Título: Bomba para o consumidor
Autor: Verdini, Liana; Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2010, Economia, p. 17

Alta dos produtos cotados lá fora tende a estourar no bolso do brasileiro. Preços das matérias-primas e dos grãos disparam nas bolsas

Com dinheiro no bolso e animados com a avalanche dos importados, os brasileiros estão consumindo como nunca. Mas a mesma porta por onde entram os produtos com o dólar mais barato dará passagem às commodities ¿ produtos que têm cotação no mercado internacional ¿ com preços nas alturas. A festa de hoje dará lugar a uma bomba-relógio que está prestes a estourar no bolso do consumidor. Afinal, são os alimentos, os metais e o petróleo, mercadorias essenciais na economia e com grande impacto no dia a dia das pessoas, que vêm alcançando altas recordes.

A alta desses produtos foi efusivamente comemorada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o que é bom para a balança comercial do país pode ser danoso para o consumidor. Toda essa especulação no mercado de commodities já está aparecendo nos índices de inflação. De acordo com o Índice Geral de Preços -Mercado (IGP-M), da Fundação Getulio Vargas (FGV), o preço das matérias-primas brutas variou 2,55% em outubro, contra 4,08% no mês anterior. Embora no geral a evolução dos preços seja agora menos intensa, alguns itens ainda mostram fôlego renovado. Soja em grão subiu de 3,07% para 5,04% e contribuiu para a alta de 1,30% do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA).

Especulação Por outro lado, o minério de ferro (que caiu de 0,28% em setembro para -3,83% em outubro) e algodão em caroço (recuo de 30,97% para 2,40%) trabalharam para amenizar a elevação da taxa. Pelos dados da principal bolsa em negociação de grãos do mundo, a Chicago Board of Trade, nunca houve tantas transações com contratos de milho, soja e trigo como no mês passado. Foram 309 milhões de toneladas de milho ¿ o recorde anterior era de 297 milhões de toneladas em 2008. Também foram negociadas 123 milhões de toneladas de soja (o nível mais alto havia sido de 119 milhões de toneladas) e 91 milhões de trigo (contra 83 milhões).

Com o dinheiro sobrando nos Estados Unidos, dizem os analistas, os investidores estão aproveitando para especular no mercado de mercadorias. O resultado tem sido uma alta sistemática dos preços, o que vem ocorrendo mesmo com uma safra mundial de grãos em nível elevado e com perspectiva de repetir a dose no próximo ano.

Vez do Brasil O presidente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano), Ben Bernanke, alertou que o forte aumento nos preços de commodities é uma exceção em meio aos custos contidos de outros produtos. ¿Isso vai contribuir para a inflação nos EUA¿, disse. Ele lembrou que a fraqueza da economia deverá evitar que os produtores repassem o aumento de preços para o consumidor em sua totalidade.

Mas para Lula, o momento é de comemorar. ¿Está chegando a hora em que as commodities estão ficando mais valiosas dos que os tais produtos manufaturados¿, disse ontem o presidente, em uma solenidade em Brasília. ¿O mundo precisa de mais comida e o Brasil é quem tem a competência de produzir muito mais comida¿.

Produção de material eletrônico cai 11% O derretimento do dólar em relação a outras moedas tem comprometido a competitividade de diversos mercados exportadores e, no Brasil, já ameaça vários setores da indústria que disputam os consumidores com uma enxurrada de produtos importados. A situação agravou a onda de protestos do segmento, que cobra uma solução definitiva do governo brasileiro para conter a hipervalorização do real.

Levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 15 dos 27 ramos industriais pesquisados em setembro apresentaram queda de produção. Entre eles, estão os setores químicos, de alimentos, refino de petróleo e produção de álcool, veículos automotores e metalurgia básica. Alguns casos, como os fabricantes de material eletrônico e equipamentos de comunicações, tiveram redução de 11%. Na separação conhecida por categorias de uso, o segmento que teve a atividade mais deprimida foi o de máquinas e equipamentos (bens de capital), com resultado 2,2% menor no terceiro trimestre do ano, quando comparado ao mesmo período do ano passado.

Na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi), o câmbio desfavorável é o principal motivo do recuo. ¿Não há outro fator em jogo que explique o processo de declínio da produção senão o câmbio, que tanto desestimula as exportações quanto, sobretudo, sustenta o voraz apetite de outros países pelo mercado brasileiro¿, destacou documento publicado pelo instituto.

Quem mais perde (*) Setores da indústria nacional que sofrem com o aumento das importações

» Material eletrônico e equipamentos de comunicações - 11,0% » Produtos químicos - 4,0% » Metalurgia básica - 2,0% » Alimentos - 1,7% » Refino de petróleo e produção de álcool - 1,5% » Veículos automotores - 0,9%

(*) Variação da produção em % entre agosto e setembro Fonte: IBGE

Cerco Para Fernando de Holanda Filho, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), a reivindicação dos empresários é fundamentada no risco de quebra de alguns setores. No mercado de eletrônicos, por exemplo, a concorrência de celulares chineses nunca foi tão forte. ¿A forma como isso deve ser feito, não sabemos. Mas o governo tem que interferir. Do contrário, você quebra a indústria nacional em função de um efeito passageiro (a desvalorização artificial do dólar) e depois, quando a situação normalizar, terá mais dificuldades para recompor a produção¿, ressaltou.

Uma das formas de conter a disparada no valor do real, na avaliação de Holanda Filho, é ampliar o cerco de taxação sobre as operações financeiras e evitar que o mercado crie alternativas para trazer capital para o país. ¿Se você cobra IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) em um setor e não em outro, não funciona. O mercado financeiro é muito criativo¿, afirmou.

Alguns analistas, no entanto, discordam do alarde feito pelas empresas. ¿Esse perigo de desindustrialização simplesmente não existe e uma interferência mais séria no câmbio pode gerar um problema maior no futuro¿, ressaltou o economista sênior do Espírito Santo Investment Bank, Flávio Serrano.

Eficácia Para ele, uma ação concentrada em elementos estruturais pode ser mais eficaz do que combater o câmbio, atualmente influenciado por uma conjuntura passageira. ¿É importante lembrar que investimento em infraestrutura diminuiria um enorme gasto com logística e transporte, o que, muitas vezes, é muito maior do que a perda de competitividade com o câmbio¿, considerou.

Outro ponto que pode ser atacado para aumentar o fôlego da indústria nacional e reduzir a dependência do valor da moeda é a redução de impostos. ¿A estrutura tributária é pesada e o governo leva das empresas quase 40% de tudo o que elas produzem todos os anos¿, destacou Serrano.

Coutinho fala em quarentena » O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, defendeu uma posição ativa do governo frente à valorização do real ante o dólar. ¿O governo precisa buscar primeiro medidas menos agressivas, e, depois, se não houver jeito, ações mais fortes. O que não podemos é nos conformar com uma trajetória que transforma o Brasil em vítima da apreciação cambial¿, disse ontem, em São Paulo. A seu ver, o governo está atento e continuará mobilizando ¿um arsenal de investimentos¿ para evitar uma tendência de valorização cambial. Coutinho evitou comentar possíveis novas medidas, mas ressaltou que existem instrumentos de regulação, de tributação e de natureza legal que poderão ser usados. Admitiu até mesmo a adoção de uma quarentena (reclusão de parcela do capital no país, sem remuneração) como uma opção a ser considerada.