Título: Desvios podem parar na Justiça
Autor: Cristino, Vânia; Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 11/11/2010, Economia, p. 16

Ministério Público será provocado se investigações contra Panamericano avançarem para área criminal

A maquiagem contábil, uma prática condenada no mercado financeiro, escondeu irregularidades do Banco Panamericano, do empresário Silvio Santos. Classificada como a 20ª do país em ativos ¿ voltada para financiamentos consignados e financiamento de veículos ¿, a instituição quase foi à falência depois que o Banco Central descobriu, em uma fiscalização de rotina, que seu balanço era inflado com receitas das carteiras de crédito já vendidas a cerca de 10 outros bancos. Além de contabilizar o dinheiro recebido pela comercialização desses ativos, o que é perfeitamente legal, o Panamericano continuava registrando os valores no seu balanço, uma irregularidade grave. O BC admite que as investigações podem ultrapassar a esfera administrativa e avançar para a criminal, com denúncia ao Ministério Público Federal.

O BC também suspeita que uma mesma carteira tenha sido vendida mais de uma vez para instituições diferentes. Diante da situação-limite, representantes dos maiores bancos do país decidiram, por meio do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), fazer um empréstimo de R$ 2,5 bilhões ao dono do Panamericano, Silvio Santos. Foi a maneira encontrada pela entidade para não ter que arcar com um passivo de R$ 2 bilhões, referente à cobertura necessária para bancar os depósitos dos clientes na instituição caso o BC optasse pela liquidação da instituição. A ação da autoridade monetária foi fundamental para esfriar o nervosismo que se estabeleceu no mercado logo no início do dia, quando os agentes financeiros temiam uma quebradeira generalizada de bancos.

Manobra As irregularidades com a negociação de carteiras de crédito foi um dos motivos que fizeram o mercado perder o fôlego ontem, já que levantou também a possibilidade de outras operações semelhantes ¿ venda de carteiras de crédito ¿ realizadas durante a crise financeira estarem maculadas pelo mesmo tipo de problema. O Panamericano quase foi fechado pelo BC, mas escapou da punição mais severa porque Silvio Santos ofereceu, como garantias para o empréstimo do FGC, todo o seu patrimônio empresarial ¿ a iniciativa preservou os bens pessoais do dono do Sistema Brasileiro Televisão (SBT).

O diretor de Fiscalização do BC, Alvir Hoffmann, relatou que a insituição descobriu o problema há cerca de seis semanas, tendo como base o balanço de 30 de junho da instituição. Ele admitiu, no entanto, que a manobra contábil pode ter começado bem antes. ¿Algumas operações de crédito podem retroagir de três a quatro anos¿, ponderou. Hoffmann rebateu a crítica de que o BC demorou para agir. ¿Agimos assim que detectamos o problema, o que não é uma coisa simples. Não é como contar moedinhas no bolso.¿

Colarinho O diretor do BC garantiu que, com o aporte de recursos feito pelo controlador do banco, todos os credores estão cobertos, inclusive a Caixa Econômica Federal, que comprou, em dezembro de 2009, 49% do capital votante e 36,6% do capital total do Panamericano. ¿O único que perde é o dono do banco¿, observou. Assim que chamado, Silvio Santos prontificou-se a cumprir todas as exigências. Preocupado com a imagem, o empresário e apresentador do SBT não tinha mesmo outra alternativa. Hoffmann lembrou que, no caso de uma liquidação, o controlador responderia também com seus bens pessoais.

A fiscalização do BC tratará de identificar os responsáveis pela operação. Toda a antiga diretoria, já substituída pelos controladores, é suspeita. Se, durante as investigações, o BC detectar indícios de crime contra o sistema financeiro, os culpado serão enquadrados na Lei do Colarinho Branco.

Cobertor Mantido pelos bancos por meio de contribuições obrigatórias, o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) é um mecanismo privado. Foi estabelecido a partir de 1995 para proteger os clientes em caso de quebra ou liquidação das instituições financeiras. A cobertura devida pelo FGC é de até R$ 60 mil, por pessoa, e de R$ 20 milhões por empresa. Até junho deste ano, o total protegido pelo fundo era de R$ 403,9 bilhões, equivalente a 36,88% do crédito existente no sistema.

