Título: CPMF no pires dos governadores
Autor: Jeronimo, Josie; Augusto, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2010, Política, p. 2

De carona no discurso da presidente eleita, titulares dos executivos estaduais, inclusive da oposição, fazem coro por uma medida para garantir o financiamento do SUS em 2011

Ao mencionar a reclamação dos governadores sobre a falta de recursos para investir em saúde, a presidente eleita, Dilma Rousseff, deu o sinal verde para que líderes estaduais eleitos e reeleitos desfiassem o rosário de lamentações. Governadores da base exibiram ontem o pires vazio e até mesmo os comandantes de executivos estaduais da oposição admitiram que é preciso um "Plano B" para custear os gastos com a saúde pública em 2011. No mote da discussão, a volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) - imposto regulamentado em 1997 para financiar a saúde e extinto em 2007 - divide e mobiliza adversários e aliados de Dilma.

"Os governadores do PSB têm colocado para o presidente Lula que há um subfinanciamento da saúde. Estamos recebendo diária de R$ 500 para manutenção de leitos de UTI e a despesa é de aproximadamente R$ 1.500. Os hospitais mantidos pelos estados têm dificuldades. Se for para restabelecer a CPMF, faremos isso", defende o presidente do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O governante argumenta que, nos moldes atuais, a Contribuição Social para a Saúde (CSS) - dispositivo presente no texto que regulamenta a "Cemenda 29", proposta em análise no Congresso - destinaria R$ 30 bilhões à saúde, mas atualmente os estados precisariam de R$ 51 bilhões para sair do vermelho e melhorar a qualidade do atendimento.

A criação de um tributo ou regra que garanta mais recursos para a saúde ganha corpo inclusive no discurso da oposição. O governador reeleito de Minas Gerais, Antonio Anastasia (PSDB), declarou ontem ser a favor do retorno da CPMF. O tucano é o primeiro governador de oposição ao governo federal que sai em defesa do tributo. Para justificar, Anastasia citou a necessidade de mais recursos para a saúde. "Quando a matéria foi discutida alguns anos atrás, a maioria esmagadora dos governadores se posicionou publicamente a favor, tendo em vista a necessidade de termos financiamento para a questão da saúde. E naturalmente será esse também o nosso comportamento. É claro que sabemos, e isso foi muito claro durante a campanha eleitoral, não só em Minas, mas no Brasil, que há sempre a necessidade de termos um financiamento para a saúde", afirmou Anastasia.

A governadora eleita do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini (DEM), ainda cumpre seu mandato de senadora e mantém o discurso da oposição no Congresso, ou seja, de repúdio ao movimento de volta da CPMF. Rosalba, no entanto, admite que a saúde pública do estado que vai governar a partir de 2011 tem problemas e torce para que Dilma "encontre" outra forma de sustentar a área sem criar impostos. "A situação da saúde no Rio Grande do Norte é bastante precária. É um problema imenso que vou enfrentar. Mas a questão é de ordem financeira, mas também de gestão. Não sei se o caminho é penalizar a população. Qualquer novo imposto aperta o bolso do cidadão. Tenho a esperança de que ela (Dilma) encontre uma forma de priorizar a questão, mas não sou favorável à criação de novo imposto."

Repasse O governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), ressalta que os estados do Nordeste são os que mais precisam da volta do tributo. O governador rebate o argumento de que a CPMF criava efeito cascata no valor final dos produtos, encarecendo a cadeia de produção. "A saúde é um problema grave e essa situação é mais grave em regiões mais pobres. Em São Paulo, 50% da população demanda o SUS, o resto tem plano de saúde. No Nordeste é 90%. Diziam que a CPMF encarecia os produtos, que era um imposto que gerava efeito cascata. Mas não tive notícia de que nada tenha baixado de preço depois do fim da CPMF." Cid propõe que o novo imposto seja repassado direto aos estados. "Defendo a ação casada, repasse para estados e municípios. Para não ficar tudo para a União e a gente com o pires na mão. Tem que votar agora, antes de Dilma assumir", apressa.

Apesar de a oposição ao governo no Congresso rechaçar a criação de novo tributo com o argumento de que não falta dinheiro para a saúde, governadores ligados a partidos que apoiam e fazem oposição ao governo são unânimes ao reclamar da falta de recurso. O governador eleito do Paraná, Beto Richa (PSDB), aposta na revisão da cobrança de impostos como forma de solucionar o problema da saúde. O argumento, no entanto, é questionado pelo governador do Ceará. "A saúde não pode ficar esperando que se faça ampla reforma tributária."

