Título: Em novo memorial, Dirceu rebate Gurgel
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2012, Política, p. A6

Na principal disputa envolvendo o julgamento do mensalão, o advogado José Luís de Oliveira Lima, que defende o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, vai ingressar, hoje, com novo memorial ao Supremo Tribunal Federal (STF). Oliveira Lima pretende reforçar a tese de que não há provas documentais contra Dirceu e dirá que não existem laudos, saques e tampouco documentos assinados pelo ex-ministro. Além disso, o criminalista tentará desqualificar as testemunhas citadas pelo Ministério Público Federal para incriminar seu cliente, dizendo que nenhuma delas sustentou de maneira direta as acusações.

"A procuradoria-geral não conseguiu uma única testemunha que sustentasse a acusação contra Dirceu", disse o advogado. "Praticamente todo o memorial da procuradoria é constituído de citações de material probatório sem qualquer relação com Dirceu", continuou.

Um exemplo que será utilizado é a menção sobre um encontro de Dirceu com o publicitário Marcos Valério, que foi feita por Virgílio Guimarães, ex-deputado federal pelo PT de Minas Gerais. O episódio foi considerado pela defesa como "um depoimento vago", em que Guimarães menciona que viu Dirceu no mesmo restaurante em que Valério estava.

Guimarães é da mesma cidade de Valério - Curvelo, no interior do Estado - e as famílias de ambos são próximas. Ele foi apontado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, como a pessoa que apresentou Valério a Dirceu. Guimarães foi a primeira testemunha utilizada pelo procurador contra o ex-ministro durante a apresentação da acusação, na sexta-feira, no segundo dia do julgamento do mensalão no STF.

Ao tratar o depoimento de Guimarães como "vago" em um novo memorial, a defesa de Dirceu procura desqualificar o ponto em que a acusação aposta a maior parte de suas fichas para levar à condenação do réu numero um do mensalão: as provas testemunhais.

O memorial é importante para a defesa, pois Gurgel fez uma longa digressão aos ministros do STF para chamar a atenção deles às provas testemunhais que atestariam a liderança de Dirceu e seus supostos contatos com Valério. Ao apresentar a acusação, Gurgel disse que, como "mentor do mensalão", Dirceu não apareceu "ostensivamente nos atos da quadrilha", que foram descritos por outras pessoas em depoimentos. "O autor intelectual não fala ao telefone. Age por intermédio de laranjas. Não se relaciona diretamente com agentes secundários. Não deixa rastros facilmente perceptíveis de sua ação", afirmou o procurador-geral.

A decisão que o STF vai tomar sobre Dirceu é considerada chave no processo - não somente pelo fato de ele ser o réu número um e ter sido apontado pelo MPF como o líder do núcleo central do mensalão, mas porque a acusação de quadrilha parte de Dirceu para incriminar outros 22 dos 38 réus do processo. O mensalão foi descrito por Gurgel como um esquema organizado na campanha à Presidência da República, em 2002, sob a coordenação de Dirceu. Caso a tese da liderança do ex-ministro sobre a "quadrilha do mensalão" seja desconstruída, outros réus teriam mais chances de absolvição.

Ao todo, há três cenários para Dirceu no julgamento, segundo informaram a ele seus defensores. O único que contentaria o ex-ministro, de acordo com a sua equipe, seria a absolvição. Uma condenação severa, de mais de quatro anos - que levaria Dirceu à prisão -, é considerada como um cenário catastrófico. Por fim, há um terceiro cenário que está sendo tratado como de condenação leve. Nessa hipótese, Dirceu seria considerado culpado, mas pegaria penas leves, de menos de quatro anos, e prescritas, o que o deixaria livre da prisão.

No processo, o ex-ministro responde por crime de formação de quadrilha, com pena de um a três anos de reclusão, além de nove vezes por crime de corrupção ativa, com penas de dois a 12 anos de reclusão e multa.

Apesar de ser mais branda, a "condenação leve" não agrada a Dirceu. Além de marcá-lo como condenado, ela poderia levá-lo a perder o direito de se candidatar. Isso porque a Lei da Ficha Limpa proíbe que políticos condenados por um órgão colegiado da Justiça - caso do STF - sejam candidatos em futuras eleições. Dirceu já perdeu os direitos políticos por oito anos, ao ser cassado pela Câmara dos Deputados, em 2005, por causa do escândalo do mensalão. Qualquer condenação, por menor que seja, poderia ampliar ainda mais esse prazo.

Até mesmo a Procuradoria-Geral da República deve ser criticada caso Dirceu seja condenado, mas receba penas leves. Esse resultado indicaria que Gurgel não conseguiu provar que o ex-ministro esteve no comando do que ele chamou de "maior escândalo de corrupção do Brasil". Por fim, mesmo o STF não estaria imune a críticas na hipótese de "condenação leve" de Dirceu. Os ministros da Corte teriam que fundamentar muito bem essa decisão para não passarem a impressão de que, diante de um duro embate entre defesa e acusação, optaram por uma solução média.