Título: À beira de um ataque de nervos
Autor: Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2010, Economia, p. 16

Aumenta a resistência de países desenvolvidos e emergentes à decisão do governo dos EUA de injetar US$ 600 bilhões na economia. Analistas duvidam do sucesso da medida

O dia de ontem tinha tudo para ser um desastre no mercado financeiro internacional, com a decisão do Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano) de injetar US$ 600 bilhões na economia local. Países como China, Alemanha e África do Sul partiram para o ataque logo cedo, criticando o excesso de recursos à disposição para empréstimos. O maior medo é o de formação de bolhas de investimentos, especialmente nos países emergentes.

Poucas pessoas querem fazer dívida para consumir, mas muitos investidores estão tomando crédito a juros abaixo de 1% para aplicar em países onde podem ganhar dinheiro fácil no mercado financeiro e imobiliário. No Brasil, os títulos públicos estão pagando taxa de 10,75% ao ano. Mas o anúncio de criação de 151 mil vagas de emprego nos Estados Unidos acalmou os ânimos. A interpretação era que a economia do país estaria reagindo e que esse dinheiro extra poderia nem ser usado.

A melhora de humor se refletiu em cotações mais positivas. No Brasil, por exemplo, o dólar até fechou em alta de 0,11%, negociado a R$ 1,680, movimento que não foi suficiente para anular as perdas ao longo da semana. Nesse período, a divisa registrou desvalorização de 1,35%. No fim da tarde de ontem, a moeda norte-americana subia 0,8% ante uma cesta com as principais moedas do mundo. O euro, por exemplo, que no dia anterior foi cotado no maior nível em mais de nove meses, recuava 1,1%.

Diante do temor de encarecimento de ações, imóveis, alimentos e metais, começam a surgir alertas de uma corrida para defender os países de novas crises. Em relatório, a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Unctad (organismo das Nações Unidas para o comércio e o desenvolvimento) alertaram para o risco de protecionismo. Segundo o documento, o G-20 evitou o protecionismo até agora, mas, com a retomada lenta da economia e a persistência do desemprego, cresce a pressão para o fechamento das economias.

¿O perigo maior que corremos agora é o de uma onda protecionista¿, alertou a economista-chefe da Rosenberg e Associados, Thaís Marzola Zara. ¿Mesmo que esse protecionismo venha na forma de barreiras não tarifárias.¿ Isto é, de forma não clara, com mais exigências sanitárias, por exemplo. Em um caso como esse, o comércio mundial se reduziria com o fechamento das fronteiras e os países teriam dificuldades para financiar os rombos em suas contas públicas.

O professor da Escola de Pós-Graduação em economia da Fundação Getulio Vargas Tiago Berriel reconhece que os estímulos monetários dados pelo governo dos Estados Unidos não têm sido suficientes para tirar o país desta ¿armadilha de liquidez¿. ¿O tamanho da reação internacional vai depender do comportamento da economia norte-americana¿, analisou. Para o analista da LCA Homero Guizzo, ¿a alta do real, em parte, é o preço que o país está pagando por seu sucesso. As empresas querem investir onde há crescimento e trazem seus dólares para cá¿.

Impotência O fato é que o mundo assiste impotente ao derretimento do dólar, o que é bom para os Estados Unidos, que conseguem exportar mais produtos e impulsionar sua economia. O clima promete subir de temperatura na reunião do G-20 na próxima semana em Seul, na Coreia do Sul.

Ontem, a China rejeitou o plano dos Estados Unidos de impor limites aos desequilíbrios comerciais e a Alemanha criticou a política de injeção de recursos do Federal Reserve, antecipando as discussões que devem dominar o encontro da semana que vem. Já Washington insiste que o iuan desvalorizado é a principal causa dos desequilíbrios econômicos e tem pressionado Pequim a deixar a moeda avançar mais rapidamente, para refletir o fortalecimento da segunda maior economia do mundo.

¿O problema não é falta de liquidez. Dizer, agora, `vamos colocar mais recursos¿ não vai solucionar os problemas deles¿, avaliou o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble. Uma fonte do governo alemão garantiu que a chanceler Angela Merkel vai questionar a política monetária dos EUA durante as discussões sobre câmbio na reunião do G-20. Já as autoridades das novas potências econômicas na América Latina e na Ásia afirmaram que podem considerar novas medidas para conter a entrada de capital após a decisão do Fed.

Tiroteio Em meio ao tiroteio internacional, o presidente do Fed, Ben Bernanke, defendeu o plano de comprar mais US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro americano nos próximos oito meses. Em sua primeira declaração pública depois da decisão, ele afirmou que sua prioridade é garantir o maior nível de emprego possível e uma inflação estável nos EUA.

Bernanke disse que o dinheiro extra para comprar ativos vão gerar um crescimento mais rápido, assegurando que uma economia forte nos EUA é essencial para a recuperação global. Ele sugeriu que isso daria suporte para o dólar a longo prazo. ¿Os melhores fundamentos do dólar virão quando a economia estiver crescendo fortemente¿, explicou. O presidente do Fed acrescentou estar ciente do papel especial do dólar na economia global e no sistema monetário internacional.