Título: Varejo adota softwares para vigiar clientes
Autor: Woyke, Elizabeth
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2006, Empresas, p. B4

Existem 6 milhões de câmeras de vídeo instaladas em lojas comerciais nos Estados Unidos, segundo a consultoria J.P. Freeman. Elas estão em toda parte, observando portas de saída de estabelecimentos e prateleiras. Você já sabia disso. Mas você provavelmente não tinha idéia de como algumas dessas câmeras estão ficando inteligentes.

Algumas lojas da Macy's, CVS e Babies 'R' Us instalaram um sistema chamado Video Investigator, cujo avançado software de vigilância consegue comparar os movimentos de um cliente entre imagens de vídeo e reconhecer qualquer atividade incomum. Remova dez itens de uma prateleira de uma só vez, por exemplo, ou abra uma caixa que normalmente é mantida fechada, e o sistema alerta os guardas que ficam em uma sala nos fundos - ou se movimentando pela loja - com um toque ou um sinal na tela.

O sistema pode prever onde um ladrão provavelmente vai se esconder (no fim das filas de prateleiras, por exemplo). Uma função de busca detecta movimentos súbitos que podem indicar um grande derramamento, o que levará funcionários a limpar o local antes que algum cliente caia e a loja acabe se deparando com um processo na Justiça. E se alguém abrir uma porta dos fundos às 2 horas, o sistema vai gravar a pessoa que entrar e comparar as imagens com fotos de pessoas que entraram antes de depois pela mesma porta.

Alertas completos, com imagens, podem ser enviados para aparelhos portáteis, mantendo os lojistas informados 24 horas por dia, sete dias por semana, afirma Jumbi Edulbehram, vice-presidente de marketing estratégico da IntelliVid, uma empresa de Cambridge, Massachusetts, que fabrica o sistema Video Investigator.

Hoje em dia, os gerentes de lojas precisam de toda a ajuda de alta tecnologia disponível. Cada vez mais eles são assaltados por gangues organizadas de ladrões de lojas. Esses ladrões habilidosos saem das lojas com grandes volumes de itens escolhidos e os revendem por preços menores. Uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos em Criminologia e Direito da Universidade da Flórida mostra que esses bandidos estão provocando prejuízos muito maiores para as lojas, de US$ 265 por incidente envolvendo roubo em 2003 para US$ 855 no ano passado. No total, as lojas perderam US$ 30 bilhões para os ladrões e funcionários desonestos em 2005.

Para contra-atacar, as redes de lojas estão colocando dispositivos inteligentes em todas as partes, de caixas a prateleiras e lugares inimagináveis. Ao mesmo tempo, um número maior desses sistemas consegue se comunicar uns com os outros, compartilhando informações sobre os clientes e funcionários.

Até mesmo o modesto carrinho de supermercado já foi recrutado na guerra do crime no varejo. Um golpe surpreendentemente comum - e simples - é aquele que os ladrões enchem os carrinhos e simplesmente saem das lojas. A solução: a Gatekeeper Systems de Irvine, na Califórnia, inventou uma tecnologia de cerca elétrica para os carrinhos. O sistema, chamado GS2, usa chips de identificação por freqüência de rádio (RFID, na sigla em inglês), que são embutidos nas rodas dos carrinhos, e antenas em toda a periferia da loja, que transmitem sinais para os chips. Quando um carrinho se aproxima do perímetro de saída da loja, suas rodas travam. Elas somente podem ser destravadas por um funcionário que ativa um aparelho de controle remoto. "Os larápios não conseguem empurrar o carrinho", diz Brett Osterfeld, vice-presidente de vendas e marketing da Gatekeeper. "Eles teriam que levantá-los do chão e carregá-los." A Target e várias redes menores já aderiram.

Aqueles espaços úteis que ficam embaixo dos carrinhos de supermercado são muito bons para carregar itens volumosos como fraldas, rações para animais de estimação e cerveja. O problema para os comerciantes é que os clientes freqüentemente "esquecem" de pagar pelos produtos que colocam ali. A resposta? Sete redes de varejo, incluindo a Pathmark Stores e a Giant Eagle, recentemente começaram a testar o LaneHawk, um sistema da Evolution Robotics Retail que usa o padrão de reconhecimento visual para encontrar pacotes escondidos.

