Título: Ministros iniciam debates sob tensão
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2012, Política, p. A6

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) conseguiram esgotar, ontem, as questões de ordem feitas pelos advogados de réus do mensalão e, com isso, abriram caminho para o início da votação hoje. Ao todo, 17 questões de ordem foram derrubadas.

Boa parte delas, como a inclusão do ex-presidente Lula como réu e o desmembramento do processo, já haviam sido debatidas em outras ocasiões e foram descartadas quase imediatamente à apresentação delas pelo relator do caso, ministro Joaquim Barbosa. Mas, na 18ª questão, o STF resolveu retirar um dos réus do processo: Carlos Alberto Quaglia, dono da empresa Natimar, acusado de repassar recursos ao PP. Quaglia não tem advogado. Um defensor público alegou que ele não foi intimado a respeito das acusações e o STF resolveu desmembrar o processo contra ele, remetendo-o para a 1ª instância.

A votação foi unânime, mas durante os debates sobre as questões de ordem surgiram vários desentendimentos na Corte, num prenúncio de que o julgamento pode ser bastante tenso. Ao analisar questões preliminares à votação, houve vários embates entre os integrantes do STF, com algumas elevações no tom de voz. Joaquim Barbosa foi o protagonista da maior parte das discussões.

O momento mais tenso foi quando Barbosa propôs que o STF encaminhasse uma representação à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra defensores que questionaram a sua imparcialidade para julgar o processo. A maioria do STF negou o pedido, o que contrariou o relator do mensalão. "Os advogados ultrapassaram o limite da deselegância e da urbanidade que se exige de todos os atores do processo, aproximando-se da pura ofensa pessoal."

Antônio Sergio de Moraes Pitombo, um dos autores do questionamento, pediu a palavra para se explicar. Primeiro, Barbosa negou que ele falasse: "Eu indefiro." Diante da insistência de Pitombo, o presidente da Corte, ministro Carlos Ayres Britto, autorizou que ele se manifestasse. "Jamais foi minha intenção agredir o relator", justificou-se Pitombo. "Vossa excelência pensa que não agrediu a mim, mas agrediu a essa Corte e a esse país", retrucou Barbosa. "Não faz parte do grau civilizatório no qual eu me insiro proferir as palavras que o senhor proferiu à minha pessoa nos autos", continuou, sem revelá-las.

Em seguida, o revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, disse que se solidarizava com Barbosa, mas não concordava com o encaminhamento do caso à OAB. Barbosa perguntou ao colega se ao advogado seria permitido ofender um juiz. "É isso que está em jogo. É a honra dessa Corte. Não é a minha", disse Barbosa. O ministro José Antonio Dias Toffoli alegou que era tradição do STF não representar contra advogados e também foi criticado pelo relator. "E a sua credibilidade, o seu respeito?", disse Barbosa a Toffoli. "Eu confesso que, em 33 anos de magistratura, jamais me senti alcançado por qualquer frase incisiva de advogado no processo", afirmou Marco Aurélio Mello. Em outra questão de ordem, Barbosa devolveu a ironia a Marco Aurélio: "Os advogados têm imunidade, não é?"

Até o ministro Celso de Mello, que é alheio a discussões ríspidas na Corte, foi questionado por Barbosa. Celso iniciou seu voto elogiando o relator, dizendo que ele "tem agido com a máxima isenção", mas, em seguida, advertiu que o Judiciário não pode "calar a voz do advogado". O relator, então, disse que as "ofensas" dos advogados foram ainda maiores do que as que ele descreveu no plenário.

No início da sessão, houve outro embate quando Ayres Britto propôs o início da votação do mensalão para ontem, logo após a conclusão das defesas. O presidente lembrou que houve atrasos no calendário inicialmente previsto pelo STF. "Eu cumpri rigorosamente o calendário que me foi imposto pela Corte e sem a minha participação", disse Lewandowski, lembrando que, em junho, na sessão em que as datas do julgamento foram agendadas, ele não estava presente.

Pouco depois, Lewandowski manifestou nova discordância com o presidente, que, ao tomar votos, não seguiu a ordem pela qual ele deve se manifestar logo após o relator. "Vossa excelência, com o acerto de sempre, não tomou meu voto em seguida ao relator", ironizou Lewandowski.

A sessão teve mais de seis horas e deixou claro o cansaço dos ministros com a "maratona" do mensalão. Pela primeira vez, eles fizeram sessões em 11 dias seguidos, dos quais 10 foram destinados ao mensalão. Quando Celso de Mello se alongou num voto, Britto pediu um pouco mais de celeridade. No que o ministro respondeu: "Não me preocupa a angústia do tempo." Britto justificou o seu pedido. "Como presidente, eu tenho a preocupação de evitar que as discussões não se percam no interminável", disse.

Na última questão de ordem, Lewandowski resolveu ler um "voto vertical" de mais de meia hora. Barbosa lembrou que os debates já haviam tomado mais de seis horas. "Mas eu o ouvi, atentamente", respondeu Lewandowski. "Estamos tratando da vida de pessoas", continuou. (JB, MM e FE)