Título: O julgamento e o significado da prova no processo penal
Autor: Netto , Alamiro Velludo Salvador
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2012, Política, p. A7

Uma das questões constantemente suscitadas a respeito do julgamento da Ação Penal nº 470 diz respeito à existência ou não de provas suficientes para a condenação dos acusados. Independentemente da avaliação concreta dos elementos probatórios existentes no volumoso processo - o que competirá exclusivamente a cada um dos 11 magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) -, algumas considerações jurídicas podem ser traçadas sobre a própria noção de "prova", problema este inserido na seara que os processualistas costumam identificar como a teoria geral da prova.

De modo bastante sucinto, é possível afirmar, em conformidade com o artigo 155 do Código de Processo Penal, que o julgador deverá formar sua convicção pela livre apreciação (princípio da persuasão racional) da prova produzida no contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão com base exclusiva em elementos informativos colhidos na investigação, ressalvando-se as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Em primeiro lugar, compete então esclarecer que a decisão do magistrado deve considerar todo o arcabouço probatório contido no processo, sendo este livre para ponderá-lo, sopesá-lo, avaliá-lo com o intento de proferir o seu julgamento. Essa liberdade de decidir, entretanto, deve estar sempre acompanhada da motivação a respeito desse mesmo veredicto. Em suma, a opção a ser tomada pelo juiz precisa ser uma decorrência racional de sua linha de pensar, amparada pelas provas que justifiquem decidir nesse ou naquele sentido. O magistrado não julga simplesmente como quer, mas alicerça o seu pensamento em todo aquele conjunto de elementos que constam no processo e, em consequência, influenciam sua apreciação acerca dos fatos imputados aos réus. A fundamentação da sentença, portanto, é a garantia da racionalidade do ato decisório e, em consequência, da inexistência de arbitrariedades. Não por outra razão, decisões imotivadas são viciadas, nulas, eis que não admitem a compreensão de seus fundamentos e a reconstrução do caminho intelectual percorrido pelo julgador.

Em segundo lugar, importante é também compreender que provas, em sentido técnico-jurídico, são somente aqueles elementos informativos produzidos ou submetidos ao crivo do contraditório, permitindo à defesa e à acusação a ciência inequívoca e a participação efetiva em todos os atos da instrução processual. Dito de outro modo, a prova em sentido técnico origina-se da dialética participação dos atores processuais. Um testemunho, por exemplo, quando colhido no distrito policial ou em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), não se aperfeiçoa juridicamente como uma prova em sentido estrito. Um depoimento nesses moldes apenas é apto a justificar, se muito, a instauração de uma ação penal, mas jamais permitirá a condenação dos acusados. Para ser alçado à digna condição de prova, é imperioso que o testemunho seja tomado perante o juiz, acusadores e advogados, admitindo-se a todos a direta atuação e influência no depoimento.

Aqui se faz uma abstração compreensiva. A prova não é o documento, a perícia ou os testemunhos em si mesmos. O que torna o documento prova é a possibilidade de as partes debaterem sobre ele, ressaltarem sua eventual impropriedade e questionarem, por exemplo, a sua veracidade. Essa realidade jurídica, construída sempre com o desiderato de proteger o cidadão de acusações ou condenações arbitrárias, é exatamente o que exclui o ambiente do processo de unilateralidades ou, ainda, do senso comum. Todos os atos pré-processuais, como a oitiva de diversas pessoas em CPIs, necessitam ser processualmente refeitos, oportunidade em que serão confirmadas ou negadas versões anteriormente expostas ou, ainda, questionada a credibilidade do depoente ou a verossimilhança do alegado.

Tudo isso, aliás, transforma o ambiente do conteúdo processual num universo, em certa medida, especialmente hermético, tecnicamente fechado, para o qual a compreensão do acerto ou desacerto de uma decisão apenas pode ser realizado se predisposto ao detalhado aprofundamento em todas as provas (em sentido jurídico-processual) existentes nos autos. Qualquer coisa diversa é mero palpite, suposição e impressão leiga, pouco comprometidas com a complexidade e a seriedade próprias do direito.