Título: Cristina e prefeito levam rixa ao metrô
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2012, Internacional, p. A15

Emblema do esplendor argentino no início do século 20, o metrô de Buenos Aires entrou em colapso em meio à briga política entre a presidente Cristina Kirchner e o prefeito da capital, o oposicionista Mauricio Macri. Uma greve por período indeterminado começou há dez dias e na prefeitura não se descarta fim do contrato de concessão com a empresa privada Metrovias, que, sem receita, em breve não terá mais como se manter.

A greve é tocada por um sindicato que não tem personalidade jurídica, dominado por lideranças oriundas do movimento piqueteiro de Luis D"Elia, dirigente ultrakirchnerista. Pedem 28% de aumento. Na sexta, os líderes do movimento se encontraram com a presidente na Casa Rosada, na presença de dezenas de outros sindicalistas. No mesmo dia, em um pronunciamento, Macri disse que não tinha nenhuma solução a propor. O prefeito foi obrigado pela Justiça a assumir as negociações.

Até o ano passado, o metrô portenho tinha um modelo triplo de administração, por meio do qual a operação era privada sob concessão, a expansão cabia à prefeitura e a manutenção e o regime tarifário, ao governo federal. Em janeiro, o governo municipal e o federal fizeram um acordo para transferir a gerência para a prefeitura.

Pelo acordo, o subsídio federal da ordem de 68 milhões de pesos mensais (US$ 15,8 milhões na ocasião) seria cortado pela metade. Para aumentar o autofinanciamento do sistema, Macri autorizou um reajuste de tarifas de 127%, passando o bilhete de 1,10 para 2,5 pesos (US$ 0,54 em valores atuais). Em troca do desgaste político, receberia aval para empréstimos no exterior. Apostar em uma parceria com Cristina foi o maior erro político de Macri nos últimos anos.

Os bilhetes de ônibus urbanos, também subsidiados, não foram aumentados por meses, já que o processo de retirada dos subsídios no setor de transportes ficou paralisado após um acidente ferroviário que matou 51 pessoas em fevereiro. Apenas neste mês o bilhete de ônibus subiu para parte dos usuários para 2 pesos (US$ 0,43). O resultado foi uma migração de viajantes. O número de passageiros da Metrovias caiu 16,6% em janeiro, 22,1% em fevereiro e 5,5% em março, e o reajuste não cobriu a diminuição do dinheiro federal.

Segundo o último balanço da Metrovias no órgão regulador do mercado de capitais, até maio o repasse mensal havia sido reduzido para 23 milhões de pesos (ou US$ 5,1 milhões) e a arrecadação adicional resultante do aumento não passou de 21,9 milhões de pesos (ou US$ 4,8 milhões). Macri decidiu não aportar subsídios municipais e denunciou o acordo no final de fevereiro. Cristina não aceitou a devolução do metrô e fez aprovar no Congresso uma lei tornando compulsória a transferência.

Sem titularidade definida, o sistema quebrou. Transformado em uma terra de ninguém, o metrô não recebe mais investimentos. Vagões novos aguardam liberação na aduana enquanto a Metrovias diminuiu no mês passado a frequência dos trens por falta de manutenção. O metrô de Buenos Aires foi o primeiro do Hemisfério Sul a ser inaugurado, em 1913. Na linha A do coletivo, ainda estão em operação os vagões de madeira importados da Bélgica na época da inauguração. São os equipamentos sob trilhos em pleno serviço mais antigos do mundo.

Neste fim de semana, Macri começou uma ofensiva na mídia para denunciar um cerco político da presidente. O prefeito é candidato declarado à sucessão presidencial em 2015. "Cristina tenta gerar uma concentração hegemônica de poder, em um processo similar ao que existe na Venezuela", afirmou no sábado, em entrevista para correspondentes estrangeiros.

Para Macri, "o que se passa no metrô não é um episódio isolado: foi precedido da retirada de policiais de hospitais e escolas e da retirada de fundos do banco municipal. Este círculo de atropelos terminará na aprovação da reeleição indefinida, no modelo chavista."

Na Argentina, a segurança pública é federalizada, embora exista em Buenos Aires uma guarda civil. Além da crise no metrô, Macri tenta barrar no Congresso um projeto de lei enviado por Cristina que transfere os depósitos judiciais de causas decididas em Buenos Aires para o Banco de la Nación, uma instituição federal. A capital argentina, que reúne 23,8% do PIB do país, conta com um banco próprio, o Banco Ciudad. Se o projeto já aprovado na Câmara passar no Senado, esse bando perderá cerca de US$ 1,5 bilhão em depósitos.

Macri e Cristina chegaram à prefeitura e à Presidência no mesmo ano, em 2007. Desde então, se reuniram uma única vez, em 2008. A capital argentina conta com cerca de 89% de receita própria para seu Orçamento, da ordem de US$ 6,5 bilhões. A independência econômica - essencial para a sobrevivência política de Macri- é conseguida ao peso de um arrocho tributário sobre a cidade. Neste ano, o prefeito conseguiu da Câmara dos Vereadores um aumento médio de 200% sobre o imposto local sobre a propriedade, conhecido como ABL, e já prepara um novo reajuste para o próximo ano.