Título: Fazenda analisa mudanças na correção da poupança pela TR
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2006, Finanças, p. C1

As conversas são cautelosas, mas começam a tomar conta dos gabinetes em Brasília. Bancos e governo estão atentos ao movimento de recuperação da rentabilidade da poupança e discutem as consequências que uma migração maciça de recursos para as cadernetas poderia poderia provocar. Hoje, 65% dos depósitos em poupança têm obrigatoriamente de ser investidos em financiamento imobiliário, pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

Na quinta-feira, representantes da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) estiveram no Ministério da Fazenda para propor mudanças na fórmula de cálculo da TR - índice que corrige a caderneta de poupança. "Se a caderneta tiver uma remuneração melhor, atrairá um grupo de investidores que são especuladores e não poupadores. Apresentamos um estudo que mantém uma rentabilidade para a poupança de 65% a 75% da média do CDB (Certificado de Depósito Bancário), líquido de imposto de renda", diz Décio Tenerello, presidente da Abecip.

De janeiro a setembro, segundo dados do site Fortuna, a rentabilidade da caderneta foi de 6,22% e a remuneração média dos fundos de investimento (curto prazo, DI e renda fixa) de grandes bancos de varejo, com aplicação mínima de até R$ 5 mil, foi de 8,83%. Se os recursos forem sacados do fundo antes de 180 dias, há a incidência de uma alíquota de Imposto de Renda de 22,5%, o que reduz a rentabilidade para 6,84%. Não há IR sobre a poupança. As curvas entre as duas aplicações estão se aproximando e, nos últimos três meses, a poupança já teve uma rentabilidade melhor do que o ganho líquido desse tipo de fundo.

A remuneração da caderneta melhorou a partir de abril, mas poucos perceberam. No fim de março, temendo que os poupadores pudessem amargar uma rentabilidade real negativa (descontada da inflação), o governo já alterou a fórmula de cálculo da TR. Antes, era tomada como base a Selic e aplicada a ela um redutor variável. Agora, o redutor é aplicado à Taxa Básica Financeira (TBF), calculada sobre o juro pago pelos 30 maiores bancos em seus CDB.

"Por essa fórmula, a TR não ficará abaixo de 2% ao ano e a rentabilidade anual da poupança, será superior a 8%. Se a Selic, hoje em 13,75%, cair mais 1,5 ponto percentual, vai entrar um caminhão de dinheiro na poupança", diz Luiz Antonio Rodrigues, diretor de crédito imobiliário do Itaú. Ele diz que essa migração de recursos seria ruim porque os bancos, hoje, têm obrigatoriamente de direcionar recursos da caderneta para o financiamento imobiliário, de longo prazo. Se, em um segundo momento, esse "caminhão de dinheiro" voltasse para os fundos, os bancos estariam comprometidos com empréstimos de 10 a 20 anos.

Hoje, o estoque da poupança é de R$ 135 bilhões. Segundo a Abecip, 78% dos depositantes respondem por 4% do saldo.

O Valor apurou que o governo analisa com cautela uma possível alteração na poupança por causa do número de pessoas envolvidas e por causa da lembrança que a população ainda tem do confisco feito pelo ex-presidente Fernando Collor. Além disso, a TR corrige o contrato de milhões de mutuários. As mudanças feitas no financiamento imobiliário - com a eliminação da aplicação da TR para empréstimos com taxas prefixadas no âmbito do SFH - foram um primeiro passo nesse sentido.

Com a medida, o governo autorizou que os bancos embutissem a TR média dos últimos meses no financiamento com taxa pré. Hoje, esse tipo de empréstimo teria taxa anual de cerca de 14%. "O problema é que a captação (poupança) é corrigida pela TR. Quando a taxa de juro está caindo, esse descasamento entre captação e aplicação dos recursos não traz problema. Mas se esse cenário muda, pode haver um passivo a descoberto no longo prazo", explica Rodrigues.

Por causa desse descasamento, os bancos acreditam que só é possível conceder financiamento com taxa pré se fizerem um "swap" (troca de índices), uma espécie de proteção caso o juro suba. Mas o swap tem um custo. Segundo Rodrigues, se o banco pagar 10% para captar (poupança mais o swap), não é possível financiar o imóvel a 14% e arcar com o PIS, Cofins, inadimplência e outros custos.