Título: Thomaz Bastos diz que mensalão é 'fantasia' e ataca denúncia
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2012, Política, p. A5

Marcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça do primeiro mandato do governo Lula, fez aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, um dos ataques mais fortes contra a denúncia do mensalão. Principal articulador da defesa desde o estouro do escândalo, em 2005 - quando ele aconselhava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diariamente e seus conselhos eram também pedidos por José Dirceu e até por Duda Mendonça -, até o início do julgamento na Corte, Bastos chamou o caso de "fantasia", disse que a acusação é "desprovida de senso de realidade" e criticou ponto a ponto as alegações feitas pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

"De repente, Salgado se viu envolvido nesse furacão, nessa marca de fantasia "mensalão"", afirmou o ex-ministro, referindo-se ao seu cliente no processo, José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural que foi acusado 65 vezes por lavagem de dinheiro e 27 vezes por evasão de divisas, além dos crimes de formação de quadrilha e gestão fraudulenta de instituição financeira.

Aos ministros, Bastos pediu cuidado, pois eles estão julgando pessoas que não vão ter direito a recurso em outro tribunal. "É um julgamento com bala de prata, de uma vez só." Ao procurador, ele qualificou como um erro o Ministério Público descrever uma "confederação de várias condutas". "São muitas coisas ligadas umas nas outras de modo que fica impossível que se faça uma caminhada racional e lógica", disse o advogado. "A teoria da relatividade foi afrontada muitas vezes dentro desse processo."

Um dos maiores erros da acusação, na opinião de Bastos, foi o de dizer que o Banco Rural teve o interesse de se aproximar do governo para atuar na liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, um negócio de R$ 1 bilhão. Segundo o advogado, esse episódio não foi articulado na denúncia, em 2006, e ao longo do processo. "Mas, depois, nas alegações finais, tentou-se dizer terroristicamente que o motivo que levou o Rural a dar os três empréstimos foi o pote de ouro de R$ 1 bilhão que receberia quando o Mercantil tivesse a sua liquidação levantada", disse.

Ao todo, o Rural concedeu R$ 32 milhões a empresas do publicitário Marcos Valério e ao PT, em três empréstimos. "Receber R$ 1 bilhão seria um bom negócio, mas aqui não. O Rural recebeu R$ 96 milhões", disse o advogado, tentando minimizar o episódio. Bastos enfatizou que "o PT pagou integralmente o empréstimo de R$ 3 milhões (iniciais), no valor de R$ 10 milhões, e os outros empréstimos das empresas de Marcos Valério só não foram quitados porque sucedeu esse escândalo e as empresas foram à ruína."

Em seguida, ele disse que seu cliente não era da área do banco que assinou os acordos com o PT e com as agências de Valério. O responsável pelos empréstimos seria o então vice-presidente, José Augusto Dumont, que os concedeu, em 2003, e morreu em 2004 num acidente de carro.

Ao passar a responsabilidade para o falecido Dumont, Bastos usou estratégia comum a todos os advogados. Os réus do núcleo político do mensalão estão alegando que o culpado seria Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, que teria indicado a eles o local e os valores dos saques. Já os réus do núcleo publicitário alegam que a orientação para os repasses de dinheiro seria de Marcos Valério. Por fim, os réus do núcleo financeiro estão alegando que Dumont é que teria feito os empréstimos a Valério e ao PT. Até José Carlos Dias, defensor da ex-presidente do banco, Kátia Rabello, qualificou-a como uma bailarina, uma artista que não entendia de assuntos financeiros, passando a responsabilidade para Dumont.

O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira adotou raciocínio semelhante ao defender Ayanna Tenório, ex-diretora do Rural. "De empréstimo ela não participou porque eles ocorreram em 2003 (na gestão de Dumont)." Segundo Mariz de Oliveira, Ayanna era "ignorante em finanças". E também em política: "Ela não teve contato com ninguém, não conhecia o núcleo político, José Dirceu, ninguém".

Defensor de Vinícius Samarane, atual vice-presidente do Rural, o advogado Maurício Campos utilizou outra estratégia, parecida com a de Bastos, ao tratar das práticas do banco na época do mensalão. Pouco antes de Campos falar, o ex-ministro da Justiça havia dito que o Rural cumpriu as normas previstas pelo Banco Central para a identificação de saques suspeitos. "O banco cumpriu todas as normas do BC, sem exceção. A descoberta de todas as pessoas que sacaram dinheiro só foi feita pelos arquivos do Rural", afirmou Bastos.

