Título: O triunfo global dos biocombustíveis
Autor: Belini, Cledorvino
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2006, Opinião, p. A12

O modelo brasileiro dos combustíveis verdes tornou-se estrela de primeira grandeza no cenário dos negócios mundiais. Os mais destacados empresários e executivos internacionais têm visitado o Brasil para conhecer os programas de biocombustíveis, com ênfase para o álcool. Alguns fundos de investimentos, sediados no exterior, também apostam suas fichas no nosso setor sucroalcooleiro.

Não importa se os líderes políticos das nações mais industrializadas pouca atenção prestaram ao que lhes tinha a dizer o presidente Lula, por ocasião do recente encontro do G-8, promovido na cidade russa de São Petersburgo, em julho. Como convidado especial daquela reunião, o presidente se propôs a fazer uma exposição sobre os agrocombustíveis brasileiros.

Embora o tema fosse pertinente, em face das ampliadas tensões no Oriente Médio, o que se viu, conforme noticiou a imprensa, foi um alheamento dos líderes do G-8. O fato, porém, é que os biocombustíveis brasileiros estão na pauta das empresas globais e, também, das instituições multilaterais, focadas no desenvolvimento sustentável e na redução da pobreza global.

O etanol não é exclusividade brasileira, ainda que o Brasil seja o país que mais se lançou na sua produção, com fins energéticos. Os americanos também estão animados com essa perspectiva. Os jornais dos Estados Unidos noticiam a corrida dos investidores americanos em direção ao mercado de etanol. Bill Gates, fundador da Microsoft, comprou 25% da Pacific Ethanol, sediada na Califórnia. Ele tem planos de investir no etanol brasileiro, como informou o Valor.

Os Estados Unidos têm 5 milhões de carros bicombustíveis (flex fuel), para uma frota total de cerca de 230 milhões de veículos. O Brasil, cuja frota é da ordem de 22 milhões de veículos, tem 2 milhões de carros bicombustíveis. No passado, chegamos a possuir 4,5 milhões de carros a álcool. Estima-se que, descontando-se a parcela que foi sucateada, ainda estejam circulando algo em torno de 2,7 milhões de carros a álcool. Portanto, em tese, dispomos de 4,7 milhões de automóveis aptos a queimar álcool, o que, em termos relativos, representa 20% da nossa frota total, ao passo que, nos Estados Unidos, os carros bicombustíveis significam ao redor de 2% da frota.

A dianteira do Brasil ocorre em várias frentes. Por exemplo: a Magneti Marelli, do grupo Fiat do Brasil, é líder mundial em tecnologia multicombustível. Aproximadamente 60% dos automóveis bicombustíveis que rodam no nosso país são dotados da tecnologia Magneti Marelli. Desde que a Fiat lançou o primeiro carro a álcool, em 1979, houve avanços e solavancos no antigo Proálcool. Os aprimoramentos tornaram-se constantes. Agora, a propósito, o governo estuda a formação de estoques reguladores de álcool, para que se dê ainda mais segurança ao abastecimento interno.

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E os parceiros internacionais estão chegando: a Cargill adquiriu, em junho, 63% do capital da usina Cevasa (em São Paulo); o investidor George Soros comprou, no início do ano, a usina mineira de Monte Alegre; o governo japonês firmou acordo com o Brasil, com vistas a projetos comuns em pesquisa, produção e distribuição de etanol, investimentos que podem ir a US$ 1,2 bilhão. O Valor noticiou, ainda, que o banco francês Société Générale está criando um fundo para investir mais de US$ 1 bilhão em usinas brasileiras de açúcar e álcool. É raro o dia que este mesmo jornal não veicule notícia sobre investimentos nacionais e estrangeiros na agroindústria brasileira do açúcar e do álcool.

Segundo a edição de 21 de junho da revista "Exame", a produtividade do etanol de cana, no Brasil, é de longe a maior do mundo. "De cada hectare de cana plantada no país, produzem-se 6.800 litros de álcool". Nos Estados Unidos, de cada hectare de milho são produzidos 3 200 litros de álcool. São imensas as potencialidades de expansão das lavouras de cana, no Brasil, sem o risco de competição com a agricultura de alimentos e sem ameaçar as florestas, conforme estudos recentes do governo federal.

O Brasil pode incorporar, à sua área agricultável, 90 milhões de hectares. A área total, destinada às lavouras, em todo o país, é de 62 milhões de hectares, sendo 5,5 milhões com cana. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, afirmou, no último dia 30, em Brasília, que a mistura de 5% de biodiesel ao diesel comum, prevista para 2013, significará a ocupação de 4 milhões de hectares da área agricultável do país.

Em janeiro de 2008, portanto em menos de um ano e meio, a mistura obrigatória será de 2%, equivalendo a 1 bilhão de litros/ano de biodiesel. A meta de 5% corresponde a 2,4 bilhões de litros/ano. A Fiat está avançada no desenvolvimento de motores adequados a essa mistura. A CNH, do grupo Fiat, já há um ano desenvolve pesquisa, com a Emater-PR, para tratores movidos a misturas de 5% e 20% de biodiesel. Em Betim, estamos trabalhando também no desenvolvimento de motores para veículos comerciais leves com o mesmo objetivo.

O Brasil não tem ilusão de que os biocombustíveis venham a substituir o petróleo. Mas, investe na diversificação de fontes de energia para os transportes. É o que o presidente Lula quis dizer em São Petersburgo. Precisamos, sim, ser ouvidos. Se é desejável que o nosso país ocupe assento permanente nas mesas que decidem os rumos globais, temos de ir muito além dos biocombustíveis, com mais e maiores demonstrações de competência nos vários campos da nossa economia.

Essa influente participação só acontecerá quando nos livrarmos de velhos e encardidos vícios, como a excessiva burocracia, a asfixiante carga tributária e os juros estratosféricos. Ou seja, temos de promover profundas mudanças estruturais, entre elas as reformas política, administrativa e previdenciária. E precisamos, é óbvio, colocar em dia a nossa infra-estrutura de transportes. Essas reformas não dependem do G-8. Dependem de toda a sociedade brasileira e dos três poderes, em Brasília.

Cledorvino Belini é presidente da Fiat.