Título: Nova rodada de privatizações
Autor: Pinheiro , Armando Castelar
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2012, Opinião, p. A13

Os jornais das últimas semanas dão notícia de que o governo lançará este mês uma nova rodada de privatizações na área de infraestrutura. Em se confirmando, e não sendo apenas um programa ambicioso nas metas e modesto nos resultados, será um importante passo para destravar o crescimento do Brasil, dessa forma dando um alento às empresas brasileiras.

O impacto sobre o crescimento vai ser modesto no curto prazo, mas crescente no tempo. O Brasil vem sistematicamente falhando em melhorar a qualidade da sua infraestrutura, que, em várias dimensões, está piorando. O investimento nessa área está há décadas na faixa de pouco mais de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), bem abaixo do que em países como Chile e Colômbia. O PAC não vai mudar esse quadro, não só por conta dos seus conhecidos atrasos, como por que muito do seu foco está em outras áreas, como petróleo e habitação popular.

Apesar do crescimento apenas moderado da economia na última década - 3,7% ao ano em 2003-12 - em vários setores se observam congestionamentos e serviços de má qualidade, resultantes de uma capacidade de oferta que mal é capaz de dar conta da demanda. O ônus que isso traz para a economia pode não ser tão evidente como no apagão de 2001, mas ele é significativo, por reduzir a produtividade de outros tipos de capital e desestimular o investimento. O apagão aéreo de 2006 foi um bom exemplo disso (e os aeroportos seguem quase na mesma).

É preciso estabelecer uma regulação setorial estável, despolitizada e que dê segurança ao investidor

As tentativas de elevar o investimento público em infraestrutura não têm sido bem sucedidas. E não é por falta de recursos. Veja-se, por exemplo, o caso da Infraero: apesar do caos nos aeroportos, na média do período 2003/10 a empresa desembolsou apenas 44% do seu orçamento de investimentos. Algo semelhante se observa nos portos. O próprio investimento do governo, excluídos os gastos com subsídios habitacionais, que não são de fato gastos de capital, está parado desde 2010, apesar da alta na arrecadação de impostos.

Assim, faz todo o sentido que, como indicado na imprensa, o governo esteja planejando reforçar seu programa de privatização da infraestrutura, dando sequência às privatizações de rodovias e aeroportos realizadas nos últimos anos. Como mostram os dados, o setor privado tem sido mais eficiente em promover os investimentos necessários à recuperação e expansão das vias e instalações privatizadas, oferecendo um serviço de melhor qualidade.

É preciso, porém, ir além da privatização da infraestrutura já existente e dos investimentos de recuperação e ampliação. Depois de três décadas praticamente sem novos grandes projetos em logística de transporte, o país precisa de um salto nos investimentos que não será obtido com o modelo atual. São necessárias mudanças em três áreas principais. Primeiro, é preciso estabelecer uma regulação setorial estável, despolitizada e que dê segurança ao investidor e aos seus financiadores, que na infraestrutura são quase acionistas, dada a segmentação de balanços. O governo tem preferido tratar a questão regulatória projeto a projeto, via contratos, em vez de estabelecer um aparato mais amplo. Isso encurta horizontes e cria incerteza, em um país em que o risco de investimento já é alto.

Um exemplo é o tratamento dado às concessões do setor elétrico que vencem daqui a três anos, coisa que se sabe há anos, mas a respeito da qual ainda não há decisão tomada, indicando a renovação ou não das concessões e, se sim, em que bases. Sem a certeza da renovação, as concessionárias não conseguem levantar recursos para financiar seus investimentos.

Segundo, vai ser preciso complementar os recursos privados, obtidos da cobrança de tarifas, com aportes públicos, bancados pelos contribuintes. Isso é especialmente válido em transportes. É preciso combinar a maior eficiência privada na operação e a realização de investimentos com a capacidade do setor público de estabelecer prioridades e bancar parte dos investimentos. As PPPs, criadas há quase uma década, são o melhor instrumento para isso, mas até hoje o governo federal não realizou uma única PPP.

Terceiro, é preciso priorizar o investimento e reduzir o foco em outros objetivos, mesmo que também meritórios. Não há mágica: se queremos extrair mais do concessionário em uma dimensão, vai se obter menos em outra. Outros objetivos podem ser priorizados em um segundo momento. O exemplo das concessões elétricas ilustra também essa multiplicidade de objetivos.

Mais do que uma lista de projetos, portanto, o anúncio de final de agosto, em se confirmando, deveria apresentar uma estratégia, envolvendo o fortalecimento da regulação, melhorias na governança pública e a decisão política de priorizar um salto nos investimentos em infraestrutura. Dele devem constar concessões de ativos existentes, como rodovias e aeroportos, mas também novos projetos.

Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.