas denúncias da Operação Caixa de Pandora, Arruda teria dificuldades jurídicas nesta eleição. Possivelmente ele teria o registro da candidatura negado pela Lei da Ficha Limpa, uma vez que renunciou ao mandato do Senado em 2001, no episódio da violação do painel, e em tese estaria inelegível até fevereiro de 2011

>>Flagrantes Entre os astros dos vídeos de Durval Barbosa estão o ex-presidente da Câmara Leonardo Prudente, filmado colocando dinheiro na meia, e o ex-distrital Júnior Brunelli, o autor da chamada oração da propina. Ambos renunciaram ao mandato na Câmara Legislativa e também estão inelegíveis. A pena só termina em 2022, mesma situação de Eurides Brito (PMDB), que apareceu guardando dinheiro na bolsa e foi cassada

>>Intenção de voto Pesquisa realizada entre quarta e sexta-feira com 1.100 eleitores, registrada no TRE-DF sob o número 4097-2010, com margem de erro de três pontos percentuais. Considerando-se os votos brancos e os nulos, Agnelo teria 50% das intenções de voto e Weslian chegaria a 34%. Brancos somariam 7% e nulos, 8%