"As condutas e rotinas bancárias que esse processo trata como criminosas eram rotinas bancárias de todo o Brasil", continuou Campos, ao apresentar sua defesa após a do ex-ministro. Assim como Bastos, o advogado de Samarane também afirmou que os empréstimos do Rural foram legítimos, o que afastaria a acusação de gestão fraudulenta.

Bastos também fez questão de lembrar aos ministros uma tese que está sendo utilizada em conjunto por ele e outros advogados, como Marcelo Leonardo, defensor de Valério. Trata-se da reforma feita no Código de Processo Penal (CPP), a partir de um projeto de lei enviado por ele, quando ministro da Justiça, em 2004, que determinou que provas colhidas fora dos autos não devem ser consideradas como exclusivas para levar a uma condenação. Caso essa alegação seja aceita, os ministros do STF passariam a desconsiderar todo o trabalho feito pela CPI dos Correios no julgamento e lá estão vários depoimentos que incriminam os réus. "Nós não podemos esquecer o artigo 155 do CPP com a nova redação que foi dada a partir de 2008", advertiu Bastos aos ministros do STF.

O ex-ministro da Justiça definiu outras estratégias centrais no julgamento. Além de pedir o desmembramento do processo, que levou o STF a perder um dia do cronograma num debate que já havia sido travado pela Corte em 2006, numa discussão prévia sobre o mensalão, foi Bastos quem articulou a questão de ordem, na qual José Carlos Dias pediu, na noite de terça-feira, a interrupção da sessão porque a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha deixou o plenário. Na ocasião, Bastos telefonou para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, para que ele fosse ao STF para aderir ao pedido.

Ophir não conseguiu chegar ao STF a tempo, mas fez questão de divulgar nota em defesa da interrupção da sessão. "Se se ausentar, o advogado tem a sustentação oral cassada. Já os ministros podem se utilizar dos recursos audiovisuais para rever o que foi discutido. Esse tratamento desproporcional precisa ser modificado, pois o advogado não é um adereço à Justiça, mas sim indispensável a ela", disse Ophir, em nota à imprensa.

A presença dos mais renomados criminalistas no julgamento retirou da OAB o papel de apontar desvios no caso do mensalão e pedir punições. A partir do escândalo, em 2005, a Ordem cobrou a adoção de medidas de combate à corrupção e ética na política, como o fim do troca-troca partidário e a aprovação da Lei da Ficha Limpa. Mas, no julgamento do mensalão, ao invés de pedir a moralização da política, a OAB passou a reivindicar outras medidas, como pedido para instalação de sala de advogados no STF e o direito de eles serem ouvidos por todos os ministros da Corte. "Não ouvir os advogados e seus pleitos é diminuir os princípios do acesso à Justiça e o da ampla defesa", justificou Ophir.

Hoje, no sexto dia do julgamento, os ministros do STF vão ouvir a defesa de réus do núcleo político. A sessão vai ser aberta com a apresentação dos argumentos de Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil. Ligado ao PT, Pizzolato foi acusado de desvio de mais de R$ 73 milhões em repasses às empresas de Valério, por meio de um fundo de investimento da Visanet, empresa privada que tem o BB como acionista. Em seguida será apresentada a defesa de Pedro Corrêa, o terceiro e último parlamentar que foi cassado por causa do mensalão, além de Dirceu e de Roberto Jefferson. Corrêa era presidente do PP e deputado por Pernambuco quando estourou o escândalo.

Os advogados do ex-deputado Pedro Henry (PP-MT) e de João Claudio Genu, ex-assessor do partido, também serão ouvidos, bem como o de Enivaldo Quadrado, sócio da corretora Bonus-Banval, empresa acusada de fazer repasses a parlamentares.

A sessão deve ser longa. Ontem, os cinco advogados que apresentaram defesas utilizaram quase a totalidade da hora a que têm direito para defender seus clientes, inclusive Bastos, que falou por 57 minutos. Assim como o ex-ministro, todos adotaram o tom de voz calmo e pausado que arrastou a sessão até as 20h.