Título: Votos dos ministros iniciam hoje fase mais decisiva do julgamento
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2012, Política, p. A10

O julgamento do mensalão entra hoje em sua fase mais aguardada: a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pela condenação ou absolvição dos 38 réus denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Nela, os integrantes da Corte vão decidir a respeito de 96 imputações de crimes aos 38 réus. Como todos os 11 ministros vão votar a respeito de cada uma das imputações, o STF tomará, ao todo, 1.056 decisões. Apesar do grande número de decisões, cinco questões são consideradas chave para o julgamento. A resposta que cada um dos ministros dará a elas terá impacto direto para dezenas de réus. É nessas questões, portanto, que está o destino do mensalão.

A primeira macroquestão do julgamento é se os ministros devem considerar as provas produzidas fora do processo para fundamentar seus votos. Se essa tese for aceita, o STF deixará de lado todo o material produzido pela Polícia Federal e pela CPI dos Correios, aumentando as chances de absolvição de vários réus.

"O juiz, para decidir, deve se basear nas provas colhidas durante a instrução criminal feita em juízo, com a participação da acusação e da defesa", argumentou Marcelo Leonardo, que defende o empresário Marcos Valério e foi o primeiro a citar essa tese. Márcio Thomaz Bastos, advogado do ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, lembrou aos ministros do novo texto do artigo 155 do Código de Processo Penal, que prevê que o juiz não pode fundamentar sua decisão apenas com provas colhidas fora do processo. A nova redação foi aprovada pelo Congresso em 2008, a partir de um projeto de lei enviado por Bastos à época em que era ministro da Justiça, no fim de 2004 - e que hoje tornou-se um ponto chave no julgamento.

A segunda macroquestão é mais prática e envolve a própria definição de mensalão. Os ministros terão que dizer se houve ou não compra de votos no Congresso. Trata-se do cerne da tese do Ministério Público sobre o mensalão. A denúncia descreve o esquema como o de oferecimento de dinheiro em troca de apoio político. Em suas alegações finais, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, relatou que os saques de dinheiro coincidiam com as datas de votações no Congresso, como as reformas tributária e da Previdência.

Por outro lado, a tese de compra de votos foi rebatida por dezenas de advogados que disseram que os políticos não votaram com o governo porque receberam valores através de saques no Banco Rural em contas autorizadas por Valério. Eles alegaram que seus clientes votaram com o governo por ideologia, que os saques foram feitos em datas distintas da aprovação das reformas e tiveram o objetivo de engordar o caixa de suas campanhas eleitorais. É nessa segunda questão que está o embate entre as acepções do mensalão como "compra de votos" (acusação) ou como "caixa dois de campanha" (defesa). Para responder a ela, os ministros terão que descer à discussão de direito penal sobre o "ato de ofício" e verificar, caso a caso, se, uma vez feito o saque, o político se comprometeu a dar o voto como contrapartida.

A terceira macroquestão envolve o uso de dinheiro público no mensalão. O Ministério Público apontou desvios de recursos públicos por meio de contratos feitos pelas agências de Valério com órgãos públicos e o desvio desses valores a políticos por meio de saques no Banco Rural. Advogados de defesa disseram que contratos feitos pelas agências de Valério, como o que foi realizado com a Câmara dos Deputados, sob a presidência do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), foram efetivamente cumpridos e acrescentaram que o banco fez empréstimos lícitos com o PT e com as agências de Valério.

O desvio de dinheiro público também será debatido na transferência de recursos do fundo Visanet para a DNA Propaganda, de Valério. A denúncia apontou um desvio de R$ 73 milhões do fundo por meio da diretoria de marketing do Banco do Brasil, quando era ocupada por Henrique Pizzolato, entre 2003 e 2004. A defesa do ex-diretor disse que o dinheiro era privado, pois o fundo era abastecido com um percentual das cobranças nos cartões dos clientes. Se o dinheiro for considerado como público, aumentam as chances de os réus serem condenados por peculato.

Ao debater os crimes de lavagem de dinheiro, os ministros vão discutir uma quarta macroquestão do mensalão. Advogados dos réus disseram que deve ser demonstrado um crime antecedente à lavagem e que este não pode ser formação da quadrilha do mensalão, pois a 1ª Turma do STF, onde votam 5 dos 11 ministros, já teria descartado a tese de que organização criminosa pode ser considerada como antecedente à lavagem. Mas o procurador-geral advertiu, no início do julgamento, que outros crimes podem ser considerados como antecedentes: gestão fraudulenta de instituição financeira e crime contra a administração pública (desvio de dinheiro).

A quinta e última macroquestão vai definir a situação do réu número um do mensalão, José Dirceu. Trata-se da discussão sobre o chamado "domínio do fato" - conhecimento, por parte de líderes, de que houve esquema criminoso. O caso de Dirceu é emblemático nesse ponto, pois, segundo o Ministério Público, testemunhas comprovaram que, como ministro-chefe da Casa Civil, ele teria sido o articulador do mensalão. Já a defesa de Dirceu diz que não há provas de que ele teria ordenado o desvio de recursos para a compra de apoio político e, portanto, ele não poderia ser condenado pelo cargo que ocupou no primeiro mandato do presidente Lula.

Os ministros não vão debater as questões necessariamente nessa ordem. Hoje, assim que a última defesa for apresentada, o presidente da Corte, ministro Carlos Ayres Britto, dará a palavra a Joaquim Barbosa que vai fazer uma proposta de condução do julgamento. É Barbosa que vai indicar o passo a passo do julgamento. Ele deve propor que o STF faça a votação analisando ponto a ponto da denúncia. Por essa proposta, os ministros seriam convocados a fazer várias votações, cada uma para um ponto específico, de acordo com o que for estipulado pelo relator.

Outra hipótese é a de os ministros apresentarem suas conclusões individuais proferindo 11 grandes votos, cada um deles abrangendo todas as questões. Essa hipótese deixaria menos espaço para debates e poderia alongar os votos iniciais de Barbosa, que tem mais de mil páginas, e do revisor, ministro Ricardo Lewandowski, que tem mais de 1,3 mil páginas, deixando pouco espaço para que o ministro Cezar Peluso participe do julgamento. Peluso fará sua última sessão em 30 de agosto e, caso os dois votos iniciais se alonguem por sete sessões, ele não terá tempo de votar, já que se aposenta em 3 de setembro, quando completa 70 anos.

A definição do sistema de votação será tomada pelos 11 ministros em uma questão prévia que pode ser discutida hoje e que será fundamental para cada uma das macroquestões que a Corte terá que analisar.