Título: Renda maior estimula celular no Nordeste
Autor: Moreira, Talita
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2007, Empresas, p. B2

Com dificuldades para fechar as contas no fim do mês, a doceira pernambucana Vera Lúcia Calaça tomou uma atitude drástica: desligou o telefone fixo de casa. No lugar dele, comprou um celular para o filho, de 28 anos, que é motorista. Ela mesma já tinha um pré-pago e agora ambos procuram usar o orelhão para fazer ligações e, assim, controlar os gastos.

O filho de Vera Lúcia é um retrato dos 4,7 milhões de nordestinos que passaram a usar o telefone móvel em 2006 e levaram as vendas na região a crescer numa velocidade duas vezes maior do que a média brasileira.

Enquanto o número de assinantes de celular no Brasil aumentou 15,9% no ano passado, chegando a quase 100 milhões, no Nordeste a taxa de expansão foi de 30,4%, para 20,4 milhões. Assim, deixou de ser a região brasileira com a menor adesão ao serviço, título que agora pertence ao Norte. No fim de 2006, havia 39,34 celulares para cada cem nordestinos, ainda consideravelmente abaixo da média nacional de 53,24. O levantamento foi feito com base em dados da Anatel.

Desde 2002, a base de clientes de telefonia móvel cresce mais nos Estados nordestinos do que no total do país. Mas a diferença nunca foi tão expressiva como no ano passado, quando a região contribuiu com mais de um terço das linhas ativadas no Brasil. O ritmo continuou intenso em janeiro de 2007, segundo números divulgados na última semana.

Operadoras e economistas apontam uma série de fatores conjunturais para justificar o fenômeno. Os principais são o aumento do salário mínimo o Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal. A queda da inflação, dos juros e do dólar, além da recuperação no mercado de trabalho, também contribuiu para elevar o poder de compra da população.

"Há um efeito claro do salário mínimo, que teve aumento real nos últimos anos. Mais de 50% da massa salarial nordestina é vinculada ao mínimo, incluindo aposentados", observa o economista Sergio Vale, da MB Associados.

Dos 400 municípios brasileiros onde a previdência é mais importante como fatia da renda, 390 estão no Nordeste, acrescenta o economista Marcelo Néri, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas no Rio.

Para ele, há que se considerar também o efeito da queda da inflação, especialmente em alimentos. "Quanto mais pobre é a pessoa, maior a parte da renda comprometida com alimentos. A redução nesses preços liberou espaço para compras de outros bens", diz Néri.

O Bolsa Família - que tem boa parte de seus beneficiários no Nordeste - também contribui para irrigar a economia e aquecer o mercado de celulares, ainda que indiretamente. O programa injeta cerca de R$ 600 milhões por mês na região, segundo relatório do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome referente a julho de 2006.

"Não é que alguém que recebe o auxílio vá necessariamente comprar um celular. Mas o Bolsa Família fortalece o comércio nas regiões onde atua, faz as indústrias venderem mais. Dessa forma, cria-se uma massa de pessoas que podem ter um telefone móvel", afirma o diretor da TIM no Nordeste, Rogério Lyra, que notou forte influência do programa de distribuição de renda no crescimento das vendas.

Segundo Vale, da MB Associados, há uma correlação entre o crescimento na telefonia móvel e no varejo nordestinos em 2006. A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) feita pelo IBGE mostrou aumento de 10,5% no Nordeste, bem acima da média nacional de 6,2%.

"Além de todos esses fatores, alguns Estados estão recebendo muito investimento estrangeiro em turismo e indústria. No interior, vemos um boom do agronegócio" destaca Eduardo Valdez, diretor regional da Vivo para Bahia e Sergipe. A empresa atua nesses dois Estados e no Maranhão, mas não tem licença para operar no restante do Nordeste.

De acordo com Valdez, aproveitando a ebulição da economia local, no ano passado a Vivo ampliou de 120 para 205 o total de cidades baianas cobertas pela rede da empresa. Outras operadoras fizeram o mesmo, embora nem todas divulguem seus números.

Além disso, as empresas têm investido em ofertas que reflitam as peculiaridades do público nordestino.

As operadoras têm como grande desafio convencer os assinantes a reservar uma parcela de seu dinheirinho contado para fazer ligações. "Para ter lucro no Nordeste é preciso ter uma operação bastante enxuta", diz Lyra, da TIM. Há uma série de iniciativas das teles para estimular a recarga de créditos do pré-pago - modalidade escolhida por 84% dos nordestinos e 80% dos brasileiros em geral porque permite limitar os gastos.

Foi justamente para economizar que Vera Lúcia, a doceira, desligou a linha fixa. "O telefone ficava ali, e a gente ia usando. Aí a conta vinha alta que só", afirma. Agora que ela e o filho têm celular, o objetivo é gastar bem menos. Cada um recarrega o seu pré-pago - e "só o suficiente para uma emergência".

Como isso não é missão das mais fáceis, a Oi diz planejar cuidadosamente em quais municípios implanta sua rede. "É preciso fazer bem as contas antes de tomar a decisão", explica Flávia Bittencourt, diretora de marketing de varejo do grupo Telemar. Ela diz que a empresa está ampliando sua presença física no Nordeste, mas não revela números.

Os poucos, mas não desprezíveis consumidores de maior poder aquisitivo também ajudam as operadoras a fazer as contas fecharem. "Não sei o motivo, mas enquanto os mineiros são os clientes menos afeitos a novidades tecnológicas, o potiguar é o que mais está aberto", diz Flávia. Por esse motivo, alguns testes de inovação são feitos pela empresa no Rio Grande do Norte. No caso da TIM, o cearense é o assinante mais ávido por novidades.

Apesar do forte crescimento que a telefonia móvel tem apresentado no Nordeste, ninguém se atreve a dizer que ela alcançará, no curto prazo, os índices de adesão encontrados no Sul e no Sudeste.

"É uma questão de renda. Acredito que os índices do Nordeste já estejam próximos do limite. Daqui para a frente, dependeremos mais do crescimento econômico", afirma Lyra, da TIM.

O diretor de marketing da Claro, Roberto Guenzburger, aposta que a aceleração continuará forte nos próximos dois anos, mas também vê algumas nuvens preocupantes no horizonte. "Existem riscos. O caos aéreo, por exemplo, prejudica o turismo. Além disso, o crescimento da economia nordestina está muito baseado no consumo, e não em investimentos. Isso tem um limite", pondera.

Apesar disso, Néri, economista do Ibre/FGV, avalia que a disseminação dos telefones móveis pode ser, ela própria, um ingrediente propulsor da economia nordestina. "O celular é uma revolução muito mais importante do que o computador. É um bem de capital que permite inserir milhares de pequenos prestadores de serviços no mercado de trabalho."

Na rotina do casal Luiz Antônio Santana e Sônia Maria da Silva, o celular tornou-se uma ferramenta importante para amenizar a situação de desemprego em que ambos se encontram. Moradores do Recife, é por meio do telefone móvel que ela recebe dos clientes as encomendas de quentinhas e, ele, os serviços de serralheria que garantem o sustento da casa.

Recarregar o pré-pago é um luxo que raramente o casal pode se permitir. Mas vontade não falta. "Nas raras vezes em que colocamos o crédito, é um desastre. Ficamos ansiosos para ligar para todo mundo", diz Sônia.