Título: Bancos temem enxurrada de ações com base no CDC
Autor: Frisch, Felipe
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2006, Legislação & Tributos, p. E1

As instituições financeiras estão investindo em ações preventivas para evitar uma enxurrada de processos decorrentes da decisão de 7 de junho do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 2.591. De autoria da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), a Adin pretendia impedir o uso do Código de Defesa do Consumidor (CDC) na relação entre os bancos e seus clientes. O acórdão foi publicado na íntegra na última sexta-feira, mas somente a notícia da decisão já vinha estimulando a criação de treinamentos para executivos e gerentes de agências com o objetivo de diminuir o potencial passivo judicial.

Oficialmente, os bancos dizem que não temem uma enxurrada de processos a partir da decisão do Supremo. Mas em seminários realizados nas últimas semanas em São Paulo e no Rio de Janeiro, diretores jurídicos de instituições financeiras têm discutido formas de prevenir a leva de novas ações que pode surgir com a decisão. Em um seminário promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no início de setembro, no qual advogados debateram os efeitos das decisões do Judiciário na economia, o consultor jurídico do Unibanco, Flávio Maia, disse que já prepara um curso de CDC para os executivos da instituição. Na mesma linha, o diretor executivo da vice-presidência de benefícios da Caixa Econômica Federal (CEF), Joaquim Lima de Oliveira, disse ao Valor que está elaborando a metodologia adequada para implantar um sistema semelhante que alcance até os gerentes do banco estatal. Ele afirma que o número de processos já está aumentando e que a maior demanda deve ocorrer no segmento de aplicações financeiras. Essas já foram alvo de muitas ações, poucas julgadas, por causa da marcação a mercado, em 2002, quando investidores de renda fixa tiveram perdas em fundos vendidos como de rentabilidade constante.

Não há estatísticas disponíveis no Judiciário brasileiro que demonstrem um crescimento recente de ações contra bancos no país. Mas a lista de empresas mais acionadas nos juizados especiais cíveis do Rio de Janeiro, que publicam mensalmente estatísticas sobre número de ações referentes a relações de consumo, exemplifica o que pode estar ocorrendo em outras regiões do país. A média mensal de ações interpostas contra os bancos neste ano nos juizados traz uma situação até maio - antes da decisão do Supremo - e outra a partir de junho - depois da decisão (veja tabela acima). O número de ações contra bancos vem crescendo desde 2003 - e o salto experimentado na comparação entre os períodos de janeiro a maio e junho a agosto deste ano é compatível com o crescimento de ações de um ano para o outro.

O superintendente executivo jurídico cível do Santander Banespa, Arnaldo Penteado Laudísio, constata que o número constantemente crescente de ações impede os bancos de identificarem o que já é efeito da Adin. Ainda assim, o banco preparar um curso para seus gerentes. Silvio Costa da Silva Pereira, gerente de escritórios terceirizados da Nossa Caixa, acredita que a grande enxurrada de ações e de mudanças internas nos bancos já aconteceu em 1998, com a Ação Civil Pública nº 651, movida pelo Ministério Público de São Paulo. Foi a primeira realmente vultosa, com previsão de multa diária de R$ 10 mil por cliente, que resultou na revisão maciça de contratos, na exclusão da cláusula-mandato - que autorizava as instituições a assinarem promissórias pelo cliente - e na fixação de honorários advocatícios em contratos, além de tamanhos mínimos das letras. Ambos estiveram em um evento promovido da International Business Communications (IBC) na terça-feira para discutir ações preventivas.

Para o diretor jurídico da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Johan Albino Ribeiro, o temor dos bancos ocorre apenas em função da publicidade da decisão do Supremo, como se fosse um fato novo - a Adin apenas mantém um entendimento que já predominava no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para ele, o que o CDC prega já está previsto na Resolução nº 2.878, de 2001, do Banco Central, o chamado Código de Defesa do Cliente Bancário, que os bancos já vêm seguindo há 15 anos.

Apesar das medidas internas em curso, advogados que atuam pelas instituições se dizem otimistas após a divulgação do acórdão e da sua ementa (resumo), que afasta o CDC da discussão sobre as taxas de juros, acusadas de abusivas em muitas ações civis públicas. É justamente dessa área que cuida o advogado Luiz Eduardo Caram Garcia, do contencioso cível do Itaú. Ele já pediu um levantamento das ações que utilizam o código como arma contra os juros para rebatê-las com esse argumento. Como os juros não são o alvo da Adin, os advogados não são unânimes em entender que a ementa tem efeito vinculante em futuras ações, como defende Arnoldo Wald, advogado da Consif e autor da Adin. Assim como essa, outra discussão sem data para terminar diz respeito ao uso do CDC em ações relativas a produtos acessórios, como cartões de crédito, planos de previdência e seguros.