Título: Banho de sangue marca a agonia da ditadura síria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2012, Opinião, p. A12

A defecção de Riyad Hijab, recém-nomeado primeiro-ministro da Síria, é a mais recente de uma série de generais e políticos que resolveram abandonar a corte do ditador Bashar Al-Assad. Com Alepo, a segunda cidade mais importante do país, sob pesada artilharia e incursões frequentes dos rebeldes à capital, Damasco, Assad hoje se mantém no poder apenas pelo poder das armas. Ele não mede qualquer limite para esmagar seus opositores, bombardeando populações civis urbanas, seguindo os métodos de terror de seu pai, que deram certo no passado e que hoje podem ter mais o poder de afastar simpatizantes de seu regime do que instilar o medo em seus opositores.

Assad continuará usando a força até acabar com todo e qualquer foco de resistência. Estima-se que mais de 17 mil pessoas civis tenham morrido em um ano e meio, desde quando a oposição começou a ir às ruas em manifestações pacíficas e foi recebida à bala pelas tropas do ditador. A oposição, composta majoritariamente de sunitas que abarcam dois terços da população síria, mudou de métodos e tomou armas para derrubar o governo.

Os avanços políticos e militares da oposição foram vacilantes até pelo menos o dia 18 de julho, quando um ataque terrorista mandou pelos ares alguns próceres do regime, entre eles o cunhado de Assad, um dos homens-chave da segurança, assim como o ministro da Defesa, além de ferir, com diferentes graus de gravidade, vários dos mais íntimos colaboradores do pequeno círculo de fiéis que responde ao comando de Assad. O feito da oposição envenenou o ambiente no qual Assad se movia.

Em primeiro lugar, os rebeldes mostraram que tinham formas de eliminar o próprio ditador, o que talvez ocorra numa próxima e incerta tentativa. Depois, o ato lançou uma suspeita mortal sobre o aparato de segurança tido como inexpugnável, já que foram um ou vários de seus membros que colaboraram para que ele fosse bem-sucedido.

Depois disso, a debandada do regime se acelerou, com a saída de vários generais e fuga de soldados. Os postos-chave de comando do governo de Assad ficam nas mãos da seita alawita, que compõe 20% da população do país, sob a qual está o comando de importantes unidades das Forças Armadas sírias e da Guarda Republicana. Segundo a revista "The Economist", essas forças ultraleais a Assad, que lutarão até o fim pela manutenção do regime, teriam 50 mil homens, forte e abundantemente armados. Já o Exército Livre da Síria contaria hoje com o mesmo número de soldados, embora neles a disciplina seja pequena e o preparo militar bastante variado, indo de voluntários e desertores do exército de Assad até radicais islâmicos dos mais variados grupos. Mas a massa do exército é vital em uma revolução ou guerra civil e o grosso das forças do ditador é composto de sunitas, cuja lealdade, à medida que se ampliam as fraturas no regime, é cada vez menos segura.

Assad conta, ou contava pelo menos, com o apoio dos católicos e uma base de sustentação potencial maior do que a que cercava o ex-ditador líbio Muamar Gadafi. Ainda que seu governo esteja perdido, poderá permanecer enquanto tiver superioridade militar. A batalha pelo controle da Síria encontra-se em um ponto de alguma forma semelhante ao de quando Gadafi ameaçou atacar as bases rebeldes do interior do país. O regime não tinha forças para vencer, os revoltosos tampouco. A perspectiva de um morticínio em câmera lenta, como já ocorre, é o cenário mais provável, salvo uma intervenção externa, que não deverá ocorrer.

Rússia e China vetaram medidas mais fortes contra Assad, e o presidente americano Barack Obama, em uma dura batalha eleitoral, não repetiria a aventura líbia, embora esteja dando apoio logístico aos rebeldes sírios. Com o fracasso da missão de Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, não há novas iniciativas em campo. Uma das hipóteses cogitadas pelas grandes potências é a de manter o regime em pé, mas sem Assad. Seu temor é o que virá depois de Assad - o caos ou um governo islâmico, possivelmente com participação de radicais, à frente de um Estado com fronteiras com Líbano, Israel, Iraque, Jordânia e Turquia. Mas a deterioração do regime de Assad pode ter passado do ponto em que essa manobra é viável. A simples hipótese revela que Assad já é carta fora do baralho, mas antes que ele seja convencido disso, se o for, mortes e destruição continuarão fazendo parte do dramático cotidiano sírio.