Título: Ações em alta velocidade
Autor: Camba, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2007, Eu & Investimentos, p. D1

Os benefícios de se investir em ações do Novo Mercado e do Nível 2 de governança corporativa da Bovespa vão muito além de se tornar sócio de empresas que tratam bem o minoritário e estão na vanguarda em termos de transparência. O que se acaba de descobrir é que os papéis que fazem parte desses dois grupos especiais de governança possuem uma liquidez maior em relação à quantidade de ações no mercado (o "free float") do que os papéis que estão no Nível 1 - primeiro degrau dentro das melhores práticas - ou no pregão tradicional da Bovespa. Em última instância, a maior liquidez em termos proporcionais aumenta as chances de as ações refletirem melhor os fundamentos da empresa e chegarem ao seu preço justo. Essa liquidez relativa também pode ser um sinal de que o investidor terá mais facilidade para comprar e vender tais papéis, que trocam de mãos numa velocidade maior.

Estudo preparado pela Bovespa com os papéis que fazem parte do Índice Brasil de 100 ações, o IBrX, mostra que as empresas do Novo Mercado e do Nível 2 giram mais as ações que têm em bolsa do que as do Nível 1 e as do pregão tradicional. O estudo calculou a relação entre o volume negociado e o "free float" dessas companhias. A partir disso, o levantamento chega num indicador batizado de "turnover velocity" que revela qual a velocidade em que as ações negociam o seu "free float".

Em primeiro lugar estão as empresas do Nível 2, com um "turnover velocity" médio de 135,59%. Isso significa que elas negociaram durante o ano passado inteiro quase 1,4 vez a quantidade de papéis em circulação. Em seguida, estão as do Novo Mercado, com um indicador de 93,63%, quase uma vez o "free float". Já as empresas do Nível 1 giraram, em média, 62,83% das ações. E as companhias do pregão tradicional têm um indicador de 81,24%, maior que as do Nível 1, por causa do giro de grandes empresas, como a Petrobras, o que acaba distorcendo a amostra.

O indicador é uma medida de liquidez que não depende do tamanho absoluto da empresa, mas sim da parcela do capital em circulação, explica o superintendente de operações da Bovespa, Ricardo Pinto Nogueira. Isso permite, portanto, comparar a liquidez de companhias de tamanhos diferentes, uma vez que o volume negociado é ponderado por esse capital disponível no pregão. "Quanto maior a liquidez, mais chances de a ação ficar próxima do seu preço considerado justo", diz.

A maior liquidez das empresas do Novo Mercado e do Nível 2 tem vários motivos. Entre eles, a exigência de as companhias terem pelo menos 25% do capital em circulação no mercado. Apesar de a regra valer para os três níveis de governança, ela tem mais impacto no Nível 2 e no Novo Mercado porque é neles que são feitos os lançamentos de ações.

O que vem ocorrendo também é que, na prática, as companhias estão vindo ao mercado com um "free float" muito maior que esses 25%, até para garantir liquidez aos papéis. A Lopes Brasil distribuiu 58,1% das ações e a Odontoprev chegou a 65,8%.

O fato de o "free float" ser pulverizado entre muitos investidores também contribui para uma negociação maior. A regra dos níveis diferenciados determina que haja um esforço de pulverização nas ofertas públicas, com no mínimo 10% das ações reservadas para pessoas físicas. "Não basta ter 'free float' grande, ele precisa estar desconcentrado, nas mãos de muitos investidores ", diz Nogueira.

A Embraer é um exemplo da necessidade de se ter um capital pulverizado para conseguir liquidez, cita Nogueira. Antes da recente oferta de ações, a companhia tinha um "free float" enorme, de R$ 10,6 bilhões, mas que estava muito concentrado nas mãos de fundos de pensão e investidores estrangeiros, ambos com perfil de longo prazo. Resultado: as suas ações negociaram 26,77% do "free float".

As ações de empresas do Nível 2 negociam o seu capital em bolsa numa velocidade maior do que as do Novo Mercado por causa da diferença da estrutura de capital, analisa o especialista em governança e professor de finanças da USP, Alexandre Di Miceli. Como as companhias do Nível 2 podem ter ações ordinárias (ON, com direito a voto) e preferenciais (PN, sem direito a voto), o controlador precisa de muito menos do capital total. O resto pode estar espalhado no mercado. Já as empresas do Novo Mercado só têm ON e, portanto, o controlador precisa ter pelo menos 50% do capital mais uma ação, sobrando, na melhor das hipóteses, os outros 50% no mercado.

Juntando as empresas do Nível 2 e do Novo Mercado num grupo e as do Nível 1 e do pregão tradicional em outro, a diferença de liquidez é ainda mais gritante. Analisando os dados do estudo, Di Miceli observa que as ações do primeiro grupo giraram, em média, 116% do "free float" das companhias frente a apenas 72% do segundo grupo. "Com esse estudo, fica patente que as empresas do Nível 1, em sua grande maioria, se preocupam pouco com o mercado e estão muito mais próximas do pregão tradicional do que da excelência em governança", completa.

Mais do que estrutura de capital entre ON e PN, ter "free float" grande ou estar no seleto grupo de governança, é a presença maior da pessoa física que faz as empresas do Nível 2 e do Novo Mercado terem um giro maior, afirma o diretor de renda variável do banco Itaú, Walter Mendes. "Esses investidores não deixam o papel esquentar nas mãos, compram hoje para vender amanhã e é isso que está fazendo o giro crescer", diz Mendes.

Ele acrescenta que isso nem sempre é sinal de fundamento. Algumas ações não têm liquidez alta porque apresentam bons fundamentos e por isso fazem parte das carteiras de longo prazo dos fundos de investimento e de pensão. Marcopolo e Saraiva são dois exemplos.

O professor do Coppead Ricardo Leal lembra que o giro pode ser grande conseqüência de um volume financeiro alto ou de um "free float" baixo. Há casos, porém, de empresas que têm um giro alto mostrando volume e "free float" elevados. Como é o caso de Net, com volume financeiro, em 2006, de R$ 8,8 bilhões, "free float" de R$ 3,7 bilhões e um um giro de 2,3 vezes o seu "free float". Leal lembra que, em termos de liquidez absoluta, as empresas do Nível 1 e do pregão tradicional são superiores, com um volume médio de R$ 5,9 bilhões e R$ 6,6 bilhões, respectivamente. As do Nível 2 tiveram de R$ 3,1 bilhões e as do Novo Mercado R$ 2,6 bilhões.