Decisão política Fontes do mercado enxergaram como política a decisão do Banco Central de socorrer, indiretamente via Fundo Garantidor de Crédito (FGC), o Banco Panamericano com R$ 2,5 bilhões, valor superior ao próprio patrimônio da instituição (cerca de R$ 1,7 bilhão). A leitura dos analistas foi de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quer ser acusado de auxiliar banqueiros a cobrir rombos decorrentes de gestões irresponsáveis, como ocorreu com seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

O presidente Lula ficou irritado ao ser indagado ontem sobre a questão e afirmou que esse não é um assunto pertinente à Presidência da República. ¿Isso não é assunto de presidente da República. É assunto comercial, do Banco Central¿, disse. Para ele, o empréstimo contraído no FGC foi uma saída natural para evitar a quebra do Panamericano, uma vez que o fundo foi constituído para auxiliar tanto a instituição do Grupo Silvio Santos quanto qualquer outra que necessitar.

Lula negou que tenha tratado diretamente com o apresentador do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e dono de um conglomerado de 30 empresas, composto ainda por empreendimentos imobiliários e até um centro cultural. No fim de setembro, o empresário foi ao Palácio do Planalto para, segundo a versão apresentada na época, convidar o presidente a participar do Teleton, misto de show e programa beneficente em favor de crianças com deficiência física atendidas pela Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Na ocasião, Santos também pediu uma doação do presidente para o programa.

BB e Votorantim O uso de instituições públicas para a compra de ativos de bancos privados em dificuldades é, na visão dos analistas, uma outra forma indireta de ajudar o sistema financeiro. A tática foi adotada na compra de parte do Banco Votorantim pelo Banco do Brasil, durante a crise internacional, e no fim do ano passado, com a Caixa Econômica Federal adquirindo quase metade do capital votante do banco Panamericano. (Gc)

Fruto da troca de informações » A descoberta do rombo contábil no Banco Panamericano é a primeira a valer-se do convênio assinado no fim de outubro entre o Banco Central, instituição responsável por regular o sistema financeiro nacional, e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a quem cabe monitorar o mercado de capitais. Pelo acordo, as duas entidades passaram a trocar informações sigilosas em casos de investigação de possíveis irregularidades. Ao contrário do BC, que veio a público tranquilizar o mercado, sobretudo o financeiro, a CVM não se pronunciou sobre o caso da instituição do empresário Silvio Santos. Em nota, limitou-se a dizer que ¿não comenta situações específicas, embora acompanhe e analise as informações e operações de companhias abertas, adotando as medidas cabíveis, se necessárias¿. Quando foi anunciada a parceria entre as duas entidades, a presidente da CVM, Maria Helena Santana, afirmou que o acordo daria maior agilidade às investigações conduzidas pelo órgão. (GC)

MEMÓRIA Nacional maquiou

Não foi exatamente a mesma coisa, mas a manobra contábil praticada pelo Banco Panamericano guarda semelhança com as operações do extinto Banco Nacional que, em 1995, deu origem ao Programa de Estímulo à Recuperação do Sistema Financeiro Nacional (Proer). Na ocasião, o Banco Central detectou na instituição da família Magalhães Pinto mais de 600 operações de empréstimo fictícias e um rombo da ordem de R$ 6,5 bilhões.

Mas, naquela época, não havia ainda o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), criado com o objetivo de proteger os depositantes vítimas de uma crise bancária. Ao contrário de Sílvio Santos, que tem patrimônio suficiente para garantir a operação de empréstimo, os antigos controladores do Nacional não dispunham dos recursos necessários para salvar o banco. A solução encontrada pelo governo foi a de dividir a instituição em duas partes, uma boa e outra ruim. A parte boa foi vendida para o Unibanco e a parte podre liquidada pelo BC. (VC)