Título: Cada um por si
Autor: Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 11/11/2010, Economia, p. 14

Divisão entre líderes é grande. Mantega propõe cesta de moedas para a composição de reservas internacionais

A quinta cúpula do G-20 (o grupo dos 19 países mais ricos do mundo e a União Europeia) começa hoje mergulhada em um clima de disputa, do cada um por si. Os governos querem proteger as suas economias dos efeitos perversos da intensa desvalorização do dólar iniciada em 2008, depois do estouro da bolha imobiliária americana. A disputa é tamanha que até temas considerados tabus, como o controle de fluxos de capitais, estão surgindo como opção para os que se sentem ameaçados. Para esquentar ainda mais a batalha, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendeu ontem que os países passem a usar uma cesta de moedas na hora de compor as suas reservas internacionais em vez de recorrer quase que exclusivamente ao dólar, como ocorre atualmente.

¿Assim como aconteceu na passagem do padrão ouro para o dólar, defendo a criação de um mix de moedas para a criação das reservas dos países¿, disse Mantega, que desembarcou em Seul, na Coreia do Sul, ao lado da presidente eleita, Dilma Rousseff. Para ele, a cesta de moedas deveria ser constituída por dólar, euro, iene, libra esterlina, real e iuan, o que ajudaria a conter oscilações excessivas de quaisquer uma dessas divisas.

O ministro contou que o primeiro passo será conversar e apresentar a ideia aos líderes do G-20. E acrescentou que o Brasil está pronto para adotar novas barreiras para evitar o ingresso de capitais no país, que está contribuindo para a supervalorização real (35% em relação ao dólar desde de 2009), tirando a competitividade dos produtos brasileiros no exterior e provocando um enorme rombo nas contas externas do país. Há um ano, o governo passou a cobrar 2% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na entrada de recursos no Brasil. Um ano depois, elevou a alíquota para 4% e, depois, para 6%.

¿O Brasil trouxe à tona o assunto da guerra cambial para evitar que o problema avançasse. A subavaliação de moedas (como ocorre na China, com o iuan) é um protecionismo disfarçado. Esses países fingem que praticam o livre comércio, mas, na verdade, camuflam o protecionismo¿, disse Mantega. Segundo ele, o Brasil é contra o protecionismo e não fingirá que não o está vendo. ¿Vamos adotar novas medidas para proteger nossos produtos. Nas outras reuniões do G-20 eu falava sozinho sobre os danos dessa guerra cambial. Agora que os EUA explicitaram o problema (ao injetarem mais US$ 600 bilhões em sua economia), houve uma reação em cadeia¿, frisou.

Caso o dólar continue derretendo, há o risco de o Brasil registrar, logo no primeiro ano de mandato de Dilma, deficit na balança comercial, devido à enxurrada de importações. Não à toa, o presidente Lula convocou a sua sucessora para participar do encontro de líderes mundiais. Será a estreia dela no cenário internacional como presidente eleita do Brasil. Dilma, por sinal, foi convidada pelo governo sul-coreano a participar de todos os eventos oficiais da reunião, a começar pelo jantar de chefes de Estado e de governo desta noite.

Pisando em ovos Em Seul, o policiamento está reforçado, com mais de 50 mil agentes nas ruas. Por enquanto, os protestos contra a reunião de cúpula estão sendo pacíficos, com os ativistas lançando mão da irreverência. Novas manifestações estão previstas para hoje.

A insatisfação com a chamada guerra cambial, tendo como líderes ¿ em lados opostos ¿ os Estados Unidos e a China, jogou para segundo plano os outros temas da reunião: uma regulação mais rigorosa do sistema financeiro internacional e as negociações multilaterais de comércio e de clima.

Papa pede união O Papa Bento XVI pediu aos líderes mundiais um trabalho em conjunto para encontrar soluções ¿duradouras, sustentáveis e justas¿ para a crise econômica, na véspera da abertura em Seul da reunião de cúpula do G-20. Em artigo publicado no Osservatore Romano, jornal oficial do Vaticano, o papa disse que os líderes das potências industrializadas e emergentes do planeta deveriam respeitar ¿a dignidade humana¿ e evitar políticas que favoreçam alguns países em detrimento de outros. ¿O mundo os está olhando¿, diz a mensagem do sumo pontífice.

EUA ganham com dólar fraco Os efeitos do dólar mais barato já estão aparecendo na balança comercial norte-americana. O deficit no saldo do comércio dos Estados Unidos com os outros países em setembro caiu 5,3%, mais do que o previsto por economistas. No mês, a diferença entre importação e exportação foi desfavorável aos EUA em US$ 44 bilhões, de acordo com o Departamento de Comércio. As previsões eram de um deficit de US$ 45 bilhões, abaixo, portanto, do resultado de agosto, quando as compras internacionais superaram as vendas em US$ 46,5 bilhões.

As importações somaram US$ 198,1 bilhões, contra exportações de US$ 154,1 bilhões, o maior nível em pelo menos dois anos, resultado da queda de 7,5% do dólar nos últimos quatro meses. Para Nigel Gault, economista-chefe nos Estados Unidos do IHS Global Insight, o deficit menor indica que poderá haver um crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano. Suas estimativas para este ano, por exemplo, passaram de 2% para 2,3%. E as exportações tendem a aumentar, empurradas pelo crescimento em mercados emergentes com um dólar mais fraco.

¿O comércio foi um obstáculo enorme para o crescimento nos segundo e terceiro trimestres¿, disse Gault. ¿Agora, deve se transformar em uma grande vantagem no quarto trimestre, em parte devido ao rápido crescimento das exportações¿. Até com a China o deficit comercial dos EUA caiu ¿ de US$ 28 bilhões em agosto, recorde histórico, para US$ 27,8 bilhões em setembro.

Já a potência asiática divulgou ontem o resultado de sua balança comercial de outubro. A China teve superavit de US$ 27,1 bilhões, aumento de 60,5% na comparação com os US$ 16,88 bilhões de setembro. Esse é o segundo maior superavit de 2010, só inferior ao de julho. Os dados são da Administração-Geral de Alfândegas. (LV)