Título: No pacote logístico, governo dá vários passos no rumo certo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2012, Opinião, p. A14

Uma saudável dose de realismo fez o governo dar uma guinada e deixar, pelo menos provisoriamente, a rota do intervencionismo estatal para a uma maior participação privada nos projetos de infraestrutura do país. A mudança foi sacramentada ontem com o anúncio de um pacote de R$ 133 bilhões em obras a serem gastos em 25 anos - a maior parte dos recursos, nos primeiros cinco anos. Mais do que a novidade dos projetos, muitos deles não incluídos nos dois programas de aceleração do crescimento, ou o montante a ser investido, foi a alteração essencial da forma com que essas obras serão construídas e geridas. O governo, até segunda ordem, ressuscitou o modelo das Parcerias Público-Privadas, que dormia nas gavetas das boas intenções. Com um punhado de boas ideias serão anunciados em breve programas para modernização dos portos e aeroportos e medidas para reduzir o custo da energia.

Atacando as privatizações, o governo Dilma tem, porém, se aproximado aos poucos do seu espírito. No início do ano, as operações de três dos maiores aeroportos do país, Viracopos, Brasília e Guarulhos, foram concedidas a grupos privados. Agora, com o seu "Programa de Investimento em Logística", a divisão de tarefas entre Estado e empresas parece ter ganhado corpo. "O melhor que o Estado pode oferecer", disse a presidente Dilma Rousseff, "é o planejamento e a gestão dos recursos públicos", com reforço da regulação. À iniciativa privada caberá a execução e a exploração mais eficiente dos projetos.

Há vários outros modelos possíveis, como o das privatizações puras, mas os governos petistas foram eleitos prometendo descartá-las. Os avanços atuais do governo Dilma são passos salutares em boa direção. A presidente corrige orientações seguidas no primeiro ano de mandato, marcado por boa dose do voluntarismo estatista, e busca um novo caminho. Há menos ideologia e mais pragmatismo nas recentes ações e planos que vêm à luz em profusão. Um dos motivos é a realização de dois dos mais importantes eventos esportivos mundiais no Brasil, a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Além de bilhões em jogo, um fracasso à luz do dia, transmitido para todo o mundo, arruinaria boa parte da reputação econômica e política que o país conquistou em mais de uma década.

Outro motivo, este vital, e ainda não reconhecido explicitamente, é que a capacidade do Estado para gerir projetos e dar-lhes realidade é perto de nula. Os estragos de corrupção no Ministério dos Transportes, aos quais os programas agora divulgados estariam ligados, e as baixas execuções dos PACs são dois exemplos eloquentes da impossibilidade de se obter respostas rápidas e eficazes na máquina estatal. A ressurreição das PPPs pode fazer parte dessa constatação.

Além disso, engessado no Orçamento, o Estado não tem recursos à altura das necessidades de infraestrutura do país, para não citar outras. Essa equação ainda não fechou e é preocupante. Houve acerto em encerrar estruturas mal concebidas, como a que entregava à Valec a tarefa de construir ferrovias, cuja responsabilidade agora passará para o setor privado. A criação de um Operador Nacional Ferroviário permitirá, por exemplo, a quebra de monopólios com o direito de passagem às empresas que dele precisarem, aumentará as receitas do Estado e ampliará a eficiência dos investimentos.

Mas todos os planos que têm saído do forno pressupõem financiamentos de longo prazo pelo BNDES, a taxas subsidiadas pelo Tesouro, que já repassou ao banco R$ 250 bilhões nos últimos anos. A porta para novos repasses continua aberta. É vital que fontes privadas de financiamento entrem em cena. O governo planeja destravar mecanismos de empréstimos de longa duração, como as debêntures de infraestrutura, mas, pragmaticamente, resolveu agir já em um momento delicado para as empresas brasileiras.

Os investimentos em ferrovias e rodovias não passam de 0,5% do PIB ao ano, valor que ainda precisaria crescer mais 4,5% do PIB para que o país apenas chegasse à taxa de gastos do México e Peru. Mas quando Dilma disse que "investimento é a palavra-chave hoje", indicou outra mudança importante. Há limite para os pacotes de incentivos ao consumo, que pouca coisa poderão fazer se a capacidade de ampliar a produção e a eficiência produtiva não for rapidamente expandida.