Título: Marta tenta reverter periferia de SP para Lula
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2006, Política, p. A9

Buscar o voto da população de baixa renda de São Paulo e abafar a repercussão do dossiê comprado pelo PT para atacar o PSDB. Essas são as duas principais missões da petista Marta Suplicy, integrante do comitê político da campanha pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fortalecida ao manter-se distanciada dos petistas chamuscados com a compra do dossiê - ligados a Aloizio Mercadante, candidato derrotado ao governo paulista e a Ricardo Berzoini, presidente do PT- Marta encabeçará a tarefa de diminuir a diferença de votos entre Lula e Alckmin no Estado.

A imagem de Marta não deverá aparecer na propaganda eleitoral de Lula: ela ficará nos bastidores , na articulação com dirigentes partidários e nas campanhas de rua. Hoje, dirigentes do partido, prefeitos e deputados reúnem-se pela manhã em um hotel em São Paulo para traçarem diretrizes para o segundo turno e redefinirem papéis na direção da campanha em São Paulo.

O resultado configurado domingo, com a derrota traumática do senador Mercadante para José Serra (PSDB), mostrou um apoio a Lula do tamanho do apoio a Mercadante: o presidente teve apenas 160 mil votos a mais que o senador. Entre os tucanos, cenário semelhante: Serra obteve resultado próximo ao de Geraldo Alckmin. E consolidou a imagem de um partido encravado nas periferias da capital, nos extremos da cidade. Os petistas perderam duas zonas eleitorais nos extremos da cidade.

É justamente nas áreas mais carentes da capital, onde é popular, que a ex-prefeita de São Paulo ficará encarregada de conquistar votos. Ainda no Executivo, em 2002, Marta coordenou a campanha de Lula no Estado e, na capital, o petista obteve 46,11% dos votos válidos, e José Serra (PSDB), 28,52%. Na capital, Lula ficou ligeiramente aquém do desempenho no Estado, mas os eleitores da cidade foram fundamentais para o petista. Lula retribuiu o empenho e em 2004 chegou a ser multado por sua participação na campanha pela reeleição da candidata.

"Marta candidata ao Estado seria outro resultado. Ela teria margem de votos muito maior", afirmou Rui Falcão, ex-secretário de Governo da petista." Vamos concentrar a campanha na periferia, onde estão os votos e a maior identificação dos eleitores com Marta", disse. Passada a derrota estadual, o grupo "martista" articula-se para municiar a campanha com ataques à gestão de Alckmin e para tentar esvaziar o conteúdo das denúncias do dossiê contra o PSDB. Além de participar do comitê político, Marta ocupará na campanha o lugar de Paulo Frateschi, presidente do PT estadual.

Os petistas sintonizados com a ex-prefeita saíram fortalecido das urnas. Marta elegeu cinco de seus aliados e foi responsável pela conquista de cerca de 40 mil dos votos do ex-ministro Antonio Palocci na capital. Palocci é um antigo aliado da ex-prefeita. Em 1998, ele desistiu de disputar o governo paulista e coordenou a candidatura de Marta ao governo.

A propaganda das ações de Marta rendeu votos a seus aliados. Carlos Zarattini, por exemplo, conquistou um mandato para a Câmara lembrando os eleitores das vitrines da gestão, como o Bilhete Único e os Centros Unificados Educacionais (CEUs). "O PT continua forte na periferia de São Paulo. Marta teve um papel muito forte na periferia e está mais enraizada na população da capital. Lula teve uma votação abaixo do que poderia ter tido com Mercadante", pontuou. Por trás da eleição de Lula, a intenção de Marta é começar a construir sua volta à prefeitura paulistana, em 2008. Ainda que ocupe um ministério em um eventual segundo mandato do presidente Lula, a petista pretende um novo mandato para cacifar sua candidatura à Presidência, em 2010. "Não há nenhum impedimento de ministro disputar eleição do Executivo", apontou Rui Falcão, braço direito de Marta e ex-secretário da petista. Falcão obteve votos suficientes para eleger-se deputado federal, mas diz que ficou no Estado para pavimentar a candidatura da ex-prefeita.

O grupo paulista pretende liderar também o coro por troca na direção partidária. A tese defendida é de que os envolvidos com o dossiê - especialmente os assessores de Mercadante e de Berzoini - devem ser punidos de forma exemplar, com a expulsão do PT. Mas a mudança mais profunda terá de vir com o afastamento de Berzoini da presidência do partido, defendem os "martistas". A idéia é antecipar o Congresso do PT, instância máxima de decisões partidária, de setembro de 2007 para o primeiro semestre do próximo ano. Cogitam-se duas possibilidades para o encontro: os delegados escolhidos pelas direções estaduais definirão uma data para eleger um novo presidente ou os coordenadores do Congresso escolherão o novo líder da sigla.

O descontentamento com o envolvimento de petistas na compra do dossiê ecoou dentro do partido e os principais setores do PT engrossaram o coro para renovação dos quadros dirigentes. Além dos aliados de Marta, setores da "esquerda partidária", como a Articulação de Esquerda e a Democracia Socialista, manifestaram-se favoráveis à antecipação da eleição de um novo presidente. O mandato de Berzoini estava previsto para terminar em 2008.