Título: Indústria uruguaia desconfia do pacote de promessas de Lula
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2007, Brasil, p. A2

A indústria uruguaia vê com ceticismo as ofertas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está trazendo na bagagem nesta segunda-feira, para o encontro oficial bilateral com o presidente Tabaré Vazquez. Lula promete novos investimentos e financiamentos, além de obras de infra-estrutura . E também garante que vai agilizar a derrubada de obstáculos ao comércio de bens e serviços uruguaios ao mercado brasileiro.

"Perdemos a fé no Mercosul", afirma o presidente da Câmara da Indústria do Uruguai (CIU), Diego Balestra, para quem o bloco não conseguiu até hoje resolver a questão das assimetrias comerciais entre os quatro sócios principais (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).

Lula chega às 11h30 a Montevidéu e parte na mesma hora em helicóptero, da base aérea de Carrasco para a Estância Anchorena, casa de campo da presidência uruguaia, que fica a 20 quilômetros da cidade histórica de Colônia do Sacramento (200 quilômetros de Montevidéu).

A delegação brasileira inclui os ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, de Minas e Energia, Silas Rondeau, e o assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia. Os presidentes têm uma reunião primeiro com os respectivos chanceleres e embaixadores e depois com os ministros.

Além de cumprir uma promessa feita logo depois da reeleição, a visita a Tabaré Vazquez tem como missão aliviar a pressão do Uruguai sobre o Mercosul. Vazquez voltou atrás na ameaça de fechar um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos - não aceito por Brasil e Argentina -, mas está cada vez mais próximo dos americanos, depois de assinar um Tratado de Investimentos com o país em dezembro. No próximo dia 10, receberá a visita do presidente George W. Bush, no mesmo local onde está recebendo Lula.

Acordos de livre comércio com outros países são reivindicados e defendidos pela indústria uruguaia. Diego Balestra disse ao Valor que não acha que seu país deva sair do Mercosul. "Mas temos que fazer entender a nossos vizinhos que uma economia pequena como a do Uruguai, com apenas 3 milhões de habitantes, não pode depender exclusivamente de seu mercado interno, precisa fazer acordos bilaterais com outros países para garantir mercado para sua produção."

Para o argumento dos governos argentino e brasileiro de que TLCs ferem o "coração" do Mercosul, a Tarifa Externa Comum (TEC), Balestra responde que o Uruguai já mantém um acordo de livre comércio com outros países, como o México por exemplo, que não ferem em nada a união aduaneira.

Em uma entrevista concedida ao "El País", o principal jornal local, publicada ontem, Lula disse que "o Brasil tem dado claros exemplos de sua intenção de contribuir para que se resolva o problema das assimetrias dentro do Mercosul", citando o Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), criado em janeiro, que visa financiar 11 projetos na região, sendo cinco no Paraguai, três no Uruguai e três regionais. E garante que estão sendo adotadas medidas para estimular a integração, como a eliminação da TEC em dobro em alguns setores e a eliminação de barreiras ao comércio. "Na visão do Brasil, todos os membros do Mercosul devem estar satisfeitos com os benefícios e vantagens obtidas dentro do bloco", afirmou Lula ao "El País".

Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse em entrevista ao jornal inglês "Financial Times" que as diferenças apontadas pelos sócios menores do Mercosul são resultado inevitável do "aprofundamento" das relações entre os membros do bloco. Mas os esforços diplomáticos não têm sido suficientes para aliviar a sensação de que só Brasil e Argentina ganham com a integração.

No ano passado, o Uruguai só conseguiu exportar mais que importar do Paraguai. A balança comercial do país registrou um déficit total de US$ 570 milhões, resultado de exportações de US$ 3,9 bilhões e importações de US$ 4,5 bilhões. Só com o Brasil, o país registrou déficit de US$ 388 milhões.

"Se as condições reais do Mercosul fossem aquelas estabelecidas desde o início (no Tratado de Assunção de 1991), não haveria problema. Mas a realidade é que há restrições ao livre trânsito não só de bens e serviços mas também de pessoas", afirma o presidente da CIU.

A única barreira que está mais concretamente próxima de ser levantada, segundo Balestra, é a que beneficia o setor de autopeças com uma redução do índice de nacionalização de componentes, dos atuais 70% nacionais e 30% importados para uma relação de 60% a 40%.

A medida vai permitir elevar as vendas da indústria uruguaia de autopeças para o Brasil e reduzir o enorme déficit bilateral - enquanto o setor automotivo brasileiro exporta US$ 128 milhões para o Uruguai (que não tem montadoras de automóveis), compra apenas US$ 8 milhões. "Acreditamos que em alguns meses estará funcionando", disse Balestra.