Câmeras são instaladas nos caixas a seis polegadas do chão e rastreiam a parte de baixo dos carrinhos. Se um item bate com uma imagem de um banco de dados, o sistema computa o preço do produto e o acrescenta à conta do cliente. "É a mesma coisa que a biometria para pacotes", diz Alec Hudnut, diretor-presidente da Evolution Robotics Retail.

Mas é claro que muitos criminosos não são estúpidos e portanto o essencial para os especialistas em vigilância é tornar seus produtos invisíveis. Alguns dos mais poderosos sistemas de sensores estão bem debaixo do seu nariz. Um exemplo: aqueles discos de plástico bege que as lojas grudam nas roupas e acessórios, chamados de etiquetas eletrônicas de vigilância de artigos (EAS, na sigla em inglês). Agora eles estão tão pequenos e finos quanto um palito de dente. Os fabricantes de DVDs fixam versões descartáveis nas embalagens dos produtos antes de mandá-los para as lojas. A J. Crew Group costura o dispositivo bem nas etiquetas das roupas, avisando os clientes para que removam as unidades desativadas antes da primeira lavagem das roupas.

Logo, as lojas poderão substituir as etiquetas EAS por etiquetas RFID, que oferecem uma maneira mais precisa e segura de monitoramento dos itens que estão à venda. As etiquetas, que apresentam formatos diferentes, muitas delas menores que um selo postal, se comunicam com um aparelho portátil, dizendo aos funcionários da loja a localização exata de determinado item. Gigantes do varejo como o Wal-Mart e Target são grandes defensoras da tecnologia RFID, mas por enquanto elas a usam principalmente para controlar os estoques.

Um dos motivos da relutância é o custo: as etiquetas custam de US$ 0,07 a US$ 0,20, dependendo da quantidade; muitos estão esperando até que o custo da etiqueta caia para US$ 0,05 antes de começar a investir nessa tecnologia. "As etiquetas teriam que ser bem mais baratas para serem colocadas numa garrafa de água ou pacote de balas, e agregar valor ao invés de custo", explica Simon Langford, gerente da estratégia de RFID do Wal-Mart.

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Mesmo assim, umas poucas redes, incluindo a Best Buy e a Tesco, estão testando a capacidade da RFID de monitorar artigos freqüentemente furtados como DVDs, jóias e roupas. Essas redes estão experimentando o sistema TrueVUE da VUE Technology, que usa antenas colocadas sob a superfície laminada das prateleiras para se comunicar com as etiquetas RFID das mercadorias.

Funcionários das lojas também poderão passar bastões de leitura por sobre as prateleiras de roupas para ver quais itens foram mexidos. "O programa desperta as etiquetas, que enviam de volta seus números de série, na verdade dizendo: 'Estou aqui'", explica o diretor-presidente da VUE, Robert Locke. As etiquetas EAS são ativadas apenas quando se aproximam da saída da loja, mas as prateleiras equipadas com as etiquetas RFID podem avisar a segurança assim que um grande número de itens sai do lugar.

Nenhum lugar de uma loja produz mais informações do que os caixas. É aí também que existe a maior probabilidade de roubos pelos próprios funcionários. Novos tipos de softwares de monitoramento de operações passam informações das caixas registradoras para um banco de dados central e avalia padrões incomuns. Um número de grande de entrada manual de números de cartões de crédito pode ser um sinal de que um funcionário está roubando informações dos clientes. Devoluções de um mesmo tipo de blusa dez vezes seguidas em um caixa, por exemplo, pode indicar que um funcionário está processando devoluções falsas para um amigo.

As lojas decidem o que monitorar e com que freqüência, e estabelecem parâmetros de alerta. Com freqüência os retornos obtidos apontam para problemas que vão além da desonestidade. "Pode ser um problema no equipamento ou um sinal de que um funcionário precisa de mais treinamento", diz Cheryl Blake, uma vice-presidente da Aspect Loss Prevention, que trabalha com a Children's Place Retail Stores e com a Ross Stores. "Seja o que for, as transações vão se destacar e levar a administração a investigá-las", destaca.

