Título: Quadro social e IDH no Brasil
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Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2010, Opinião, p. 26

Visão do Correio

A principal conclusão que se pode extrair do relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) é a de que, nos últimos anos, a expansão econômica no Brasil operou mudanças na qualidade de vida de escassa expressão. O avanço na acumulação das riquezas produzidas importou mais em crescimento material do que em progresso nas condições de sobrevivência dos grupos carentes. Na concepção da agência da ONU ¿ é o que se pode intuir da metodologia usada ¿, assim também de humanistas, mede-se o desenvolvimento, sobretudo, pelo grau de bem-estar da coletividade.

Apesar de haver obtido a avaliação moderada de 0,509 (a nota maior é 1) quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o país perdeu 15 posições no ranking internacional. Entre as 139 nações pesquisadas, ocupou a 88ª colocação. O declínio correspondeu a perda de 27,2% em relação ao desempenho anterior. A causa da retração, assegura o Pnud, está relacionada à persistência da desigualdade social. A preocupante revelação veio dos dados do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), que faz parte do conjunto instrumental utilizado nos levantamentos.

Para os que acreditavam que a antiga dívida social havia se resumido a resíduos de pouca escala, o informe do Pnud caiu como surpresa incômoda. Garante o órgão que 8,5% da população, quase 16 milhões de brasileiros, vegetam na mais extrema pobreza. Faltam-lhes acesso a água potável, luz elétrica, a bens de consumo duráveis e as crianças estão fora da escola. Incluídos no percentual dos afetados por semelhante infortúnio há 5,2% com renda inferior a US$ 1,25 ao dia.

Apesar do quadro lastimável, alguns indicadores apontam pontos positivos. A média de alunos nos estabelecimentos de ensino público é de 7,2 anos. Está colocada em posição intermediária na comparação com os demais países estudados, malgrado o tempo seja pouco mais que a metade anotada nos Estados Unidos (13,2 anos), país de referência mundial no setor. Quanto à eficácia da política de saúde, há censura ao fato de que, segundo o Índice Razão de Mortalidade Materna (RMM), de 100 mil crianças nascidas vivas, 110 morrem (a informação é contestada pelo Ministério da Saúde ¿ seriam 75).

Ainda nas análises favoráveis, está o reconhecimento de que 30 milhões de pessoas dos estratos inferiores foram transferidas para a classe média. Em contrapartida, o trabalho do Pnud critica a discriminação de gênero. Dá como exemplos o baixo percentual de mulheres no Poder Legislativo (9,4%), salários menores dos percebidos pelos homens e menor acesso à escolaridade. Espantoso, porém, é o anúncio que derruba verdadeiro mito no Brasil: a renda per capita do brasileiro é de US$ 10,6 mil, só superior à do Paraguai na América Latina. No mundo, situa-se abaixo da registrada em Botsuana e no Gabão (em torno de US$ 13 mil).

O painel desenhado pelo Pnud sugere reflexões à futura presidente da República, Dilma Rousseff. Pelo menos para exame dos problemas apontados e, se for o caso, servir de inspiração para a adoção de políticas públicas pertinentes.