Incidência em série A CPMF tinha um destino nobre quando foi criada: cobrir o rombo da Saúde no Brasil. ¿Isso nunca aconteceu e dificilmente acontecerá¿, afirma o vice-presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo, Nelson Mussolini. De acordo com ele, a carga tributária do setor é de 33,9% e, com o retorno do tributo, poderia chegar a 42%. ¿A CPMF tem efeito cascata, pois é cobrada várias vezes durante o processo industrial até chegar ao consumidor¿, afirma. ¿Hoje, ao gastar R$ 500 com medicamentos, o brasileiro paga R$ 160 em impostos¿, afirma. Ele lembra que, nos Estados Unidos, a carga tributária sobre medicamentos é zero.

VERBAS FEDERAIS

Confira a evolução da previsão de recursos do Ministério da Saúde

Ano - Valor previsto* (em R$ bilhões**) 1995 - 91,6 1996 - 45,2 1997 - 59,8 1998 - 55,5 1999 - 48,8 2000 - 45,8 2001 - 53,1 2002 - 51,2 2003 - 44,7 2004 - 48,8 2005 - 51,1 2006 - 54,8 2007 - 58,6 2008 - 55,7 2009 - 62,0 2010 - 66,7 2011 - 74,2

*Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional **Atualizados com base no IGP-DI, da FGV

Fonte: ONG Contas Abertas / Consultoria de Orçamento da Câmara

MAIOR ORÇAMENTO DESDE 1996

Leandro Kleber Especial para o Correio

Enquanto os governadores pedem mais verba para manter os hospitais públicos em seus estados e a presidente eleita, Dilma Rousseff, fala sobre uma possível negociação para recriar a CPMF, o projeto de lei orçamentária enviado pelo ao Congresso prevê aplicação recorde de recursos em ações e serviços de saúde em 2011. O ministério hoje chefiado por José Gomes Temporão terá R$ 74,2 bilhões para custear o sistema de saúde pública no próximo ano. O montante é o maior registrado desde 1996 (veja quadro), já descontada a inflação acumulada no período.

Atualmente, pela legislação, os estados têm que desembolsar 12% de suas receitas em saúde e os municípios, 15%. O governo federal é obrigado a aplicar o gasto do ano anterior corrigido pela variação do Produto Interno Bruto (PIB). Para o secretário executivo do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass), Jurandi Frutuoso, o valor é insuficiente para atender a demanda. ¿Vários países do mundo, entre eles Itália, Inglaterra, Costa Rica e Portugal, aplicam cerca de 6% do PIB em saúde. Ora, no Brasil, se somarmos União, estados e municípios, o valor total chega a 3,4%. Essa é uma média histórica, independentemente do governante¿, afirma.

No ano passado, aproximadamente 70% do orçamento do ministério foram utilizados por estados e municípios, sendo que as principais ações de financiamento são as de média e alta complexidade, que incluem cirurgias, transplantes, exames, saúde bucal e Samu. Cerca de 160 milhões de brasileiros (80% da população) são usuários exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS).

¿Para garantir que o SUS seja de fato universal e gratuito, é necessário tomar algumas medidas, como a aprovação da Emenda Constitucional 29, parada no Congresso desde 2000, e melhorar a gestão pública e o controle social¿, avalia Frutuoso. Integrantes do Ministério da Saúde reconhecem que o Brasil tem um sistema frágil de financiamento, com um padrão de gestão arcaico, engessado, especialmente nos hospitais públicos.

O principal desafio do SUS, reconhecido pelo próprio Temporão em entrevista recente ao Correio, é o subfinanciamento crônico. Apesar das necessidades apontadas para melhoria do setor, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, acredita que a sociedade brasileira não aceita elevação de carga tributária. ¿Somos contrários à criação de qualquer imposto. A presidente Dilma demonstra sensibilidade e consciência necessárias para buscar esse importante objetivo¿, afirmou, por meio de nota.

Recursos garantidos A Emenda Constitucional 29/2000 determina percentuais mínimos que os três níveis de governo devem aplicar na saúde. Pela regra, que aguarda regulamentação no Congresso Nacional, a União deve aplicar o que foi empenhado (reservado no Orçamento) no ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto os estados devem aplicar 12% do produto da arrecadação de impostos e os municípios, 15%.