Título: A fantasia da independência em energia
Autor: Longmuir, Gavin
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2007, Opinião, p. A11

O paradoxo da busca atual por independência em energia é que esta na realidade aumenta a insegurança energética. Independente do que possam preferir os políticos que exigem independência em energia, o mercado escolheu o petróleo como a fonte de energia básica. Assim, os governos não deveriam ignorar os interesses válidos dos exportadores de petróleo, dos quais dependem os consumidores nos seus países, nem a reação dos exportadores à retórica de independência em energia ou a medidas adotadas para alcançá-la. Políticos isolacionistas podem não se importar com outros países, mas eles deveriam pensar duas vezes, para não prejudicarem os seus.

As maiores ameaças à segurança energética mundial não são atentados terroristas ou embargos impostos por países produtores de petróleo - eventos de curta duração que podem ser tratados rápida e eficazmente através de várias medidas, incluindo a dependência em reservas estratégicas de petróleo, aumentos na produção e desvio de embarques de petróleo. Em vez disso, a principal ameaça à sustentabilidade de longo prazo do abastecimento de energia é o descasamento entre investimento em capacidade adicional e infra-estrutura energética, por um lado, e o crescimento na demanda por energia, por outro.

Os principais exportadores de petróleo poderão responder de uma série de formas aos posicionamentos políticos na questão da energia, cuja maioria exacerbaria, em vez de aperfeiçoar, o quadro energético global. Um dos cenários mais plausíveis em resposta às exigências pleiteadas por governos e políticos em todo o mundo, de reduzir, ou eliminar até, a dependência sobre o petróleo, é uma queda relativa no investimento em capacidade de produção adicional nos países produtores de petróleo.

Uma crise energética neste caso será quase certa, se aqueles que pressionam por independência energética não conseguirem oferecer uma alternativa praticável de forma oportuna. Certamente, essas tentativas quase fracassarão no objetivo de substituir o petróleo num espaço de tempo razoável, já que não são impulsionadas pelo mercado e exigem pesados subsídios.

Realmente, confrontados pela retórica hostil dos líderes políticos, os produtores de petróleo têm um forte incentivo para aumentar a produção a fim de reduzir os preços do petróleo a níveis que prejudiquem a viabilidade econômica das fontes de energia alternativa - uma política intervencionista lógica para fazer frente às políticas de petróleo antiintervencionistas dos países consumidores. Afinal, um colapso nos preços do petróleo representaria uma sentença de morte para várias novas tecnologias energéticas e, não incidentalmente, elevaria a demanda pelo petróleo.

Mesmo se os países produtores de petróleo não causarem um colapso nos preços do petróleo intencionalmente, eles poderão acelerar a produção tanto quanto puderem no curto prazo, enquanto o petróleo ainda tiver algum valor. Os preços mais baixos do petróleo, porém, aliados às expectativas de uma queda na demanda, poderiam por sua vez exercer pressão sobre os países produtores de petróleo para que reduzam os investimentos planejados na capacidade de produção ou até para desativar grandes projetos, como já fizeram no passado, acarretando uma queda no abastecimento de petróleo. Assim, se as tecnologias de energia alternativas não estiverem disponíveis até o momento em que a produção de petróleo começasse a cair, a escassez global poderá se tornar inevitável, ao passo que a eliminação do déficit em investimentos poderá levar anos, mesmo diante dos crescentes preços do petróleo.

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Apesar destas possibilidades, suponhamos que os planos para a energia independente lograssem bom êxito, e que vários países europeus, os Estados Unidos, Japão, China e Índia se tornassem auto-suficientes. Os principais países exportadores então poderiam tentar usar o seu agora menos valioso petróleo nos seus países como combustível barato para um setor expandido da indústria pesada. Em vez de exportar o petróleo diretamente, eles poderão exportar a sua energia embutida em metais, produtos químicos e produtos industrializados a preços que desbancariam os preços de qualquer coisa que os produtores nos países consumidores de petróleo, especialmente Europa e EUA, pudessem equiparar, dada a sua dependência em fontes de energia alternativa a custos mais altos.

A independência em energia poderia, assim, destruir setores inteiros, especialmente o petroquímico, de alumínio e aço. Na verdade, a energia barata em países produtores de petróleo poderá colocar as suas novas indústrias em nível competitivo com as da China, Índia e Sudeste Asiático. O resultado final seria uma perda de postos de trabalho e economias debilitadas. Os países poderão acabar ficando dependentes em energia, só para se tornarem dependentes no aço ou nos produtos petroquímicos.

Então o que poderá vir mais adiante? Será que os políticos, com seu fascínio perpétuo com "independência", tentarão eliminar a dependência, num ritmo de uma "commodity" por vez? Posto de outra forma, será que a causa da "independência em energia" tentará reverter a globalização?

O petróleo é um recurso finito. Apenas opções de energia sustentável de longo prazo, voltadas para o mercado e economicamente viáveis poderão garantir crescimento econômico nos países produtores e nos países consumidores. Políticas isolacionistas, pelo contrário, sempre conduzem à escassez e à insatisfação. Não importa como a independência em energia será perseguida, ela jamais conseguirá ser mais do que uma fantasia inatingível - e potencialmente perigosa.

Gavin Longmuir é engenheiro especializado em Petróleo e associado à International Petroleum Consultants Association.

A. F. Alhajji é economista especializado em Energia e livre-docente na Ohio Northern University. © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org