Título: Indefinições sobre o BC não podem permanecer
Autor: Valor
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2007, Opinião, p. A10

Uma reunião do presidente Lula com seus colaboradores da área econômica na Quarta-Feira de Cinzas alimentou rumores de que, naquele momento, estaria sendo definido o futuro de Henrique Meirelles à frente do Banco Central e a permanência do resto da diretoria colegiada na instituição. No mesmo dia, assessores do Palácio do Planalto, do Ministério da Fazenda e do BC se esforçaram para mostrar que se tratou de um encontro de rotina.

Três semanas antes, ocorreram ruídos semelhantes quando o presidente Lula convocou economistas oficiais para debater a valorização da moeda nacional. Ironicamente, o real sofreu uma breve desvalorização apenas enquanto circularam boatos de que Meirelles estava fora do governo. Quando foram negados, a taxa de câmbio voltou a se apreciar.

Os dois episódios mostram que, em política econômica, a falta de decisão às vezes é pior que fazer uma escolha errada. Quando decide mal, o governo colhe as repercussões negativas da escolha. Mas pelo menos pode se beneficiar de ganhos de curto prazo da decisão. Se apenas ameaça tomar o caminho errado, ficam somente repercussões negativas sobre as expectativas.

Tome-se o caso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo decidiu aumentar os investimentos públicos para, com isso, ampliar o potencial de crescimento da economia. A medida faz sentido, considerando que, para produzir superávits primários gigantescos, a prática vinha sendo a de sacrificar os investimentos.

Teria sido melhor se o PAC fosse bancado com corte de despesas correntes. Mas o governo fez a sua opção - reduzir o superávit primário. O problema é que a decisão foi tomada pela metade. Como o governo não sabe se será capaz de gastar tudo o que planejou, anunciou que o superávit primário será reduzido em até 0,5 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007, de 4,25% para até 3,75%.

Com isso, o governo criou uma fonte de incerteza, que os agentes econômicos colocam no preço dos ativos financeiro. O BC também incorpora esse ponto obscuro nos cenários que embasam as decisões de política monetária, que tendem a ser um pouco mais conservadoras.

A hipótese de o superávit primário ser reduzido em até 0,5 ponto percentual está na ata da reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Quando existe uma incerteza, um BC conservador leva a sério o risco de que o cenário ruim vá se concretizar - no caso, uma expansão fiscal de 0,5 pp. do PIB. O desfecho poderá ser o pior possível: o governo não conseguir investir o previsto, mas o Copom calibrar os juros assumindo o risco de que 100% dos investimentos vão de fato ocorrer.

Neste momento, existe a indefinição sobre a permanência do presidente e de diretores do BC. As informações são de que Lula já decidiu confirmar Meirelles no cargo. Diretores, porém, podem ser trocados. A comunicação da decisão não é feita agora porque Lula quer confirmar Meirelles junto com outros ministros. O anúncio foi adiado cinco vezes - agora, a promessa é fazer no fim de março, depois da convenção do PMDB.

A falta de decisão de Lula estimula pessoas próximas a ele, no Planalto e no PT, a difundir a versão de que serão nomeados diretores com perfil mais desenvolvimentista para o BC. A hipótese tem repercussões concretas. Mina a credibilidade da política monetária e produz ruídos na formação da curva de juros, obrigando o BC a ser ainda mais conservador para obter um mesmo efeito no controle da inflação.

Uma das contribuições mais importantes para a teoria econômica no século 20 foi feita pelos economistas Milton Friedman e Edmund Phelps. Os governos só conseguem explorar os ganhos de curto prazo de uma política monetária inflacionária, em termos de crescimento, enquanto essa estratégia não ficar clara para os agentes econômicos. À menor indicação de mudança nos rumos da política econômica, as expectativas mudam, e a mágica se desfaz: tem-se baixo crescimento e alta inflação.

No anúncio do PAC, o presidente Lula já deixou claro que não quer explorar ganhos de curto prazo que causem desequilíbrios de longo prazo. Tarda, portanto, em anunciar sua decisão de não interferir no BC, que poderia influenciar favoravelmente as expectativas.