Título: Prefeituras iniciam segunda onda de incentivos fiscais
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2006, Brasil, p. A4
Uma nova fábrica de latas de alumínio, capaz de produzir entre 700 milhões e 1 bilhão de unidades anualmente, com investimento declarado de R$ 120 milhões. Um novo centro de convenções no qual serão aplicados R$ 10 milhões. Uma reforma de R$ 5 milhões que inclui a ampliação do salão de eventos, troca de iluminação, tecnologia e remodelação do espaço de lazer num hotel que pretende ser o mais luxuoso da cidade. Esses são alguns dos 12 projetos habilitados pela prefeitura de Cuiabá num novo tipo de incentivo fiscal que começa a ser oferecido pelos municípios.
Além da capital mato-grossense, São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e Petrópolis, na serra fluminense, estão com pacotes que oferecem isenções ou descontos de tributos para atração de investimentos. Os programas se diferenciam da tradicional política na qual as prefeituras concediam a diversas atividades redução de alíquotas do Imposto sobre Serviços (ISS), tributo no qual se concentrava a guerra fiscal entre municípios.
Os novos pacotes se estendem a outros tributos, como o IPTU, cobrado sobre a propriedade urbana, o ITBI, recolhido na transferência de bens entre vivos, e as taxas, que podem ser de localização e fiscalização, entre outros. Mas esses benefícios, que vão dos descontos até as isenções, não são dados de graça, de forma genérica. Eles variam conforme os projetos de investimento e exigem contrapartidas, como a geração de receitas ou o aumento do número de empregados.
De acordo com a prefeitura de Cuiabá, a Rexam, fabricante britânica de latinhas de alumínio, declarou que sua nova indústria na cidade irá criar 80 empregos na fase de operação. A rede Deville, que comprou e reformou o antigo Hotel Eldorado, deve atingir os 100 funcionários. O Buffet Leila Malouf, que levantará um novo centro de convenções, segundo a prefeitura, terá 150 trabalhadores. O programa local também concede incentivo não só para a ampliação e instalação de fábricas ou prestadores de serviços, mas também a projetos de reforma.
Os benefícios, que vão de descontos a isenção dos recolhimentos municipais, variam conforme o número de empregos criados, o setor e se o investimento se faz em imóvel próprio ou alugado. A lei que instituiu o programa no município é aplicável para todos os segmentos da indústria, comércio e prestação de serviços. O desconto de tributos pode chegar a 100% por um período de até dez anos. A geração de até 30 vagas em imóvel próprio na área têxtil, por exemplo, dá o direito de isenção por um período de dois anos.
O desconto, porém, se restringe aos negócios criados pelo investimento, numa restrição semelhante aos programas oferecidos por Petrópolis e São Bernardo do Campo. O desconto de IPTU, por exemplo, não abrange a propriedade total da empresa, mas a parte que foi alvo de ampliação ou novas instalações. "O programa é uma forma de a cidade atrair seus próprios investimentos e não necessariamente àqueles relacionados aos projetos já chamados pelo governo estadual", diz Dulcineu Rodrigues, diretor de indústria, comércio e serviços da prefeitura de Cuiabá, que aprovou no início de setembro os primeiros projetos que aderiram ao programa Pró-Cuiabá.
Um marco dos novos pacotes municipais é um controle sobre o desempenho prometido pelas empresas. Quem se habilitou ao programa de incentivos precisa apresentar semestralmente à prefeitura o relatório oficial ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), enviado ao Ministério do Trabalho, no qual a empresa informa as vagas criadas ou as fechadas.
Em Petrópolis o controle de empregos criados também se faz com o Caged. "Nossa idéia não é fazer renúncia fiscal. Não podemos abrir mão de receitas. Concedemos o desconto e exigimos o cumprimento do projeto", diz o secretário de Planejamento do município fluminense, Eduardo Ascoli. "Quando o projeto é muito ambicioso, nós rejeitamos para que ele venha dentro da realidade", diz.
O cuidado, explica o secretário, existe para proteção do contribuinte e das receitas do município. No projeto, a empresa precisa detalhar valores e prazos para contratação de serviços e aquisição de material e equipamentos dentro do município, além do aumento do número de empregados. "Esses gastos e contratações precisam ser comprovados." Ele diz que os descontos tributários são concedidos assim que o projeto é aprovado. "Caso a empresa não cumpra, porém, os tributos são cobrados integralmente e de forma retroativa."
Ascoli explica que o município tem o pacote desde 2004. Nesse período 75 empresas já foram beneficiadas, das quais 35 são novas na cidade. Os incentivos, diz a prefeitura, já geraram 8.150 empregos diretos e 10.650 indiretos. "Foi com eles que conseguimos manter as instalações da GE Celma, que presta serviços de manutenção de aeronaves", diz.
"A empresa estava em dúvida em fechar sua operação em Petrópolis ou no Rio, mas nossas facilidades tributárias fizeram diferença. Disputamos a empresa porque ela é importante. Representa 40% das receitas de ISS do município", explica o secretário. A companhia concentrou suas atividades em Petrópolis e, segundo o secretário, elevou de 300 para 650 o número de funcionários no último ano e meio. "Outra empresa, a Creações Opção, de vestuário, também ampliou sua capacidade na cidade, depois de ter cogitado fechar a fábrica no local", exemplifica ele.
Além da geração de empregos com contratação da população local e consumo de serviços e bens na cidade, o município também exige que as empresas beneficiadas emplaquem os seus veículos e os da diretoria na cidade. "Essa é uma forma de elevar nossa receita com a transferência estadual relativa ao recolhimento do IPVA." O IPVA é recolhido pelos Estados, mas as prefeituras recebem 50% do imposto recolhido sobre os carros emplacados no seu município.
São Bernardo do Campo condiciona o incentivo fiscal à troca por outra receita que a empresa traga para sua arrecadação, mesmo que seja indireta. O município acabou de aprovar uma lei pela qual concede redução de tributos a investimentos da indústria, comércio ou prestação de serviços.
O benefício, porém, diz o prefeito William Dib (PSB/SP), no caso das indústrias, pode ser concedido para projetos de investimento que comprovem o aumento do valor adicionado pela empresa. Para isso a empresa deve apresentar o documento entregue à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo no qual informa o valor adicionado. É sobre esse valor informado pela empresa que o Estado contabiliza a fatia que cada município terá no bolo de ICMS arrecadado pelo governo estadual.
"O município não pode abrir mão de receitas. Por isso, o aumento de participação de ICMS gerado pelo investimento de uma indústria pode ser transformado em crédito para abatimento de impostos como o ITBI, o IPTU ou as taxas. Assim a receita que deixarmos de ter de um lado serão repostas com o ICMS", diz Dib. "A compensação à prefeitura também pode vir pela elevação do IPVA pago com veículos emplacados no município." Não por acaso um dos segmentos que estão na mira da prefeitura é o das transportadoras. "Temos uma logística propícia para o setor e vamos melhorar ainda mais nossa infra-estrutura." Caso apresentem aumento de 20% no IPVA recolhido, as prestadoras de serviço da área de locação de veículos e transporte poderão abater o valor repassado ao município do ISS.
Integrante do Grande ABC, o município de São Bernardo do Campo assistiu à migração de várias empresas, o que reduziu o valor adicionado local e fez a fatia do município cair em 20% nos últimos dez anos. "Queremos recuperar isso." Dib nega que o pacote venha a reinaugurar uma nova modalidade de guerra fiscal entre os municípios. "Esse é um pacote para atração de investimentos", diz.