Título: Advogado de Jefferson ataca Gurgel e pede inclusão de Lula no processo
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2012, Política, p. A6
Ao levar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o centro do julgamento do mensalão, o advogado Luiz Francisco Corrêa Barbosa, defensor do presidente do PTB e deputado cassado Roberto Jefferson, atuou para colocar em xeque o trabalho do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Segundo o advogado, Lula "não só sabia como ordenou o pagamento do mensalão" e Gurgel deveria ser responsabilizado por não ter denunciado o ex-presidente.
"Você não pode afirmar que o presidente da República fosse um pateta, um deficiente, que sob suas barbas pudesse estar acontecendo isso e ele não sabia. Lula não é só safo como é doutor "honoris causa" em universidades brasileiras e fora do país", afirmou Corrêa Barbosa.
O advogado pediu aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que convertam o julgamento em diligência para que Lula seja posto na condição de réu. Ele partiu da teoria do "domínio dos fatos" - utilizada pelo Ministério Público Federal para argumentar que o ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, estaria a par do pagamento de verbas a parlamentares - para defender a tese de que Lula também sabia do mensalão.
"Lula não só sabia como ordenou tudo isso que essa ação penal escrutina. Aqueles ministros [Dirceu, Luiz Gushiken e Anderson Adauto, também denunciados no processo] eram apenas executivos disso", afirmou Corrêa Barbosa. Ele lembrou que, ao acusar Dirceu, Gurgel afirmou que as reuniões do esquema do mensalão aconteciam entre quatro paredes no Palácio do Planalto. "O mandante ficou fora", continuou. "Deixaram o patrão fora da acusação", insistiu.
O ex-presidente Lula optou por não se manifestar sobre o novo pedido da defesa de Jefferson para que seu nome fosse incluído entre os réus do mensalão. Lula não assistiu à sessão de ontem do Supremo, mas foi informado dos fatos durante o dia. Dificilmente o pedido do advogado de Jefferson será aceito pelos ministros do STF, pois ele implicaria em adiar a conclusão do julgamento. Além disso, o STF já analisou a possibilidade de incluir Lula formalmente no mensalão e negou-a em abril de 2010. Mas, ao mencionar a eventual responsabilidade de Lula no escândalo, Corrêa Barbosa reforçou as críticas ao procurador-geral.
Até a apresentação da defesa de Jefferson, os ataques a Gurgel eram mais figurativos, sem pedidos de adoção de medidas concretas contra o chefe do Ministério Público. A denúncia do mensalão foi chamada de "marca de fantasia" por Marcio Thomaz Bastos, de "ilusionismo jurídico" por Marthius Sávio Cavalcante Lobato, advogado de Henrique Pizzolato, e de "criação mental" por Alberto Zacharias Toron, advogado do deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Já Corrêa Barbosa disse que Gurgel engavetou as denúncias contra Lula. Segundo ele, houve uma representação ao chefe do Ministério Público contra Lula por conta de envio de mais de dez milhões de cartas pelo INSS para incentivar a contratação de empréstimos consignados (com desconto direto na folha de pagamentos) em 2004, quando o BMG, que é citado no processo, seria o único banco a operar esse tipo de contrato. Corrêa Barbosa afirmou que a denúncia foi apresentada à Procuradoria-Geral da República (PGR) em abril de 2011, mas que até hoje não houve resposta. "É preciso pôr cobro a essa caixa-preta da procuradoria-geral, que contra a lei, que diz expressamente que ele tem que tomar condutas em 15 dias, não atua."
Em seguida, o defensor de Jefferson lembrou que Gurgel sofreu um pedido de investigação do senador Fernando Collor (PTB-AL) por não ter iniciado, em 2009, as apurações contra o empresário Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira. "Não houve ainda nessa República um procurador que fosse condenado por omissão", disse Corrêa Barbosa, que, assim como Collor e Jefferson, é do PTB. O advogado faz parte da direção executiva do partido e é secretário jurídico do PTB.
O defensor de Jefferson criticou ainda o pedido de prisão imediata de 36 dos 38 réus do mensalão logo após o julgamento, dizendo que Gurgel está procurando jogar a opinião pública contra o STF. "Quando ele [Gurgel] faz um pronunciamento que viola a lei [pedido de prisão], ele está se dirigindo à galera, ao povo que quer sangue. Mas sangue não pode ser oferecido sem provas." Apostando na absolvição, Corrêa Barbosa fez um ataque final a Gurgel: "Se esse tribunal concluir que não há provas, digam ao povo que foi obra do procurador-geral que não fez o seu trabalho."
Gurgel assistiu em silêncio às críticas do advogado de Jefferson e sua assessoria informou que ele não iria respondê-las ontem. Os ataques ao procurador-geral não costumam ter resultado entre os ministros do STF. Além de considerar mais as argumentações legais do que as apelativas para fundamentar seus votos, os ministros convivem com o procurador-geral e, no caso de Gurgel, há um cotidiano em comum há pelo menos três anos, período em que ele comanda o Ministério Público e senta-se ao lado dos integrantes do STF em todos os julgamentos.
A manifestação do advogado de Roberto Jefferson, que também previu um "festival de absolvições" no caso do mensalão, foi considerada pela defesa dos demais acusados como uma espécie de "tiro no pé". Na avaliação deles, as agressões deferidas por ele não ajudam em nada seu cliente e as chances de que o STF mude de ideia e inclua Lula na ação penal são remotas. A linha de atuação de Corrêa Barbosa durante a sustentação oral no plenário do Supremo já era prevista pelos demais advogados do caso, tanto que eles o deixaram de fora de todas as conversas que antecederam o início do julgamento, nas quais foram discutidas as estratégias da defesa.
As outras defesas de ontem foram centradas na tese de que as transferências de dinheiro para políticos através de saques em contas no Banco Rural indicadas pelas agências do publicitário Marcos Valério foram destinadas ao pagamento de campanhas. "Foi exclusivamente para pagamento de dívidas de campanha contraídas no segundo turno das eleições de 2002", afirmou o advogado Bruno Alves Pereira Braga, que defende o ex-deputado federal pelo extinto PL Carlos Alberto Rodrigues, o Bispo Rodrigues, acusado de ter recebido R$ 150 mil.
"Ele foi resolver uma demanda do partido", completou o advogado Ronaldo Garcia Dias, referindo-se ao ex-deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), que recebeu R$ 102 mil por meio da agência de publicidade SMP&B, de Valério. "O MP não conseguiu aprovar uma prova consistente que resultasse na acusação", afirmou Inocêncio Mártires Coelho, advogado do ex-deputado José Borba (PMDB-PR), acusado de receber R$ 200 mil para votar com a base aliada do governo Lula. Segundo ele, o MP adotou a tática do "se colar, colou".
Por fim, Itapuã Messias, advogado de Emerson Palmieri, ex-tesoureiro do PTB, acusado de movimentar R$ 4 milhões do esquema do mensalão, lembrou que a denúncia não foi feita por Gurgel, mas sim pelo seu antecessor, Antonio Fernando Souza. Ele lamentou que o procurador-geral não tenha tomado outros caminhos para "corrigi-la", mas, diante de tantas críticas a Gurgel, tentou ser menos ríspido com o chefe do MP. "Ele lembra o Jô Soares no jeito agradável de ser", disse Messias aos ministros, fazendo uma comparação que desagrada a Gurgel. "Eu não tenho dúvidas de que há de concordar que a denúncia não tem elementos." (Colaborou Cristine Prestes, de São Paulo)