Título: Lula prepara segunda rodada de reformas
Autor: Costa, Raymundo e Romero,Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2006, Especial, p. A14

Apesar das resistências do PT e de alguns setores do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve propor, no segundo mandato, uma nova rodada de reformas. A idéia é negociar uma agenda comum com a oposição e os governadores, com itens que interessam aos dois lados, como as reformas tributária e previdenciária, a reformulação da Lei Kandir e a aprovação do Fundeb.

O conteúdo das reformas ainda não foi definido, uma vez que depende de negociação com os novos atores políticos, mas ministros, assessores e conselheiros do presidente informaram ao Valor que o presidente está decidido a fazê-las. "O presidente toma uma iniciativa logo após a eleição", contou um colaborador próximo de Lula.

A reforma da Previdência Social é a mais polêmica dentro do governo e no PT. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e o ex-ministro Antonio Palocci, ainda hoje um conselheiro influente de Lula, lideram o grupo que a defende. Eles acreditam que o país tem fôlego para caminhar sem reformas, mas que, sem o aprofundamento destas, a economia continuará crescendo num ritmo menor.

Recentemente, o então coordenador da campanha presidencial, Ricardo Berzoini, declarou que o governo não a faria. O ministro Guido Mantega, da Fazenda, também disse, na semana passada, não estar convencido da sua necessidade. Ontem, Mantega foi mais enfático, afirmando que o governo não vai fazer nova reforma da Previdência. Mas, segundo apurou o Valor, Mantega estava sendo político, evitando desgaste às vésperas da eleição. Alguns de seus assessores já estão trabalhando em propostas de reforma.

Os gastos do INSS consomem hoje 43% da despesa corrente da União. Por causa disso, o governo não consegue diminuir a carga tributária nem destravar o investimento privado e o público, este atualmente no menor nível da história - 0,5% do PIB. "Lula vai fazer as reformas no segundo mandato não por virtude, mas por necessidade. A mesma coisa aconteceu no caso Volkswagen", comparou um aliado e conselheiro do presidente.

A referência ao caso Volkswagen serve para mostrar o pragmatismo de Lula. Quando a multinacional anunciou recentemente que seria obrigada a demitir funcionários, o governo pensou em intervir, mas logo desistiu, com o presidente admitindo publicamente que, se uma empresa está em crise, ela é obrigada a fazer demissões. "A resposta da empresa foi: a Volkswagen não é uma Santa Casa de Misericórdia nem instituição de caridade. Então, qual era a alternativa? Aceitar um arranjo ou perder os 15 mil empregos? O governo não tinha nenhuma força para fazer alguém que está perdendo dinheiro continuar aqui", observou um interlocutor de Lula.

A reforma da Previdência, na avaliação desse conselheiro, só pode ser feita por Lula, que teria a confiança dos trabalhadores. "Jamais o Alckmin se meteria num jogo desse. Essa é uma grande vantagem do Lula", disse ele. O presidente acha que a oposição não tem razões para se opor às reformas. Um colaborador lembra que, quando a oposição aumentou o salário mínimo para R$ 384, em vez dos R$ 350 propostos pelo governo, assessores de Lula disseram a ele que o veto - que acabaria sendo feito - teria um custo político elevado. A resposta do presidente foi: "Vocês deixem de ser idiotas. O que a oposição quer é que eu aprove porque, aprovando, é que eu perco o governo. Quero ver a oposição votar contra a gente quando eu levar ao Congresso as reformas que eles estão defendendo".

Segundo fontes da área econômica, as discussões sobre novas reformas só não podem começar por duas áreas que distinguem, na avaliação do presidente, sua gestão das anteriores: o salário mínimo e o Bolsa Família. O problema é que, toda vez que o governo aumenta o mínimo, eleva a despesa e o déficit da Previdência, uma vez que 18 milhões de aposentados recebem o piso do INSS, equivalente a um salário mínimo. De acordo com um assessor da área econômica, por causa disso, Lula estaria disposto a desvincular o mínimo do piso, desde que se institua uma regra que assegure a manutenção do poder de compra das aposentadorias.

A avaliação corrente entre colaboradores próximos do presidente é que o governo já tem uma agenda indigesta a enfrentar no Congresso - a prorrogação da CPMF e da DRU, que expiram em dezembro de 2007. Por isso, Lula estaria disposto a ampliar essa agenda e negociá-la por dentro. Paralelamente, para conquistar apoios em seu partido e mesmo na oposição, acenaria com uma política monetária menos ortodoxa que a atual.

É por meio de acordo também que o governo pretende negociar a reforma tributária, que o Planalto avalia "difícil, mas que precisa ser feita", segundo um graduado assessor do presidente Lula. Assim como a reforma política. Um ministro próximo a Lula acredita que é uma mudança que pode ser feito de comum acordo com a oposição - antes da crise, PT e PSDB eram os partidos com maior acordo de mérito sobre a reforma política, por um motivo: são partidos que lideram pólos e tiveram a experiência de ter de governar com a pulverização partidária.

Se Lula vencer a eleição, avalia que pode estabelecer uma agenda comum com a oposição. No início, seria preciso "baixar um pouco a bola", até serem curadas as feridas e alguns protagonistas da campanha, como Geraldo Alckmin, deixarem a cena. Até por solidariedade a companheiros de partidos, governadores como José Serra terão de guardar uma certa quarentena, mas depois precisarão governar "e achamos que legítimos interesses deles podem se juntar com legítimos interesses nossos em torno de algumas questões de fundo, de interesse comum", diz outro ministro próximo de Lula.

No caso da segurança, por exemplo. "Isso tem que ser pactuado", diz um auxiliar do presidente. O Planalto se convenceu de que a União precisa entrar no combate ao crime organizado, talvez tipificá-lo legalmente, como fez a Itália com os crimes de máfia, que tê uma legislação, condições prisionais e relação com advogados especiais. Uma legislação específica "pactuada" para que os Estados não se sintam constrangidos em contar com o auxílio da Polícia Federal, por exemplo, sem parecer que estão sendo vítimas de uma intervenção política do poder central.

Um assessor de Lula conta que é comum o presidente ouvir queixa de governadores sobre suas polícias militar, em alguns deles inteiramente corrompida. "Qualquer que seja o governador, o mais honesto, o mais humano, como é que enfrenta? Faz uma limpa? Mas como faz isso", questiona um auxiliar do presidente. Ele mesmo responde: "Não se trata de professor, que faz greve, mas de policiais que usam armas. Para fazer a limpa, vão precisar de auditorias externas, da Polícia Federal. Agora por qual razão um governador do PSDB, do PFL vai fazer isso a não ser de forma institucionalizada? Nós também não vamos querer, a PF vai lá e eles acusam de manipulação política, de interferência na vida do Estado".