Título: Alckmin mira o corte de despesas
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2006, Especial, p. A14

Com a perspectiva de voltar ao poder com Geraldo Alckmin, os tucanos já discutem um plano de vôo para a economia a partir de janeiro de 2007. A estratégia passa por um corte drástico nas despesas correntes, pela flexibilização da política de juros e pelo fim da predominância de economistas da PUC do Rio na formulação da política econômica.

A redução dos gastos correntes será feita por meio de um "choque de gestão nas contas públicas" - o mantra, repetido à exaustão por Alckmin durante a campanha, não é mera peça de retórica, segundo afiançam conselheiros do candidato do PSDB. O idealizador desse choque é o economista Yoshiaki Nakano, professor da FGV e ex-secretário da Fazenda do governo paulista nas gestões tucanas de Mário Covas e do próprio Alckmin.

"O legado de Nakano nos sete anos em que comandou a Fazenda em São Paulo foi justamente o ajuste e a racionalização dos gastos do governo", observa um colaborador de Alckmin. Nakano já teria um diagnóstico detalhado dos gastos federais e um plano para cortar o equivalente a 3% do PIB - cerca de R$ 60 bilhões. Ministérios seriam extintos e as prioridades, revistas.

Entre os tucanos, comenta-se que hoje o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), comandado pela ala esquerdista do PT, tem mais dinheiro para gastar que o Ministério da Agricultura. Enquanto o MDA gasta com a "formação de líderes rurais", a Embrapa, estatal que desenvolve tecnologia de ponta no setor agropecuário, sofre à míngua de recursos. A intenção dos tucanos é fortalecer a estatal.

O Bolsa Família, que deverá consumir R$ 8,6 bilhões em 2007, será preservado. Os tucanos avaliam que o programa é necessário e importante. No ano passado, representou apenas 2,4% da despesa primária do governo (excluídos os gastos com juros). O que o PSDB pretende fazer é aperfeiçoar o programa, tornando efetivas as condicionalidades exigidas das famílias que recebem o benefício. "O Bolsa Família representa muito pouco do Orçamento. O maior problema fiscal não está aí", diz um tucano.

Os assessores de Alckmin evitam, neste momento, o tema "reforma da Previdência social". É na Previdência, segundo os especialistas, que está o nó górdio do gasto público porque os benefícios pagos pelo INSS respondem hoje por 43% da despesa corrente. Na avaliação de alguns tucanos, antes da reforma da Previdência deveriam ser tirados do orçamento do INSS e colocar no orçamento fiscal (do Tesouro Nacional) os benefícios assistenciais - como a Loas e a Renda Mensal Vitalícia - destinados a idosos e deficientes físicos. Esta seria uma forma de calcular a real dimensão do déficit previdenciário, antes de se propor uma reforma constitucional.

Nos últimos anos, essas despesas cresceram fortemente. Em 2005, atingiram R$ 9,2 bilhões, superando, inclusive, o gasto com o Bolsa Família. Entre os defensores de mudanças nas regras de aposentadoria muitos discordam de retirar a Loas e a RMV das contas do INSS porque acham que, inflando o déficit da Previdência, fica mais fácil convencer o Congresso a aprovar as reformas.

Na agenda tucana, a reforma tributária é vista como necessária, mas não urgente. Na avaliação de economistas do PSDB, a atual estrutura de gastos, inchada pelo governo Lula - o gasto primário cresceu 18,3% em 2004, 16,1% em 2005 e 13,9% em 2006 (até agosto) -, exige uma carga tributária pesada (de quase 40% do PIB). É por isso que o ajuste proposto se inicia por cortes e racionalização de gastos. Só depois será possível pensar numa reforma dos tributos. "O sistema tributário é sintoma e não causa da situação que vivemos", observa um colaborador de Alckmin.

Os tucanos têm a preocupação de não serem vistos como desenvolvimentistas irresponsáveis. A visão fiscalista os distingue, na sua opinião, dos desenvolvimentistas do PT. Em vez da dicotomia "desenvolvimentismo versus monetarismo", os tucanos vêem no atual debate econômico, dentro e fora do PSDB, uma divisão entre os que defendem a prevalência do ajuste macroeconômico e aqueles que sustentam que é possível manter a estabilidade fazendo a economia crescer mais rápido. "O desafio do crescimento é hoje mais uma questão de políticas microeconômicas, de melhora do ambiente de negócios. Essas mudanças são menos óbvias e mais difíceis de fazer", reconhece um tucano.

Há divisões no PSDB. Segundo apurou o Valor, Alckmin conversa com os representantes do grupo ligado à PUC do Rio, mas tem incorporado mais as idéias do grupo paulista, do qual Nakano é um dos principais representantes. "A PUC influencia a política econômica desde 1991, quando Marcílio Marques Moreira era ministro da Fazenda. Com Alckmin, isso vai mudar", sustenta um tucano. O próprio Nakano, preocupado com as restrições criadas nos mercados a seu nome, por causa de declarações que ele deu em defesa de um real desvalorizado e da eliminação das LFTs (papéis do Tesouro indexados à taxa Selic), teria reconhecido que não há espaço para rupturas na economia.

Além do gasto público, os tucanos acreditam que é possível mexer na política monetária, considerada equivocada e responsável pelas baixas taxas de crescimento do país nos últimos 12 anos. A crítica fundamental é a de que o modelo econométrico utilizado pelo Banco Central, ao usar uma base de dados que incorpora o período de inflação elevada, não leva em conta mudanças que vêm ocorrendo no setor produtivo. Esse arcabouço carrega para os dias de hoje distorções que levam o BC a aplicar um remédio mais forte que o necessário.

Esse modelo produziu as taxas de juros mais altas do planeta, apreciou excessivamente o câmbio, derrubando a inflação abaixo da própria meta definida pelo governo. "O modelo está errado. E é por isso que o BC está olhando, estupefato, para o que está acontecendo", diz um conselheiro de Alckmin. "Agora, eles querem ajustar a meta de inflação para baixo."

Se chegarem ao poder, os tucanos querem criar as condições para adotar uma política de juros flexível. Eles acham que há espaço para novas quedas - com a redução da inflação, o juro real não cai abaixo de 10% ao ano -, mas reconhecem que, como a taxa Selic já está em queda, o problema hoje é menos agudo do que era há um ano. A proposta de aprofundamento do ajuste fiscal, com a busca do déficit zero a médio prazo, é, de acordo com a avaliação de tucanos influentes, a forma de arrumar a casa mais rapidamente, criando as condições para o corte dos juros.

Quanto ao câmbio, os tucanos dizem que, numa gestão Alckmin, pode até ocorrer uma apreciação no primeiro momento, uma vez que, anunciado o ajuste fiscal, o país entraria na ante-sala do "investment grade", levando os mercados a precificar esse movimento. Nesse contexto, cabe ao governo fazer intervenções no setor real da economia para compensar esses efeitos.

Um assessor do candidato tucano lembra que, se o governo Lula tivesse autorizado a tempo o uso de soja transgênica no Centro-Oeste, o custo do plantio teria sido 20% menor. Este seria um exemplo de medida compensatória para o problema cambial.