Título: Chegou a hora de mudar
Autor: Salto , Felipe
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2012, Opinião, p. A15

É comum ouvir os economistas tecerem críticas à qualidade da política fiscal e, em particular, à composição das despesas públicas. Com razão, o que os críticos têm constatado é que a despesa com pessoal do governo federal vem se mantendo, nos últimos 15 anos, ao redor de 4,5% do PIB, enquanto os investimentos permanecem, hoje, no nível de 1% do PIB. É preciso, entretanto, passar da crítica à proposta e mostrar como seria possível promover alterações justas, social e economicamente, para a questão.

A política fiscal não é simplesmente mais um eixo da política macroeconômica, isto é, um mero instrumento para injetar ou reduzir pressões sobre a economia, através do gasto, ou auxiliar o Banco Central na tarefa de promover o controle inflacionário. Essas são funções cruciais, mas o lado fiscal de uma economia vai além disso. Em verdade, pode ser visto como o esteio de todo o conjunto de decisões políticas, sociais e econômicas em uma sociedade democrática. Trata-se de algo muito maior do que o "apertar botões" empreendido por burocratas e políticos de dentro de seus gabinetes em Brasília.

Em verdade, a política fiscal é a parte da economia que trata do gasto público, isto é, dos benefícios que a boa utilização do dinheiro arrecadado da sociedade pode proporcionar à nação. Dessa forma, a grande beleza das finanças públicas está justamente neste ponto: a arte de equacionar receitas e despesas em prol da execução eficiente e plena dos objetivos definidos pela sociedade, por meio de seus representantes eleitos, responsáveis por elaborar novas regras e por executar as já consolidadas.

Ideia é fixar limites anuais para o aumento real da despesa com pessoal, tendo em vista a previsão para o PIB

Nas palavras do professor Luiz Carlos Bresser-Pereira: "o Estado é a ordem jurídica ou o sistema constitucional-legal e a organização que o garante". De outra forma, o Estado é o conjunto de regras definidas socialmente somadas aos políticos e burocratas, que, juntos, são responsáveis pelo planejamento, elaboração e execução das políticas públicas. A saúde, a educação, os transportes, a segurança, o meio ambiente, a garantia dos direitos civis, políticos e sociais, a preservação da ordem e tantos outros temas que poderiam ser registrados, aqui, são os objetivos de um Estado republicano e democrático.

É nesse contexto que se insere a proposta de controle do crescimento dos gastos com o funcionalismo público. Na contramão das medidas que o Congresso vem defendendo, como a extinção do teto para o salário do funcionalismo, a proposta visa ampliar o potencial de crescimento do país ao longo dos próximos anos.

A sugestão é simples de explicar, mas difícil de ser aprovada, porque depende do esforço que o Executivo estaria disposto a empenhar para convencer o Legislativo de sua importância. Isto é, depende da posição que uma proposta como esta ocupa no ranking de prioridades do governo. Hoje, sabemos que ela não figura no topo desta lista.

Vamos, entretanto, a ela. Atualmente, a despesa com pessoal encontra-se estacionada em 4,5% do PIB, enquanto os investimentos seguem em 1% do PIB. A sugestão é de que se fixem limites anuais para o crescimento da despesa com pessoal, em termos reais, tendo em vista a dinâmica prevista para o PIB. Na prática, o governo teria de colocar, no Plano Plurianual (o PPA), elaborado sempre para quatro anos, contados a partir do segundo ano do mandato do presidente da República, e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (a LDO), uma regra fixando um limite máximo para o crescimento da referida despesa. Isto é, se o governo previsse um crescimento médio de 3% para os próximos quatro anos, ficaria a despesa com pessoal limitada a um crescimento de 1,5% ao ano. Esta regra simples traria enormes benefícios para o investimento e para o crescimento potencial.

Haveria maior espaço, ano após ano, no orçamento federal, para a execução de despesas com infraestrutura, que acelerariam e teriam seu patamar (em relação ao PIB) aumentado. De outro lado, a despesa com pessoal continuaria a crescer, em termos nominais e reais. Este crescimento, no entanto, seria inferior ao da economia. Haveria, assim, um arcabouço institucional mais eficiente, baseado no estímulo ao investimento e na contenção do crescimento da máquina pública, com limites efetivos à concessão de reajustes salariais e benesses semelhantes.

Na época do ministro Paulo Bernardo (atual Ministro das Comunicações), ainda no governo Lula, chegou-se a cogitar a possibilidade de implementar uma regra parecida com esta. Contudo, a ideia perdeu força, rapidamente, e hoje sequer é considerada nos vários anúncios dos inócuos pacotes governamentais. Chegou a hora de mudar.

Felipe Salto é professor do Master in Business Economics da Escola de Economia da FGV-SP e analista na área de macroeconomia da Tendências Consultoria.