Mas coletar toneladas de informações somente ajuda se você for capaz de peneirá-las e descobrir o que elas estão lhe dizendo. Os comerciantes americanos já gravam estimados mil anos de vídeo todos os dias, segundo a IntelliVid. "Ao invés de ter alguém assistindo e analisando TV por horas a fio, os comerciantes estão usando a inteligência que existe por trás da tela de vídeo", afirma Joe LaRocca, vice-presidente de prevenção de perdas da National Retail Federation, a federação americana do varejo.

É por isso que as lojas também estão investindo em tecnologias que conseguem se comunicar umas com as outras. Os sistemas RFID, por exemplo, podem orientar as câmeras de vídeo a investigarem uma prateleira onde eles detectaram uma atividade suspeita, filmando os suspeitos antes que eles saiam da loja. "Os comerciantes podem puxar dados de todos esses sistemas, analisá-los juntos e fazer as ligações", diz Rob Garf, diretor de pesquisa da consultoria AMR Research.

Os mais novos programas de coleta de dados no varejo também podem ser sincronizados com imagens para permitir uma visão mais ampla da atividade nos caixas. Apertando um botão, gerentes podem destacar transações irregulares em seus computadores e recorrer às imagens correspondentes. Isso poderá permitir que eles peguem os caixas que estiverem favorecendo amigos ou embolsando eles mesmos dinheiro de devolução de produtos. Também poderá diminuir as devoluções fraudulentas ao monitorar o caminho que os consumidores farão até a mesa de atendimento aos clientes - eles estão indo direto para lá, ou ficam zanzando pela loja recolhendo pelo caminho as mercadorias que vão "devolver"?

Apesar dessa revolução na tecnologia de varejo, você não vai encontrar muitas lojas se gabando de seus novos instrumentos de segurança. Nenhuma delas quer fornecer pistas aos larápios ou anunciar que suspeita de seus clientes. É por isso que grande parte dessa tecnologia fica escondida. Mas outro motivo da relutância das lojas em falar muito sobre a vigilância é que elas sabem que isso desperta preocupações com a privacidade. Grupos de defesa dos consumidores e legisladores vêm se opondo à disseminação do sistema RFID e da vigilância via vídeo por este motivo. "A RFID cria problemas de privacidade e segurança que são inaceitáveis, mesmo para propósitos anti-furtos", afirma Katherine Albrecht, fundadora e diretora da Consumers Against Supermarket Privacy Invasion and Numbering, um grupo de defesa do consumidor.

Os lojistas alegam que essas medidas são justificadas porque as perdas que sofrem com os furtos são repassadas para os clientes honestos. Muitos também observam que esses programas fazem um trabalho duplo ao coletarem dados sobre o tráfego nas lojas e de itens fora de estoque, que podem ser usados para ajustes finos nos estoques e na força de trabalho. "O resultado final é que a tecnologia de prevenção de perdas melhora a experiência do consumidor", diz Ernie Deyle, vice-presidente de prevenção de perdas da CVS.

Mesmo que nem todas as redes varejistas tenham ainda se rendido aos benefícios dessa dependência tão grande dos chips e softwares que patrulham as prateleiras, especialistas acreditam que o setor continuará adotando sistemas de monitoramento cada vez mais inteligentes e interligados. O número de câmeras de vídeo instaladas nas lojas deverá crescer 20% ao longo do próximo ano, segundo a J.P. Freeman.

"Não vai demorar muito tempo até que os lojistas liguem os bancos de dados de seus estabelecimentos às análises estatísticas e boletins sobre dados criminais para prever suas perdas e empregar a tecnologia e as pessoas certas para impedir essas perdas", afirma LaRocca, da National Retail Federation.

Companhias iniciantes da área de tecnologia já estão trabalhando em sistemas ainda mais promissores - ou intimidadores - para monitorar os clientes em todo o processo de compra. Comenta-se até mesmo que existem lojas instalando programas de reconhecimento facial e leitores de placas de licenciamento para detectar clientes desonestos reincidentes. Você provavelmente não perceberá muita diferença em sua loja favorita. Mas não se engane - eles estão de olho em você. (Tradução de Mário Zamarian)