Título: Procura por talentos globais aquece o mercado de "hunting"
Autor: Giardino, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2006, EU &, p. D6

Há muito tempo, as empresas de "hunting" não viam o mercado tão aquecido. E o principal fator desse cenário é a busca frenética por uma nova geração de líderes mais bem preparados. Segundo uma das principais publicações do setor, a "Executive Recruiter News", a receita das 20 maiores companhias de seleção de executivo cresceu 16% em 2005, impulsionada pela alta demanda das organizações que correm atrás de talentos globais.

"Esse aquecimento tem provocado um certo 'gap' de profissionais", afirma o suíço Urs Martin Wüthrich, presidente de uma das maiores consultorias de seleção de executivos do mundo, a IIC Partners, sócia da FESA Global Recruiters. Presente em mais de 33 países, a empresa obteve em 2005 um crescimento de 38% em relação ao ano anterior, com um faturamento que ultrapassou a casa dos US$ 100 milhões.

Segundo ele, os escândalos financeiros também contribuíram para o aquecimento das contratações de profissionais especializados. Ele acredita que o grande diferencial do executivo brasileiro neste cenário está na formação técnica e de negócios adquirida nas melhores universidades do mundo. "Eles estão preparados para competir na economia global", destaca.

Em visita ao Brasil esta semana, onde participa de reunião anual da IIC Partners, que acontece no Rio de Janeiro até a próxima sexta-feira, Wüthrich conversou com o Valor. Confira trechos da entrevista:

Valor: Um assunto que virou prioridade número um para as empresas é a busca por talentos. Fala-se muito da falta de profissionais com o perfil desejado. De fato há uma dificuldade de encontrar executivos preparados?

Urs Martin Wüthrich: Sim e essa dificuldade existe porque as companhias estão expandindo suas operações na mesma proporção que o fenômeno da globalização se intensificou. Resultado, em todos os países há uma grande demanda por talentos, o que tem gerado um certo "gap" no mercado. Está muito claro que a procura por talentos está bastante aquecida neste momento e que as companhias estão, cada vez mais, determinadas a encontrar líderes com experiência internacional.

Valor: Qual o termômetro desse aquecimento?

Wüthrich: O crescimento da receita das principais empresas de recrutamento do mundo. De acordo com uma das principais publicações do setor, o faturamento das 20 maiores companhias de "executive search" cresceu 16% em 2005. Nossa receita, por exemplo, deu um salto de 38% ano passado, superando a casa dos US$ 100 milhões.

Valor: A que se deve o crescimento da área de "hunting"?

Wüthrich: Vejo uma série de razões que vão além do impacto da expansão da economia global. A primeira é que os "baby boomers" estão começando a se aposentar. Isto tem reflexo nas economias do mundo industrializado, especialmente nos cargos onde os profissionais de cabelo branco são mais procurados. Além disso, casos como os da Enron e WorldCom mudaram os padrões de contratação de executivos e membros do conselho, que se tornaram mais rígidos. As empresas estão mais exigentes nos processos de recrutamento e muitas não querem que o departamento de recursos humanos esteja envolvido na escolha. Por isso, as corporações buscam consultores independentes para fazer esse tipo de trabalho.

Valor: Os escândalos financeiros também contribuíram para o aumento na procura por profissionais especializados?

Wüthrich: Sim, principalmente por executivos com experiência em auditoria, que ajudam a fortalecer as práticas de governança corporativa. Fato que gerou um aumento na demanda por esse tipo de profissional, um tanto raros de se encontrar. Mas existem outros fatores que impulsionam o mercado de "hunting", como o surgimento de uma enorme classe média na Índia e na China, o desenvolvimento de empresas livres nas economias do Leste Europeu e a proeminência de blocos econômicos na Europa e na América do Norte. Tudo isso tem aumentado drasticamente a demanda por líderes com experiência internacional. E é praticamente impossível que os departamentos de RH internos tenham recursos suficientes para atender essa demanda globalmente.

Valor: Que áreas estão mais aquecidas hoje? E que tipo de talento as empresas buscam?

Wüthrich: Uma das áreas mais aquecidas é a de convergência entre a governança corporativa e segurança. Isto tem levado ao crescimento da demanda por advogados e contadores que possam liderar grupos de auditoria, assim como por profissionais da área de segurança da informação, que sejam capazes de proteger os ativos da empresa contra ataques externos. O setor de energia também está aquecido, com a busca engenheiros. E especialistas na área de saúde são muito procurados nas economias do hemisfério Norte.

Valor: O executivo brasileiro nunca foi tão valorizado no exterior como agora. Casos como o de Carlos Ghosn, que recuperou a montadora japonesa Nissan é reflexo desse cenário. Há uma procura grande por talentos nacionais?

Wüthrich: Falando recentemente com o presidente da FESA Global Recruiters, Alfredo Assumpção, ele me contava que, quando foi diretor de RH de um grande banco no Brasil nos anos 80, 90% dos gerentes eram estrangeiros trazidos ao país pela multinacional. Agora, segundo ele, acontece o contrário. Os brasileiros representam 90% dos estrangeiros que trabalham nos escritórios da corporação em todo o mundo. Apesar de não ser um estudo formal, é um indicador que confirma essa tendência. Os jovens brasileiros estão tendo formação técnica e de negócios nas melhores universidades do mundo. São preparados para competir na economia global. Você pode ver isto nas universidades da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá. Os estudantes vêm de toda parte do mundo, inclusive da Ásia, do Brasil e de outros países, que estão cada vez mais entrando na briga global.

Valor: Qual o desafio dos líderes na era da globalização?

Wüthrich: Um dos maiores desafios para os líderes em uma economia mundial é construir equipes de liderança com perspectivas culturais diversas e experiência nos negócios. Nos níveis mais altos, eles devem saber o que não sabem antes de querer engrenar em países como a China, Rússia, Índia e até mesmo o Brasil. Algumas multinacionais terão líderes experientes em cada um desses países ou em qualquer país que eles queiram iniciar um negócio. Mas antes de tudo, precisam ter uma perspectiva internacional que os permita prever possíveis problemas e obstáculos.