Título: Com lucro menor e inadimplência, arrecadação deve crescer abaixo do PIB
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2012, Brasil, p. A2

O desempenho da arrecadação federal no primeiro semestre, a queda no lucro das empresas (ou os prejuízos) e a atividade econômica ainda fraca fizeram crescer, entre os especialistas, o receio de que o recolhimento de tributos da União cresça abaixo da evolução estimada para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2012. Essa estimativa está hoje em torno de 2% e o crescimento real da arrecadação pode ser ainda menor. Uma das razões é que o efeito da desaceleração econômica costuma bater antes na arrecadação tributária, sob a forma de inadimplência.

Em 2003 e 2009, quando houve desaceleração, lembra o economista Amir Khair, a arrecadação administrada da Receita cresceu abaixo do PIB. Em 2003, a economia cresceu 1,1% e a arrecadação teve queda real de 2,7%. Em 2009, o PIB recuou 0,3% e a receita tributária federal encolheu 3,05% em termos reais. Os dados levam em consideração o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). "As empresas preferem atrasar os tributos do que o pagamento a fornecedores."

Para Khair, a redução de arrecadação em junho não é vista como fato isolado, mas como parte de uma curva de desaceleração da arrecadação federal nos últimos meses. Influenciada por um crescimento de 42,7% no recolhimento do ajuste de Imposto de Renda das empresas - que ainda refletiu os resultados de 2011 -, a arrecadação administrada da Receita teve crescimento real de 10,18% em março, na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Sem receitas extraordinárias tão relevantes, em abril e maio o crescimento perdeu fôlego, com elevação real de 2,59% e 3,35%, respectivamente.

Everardo Maciel, sócio da Logus Consultoria e ex-secretário da Receita Federal, lembra que a queda de 6,83% em junho precisa ser relativizada. Em junho de 2011, o governo federal recolheu R$ 6,7 bilhões em receita extraordinária com o chamado Refis da Crise. Em junho deste ano, essa receita gerou apenas arrecadação de R$ 1,2 bilhão. Mas, mesmo excluindo a receita extraordinária da comparação, houve queda real de arrecadação de pouco mais de 2%.

Outros fatores também influenciaram a arrecadação de junho. Por exemplo, a redução da Cide-combustíveis e o benefício dado a 13 segmentos, adiando o recolhimento de PIS/Cofins de maio e junho para novembro e dezembro, respectivamente.

Para Maciel, porém, benefícios temporários, como o adiamento do PIS/Cofins, não garantem que a Receita Federal conseguirá repor a arrecadação ao fim do ano. Com a economia desacelerada, lembra, as empresas poderão ter dificuldades para recolher esse PIS/Cofins em meio a despesas sazonais, como o décimo-terceiro salário. "As empresas terão de fazer o recolhimento de dois meses nesse período."

Maciel prefere não fazer estimativas, mas acredita que a arrecadação não irá cumprir o desempenho estimado no início do ano, quando a Receita chegou a prever elevação real de recolhimentos de 4% a 4,5% em 2012.

Para Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, os benefícios têm efeito marginal na arrecadação federal total. A evolução da receita tributária, diz, reflete a atividade econômica. Almeida lembra que, em julho, algumas receitas devem surpreender de forma positiva. Com base em dados preliminares do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), o analista diz que em julho a Receita registra recolhimento de R$ 6,21 bilhões em juros de mora, devidos por atraso no pagamento de tributos. Até junho, essa receita gerou em média cerca de R$ 250 milhões mensais.

Com o desempenho indicado pelo Siafi até agora, diz ele, o acumulado de julho com esse tipo de recolhimento deve ficar em R$ 7,84 bilhões. No mesmo período de 2011, a Receita recolheu R$ 2,05 bilhões com esses juros.

Entre as receitas não tributárias, Almeida lembra que as compensações por exploração de petróleo e gás ainda continuam com bom desempenho. Até julho, acumulam R$ 20,7 bilhões, enquanto no mesmo período do ano passado somavam R$ 16,87 bilhões.

Mesmo assim, acredita Almeida, a receita tributária não deve se recuperar tão rapidamente. "A evolução mostra que é provável um crescimento real de arrecadação menor que a evolução do PIB", diz. Ele estima o crescimento do PIB entre 1,5% e 2% para 2012.

Mansueto diz que o governo ainda pode recorrer ao recurso legal dos restos a pagar, segurando pagamentos para 2 de janeiro de 2013 e assim chegar a um resultado primário de 3,1% do PIB. Mas ele acredita também que não seria problema fechar o ano com primário menor, de 2,9 % do PIB, já que o resultado nominal terá melhora significativa.

"Com a redução dos juros básicos, o déficit nominal deve chegar a 1,9% do PIB." No ano passado, lembra, foi de 2,6%. O economista Amir Khair tem raciocínio semelhante. "Um resultado nominal melhor é importante." Para ele, o déficit nominal pode cair para 2,2% ou 2% do PIB.