Título: Com a cara no futuro e os pés no atraso
Autor: Verdini, Liana; Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2010, Economia, p. 11

Brasil fica na 73ª posição do ranking de Desenvolvimento Humano. Renda melhorou, mas houve uma piora na qualidade da educação

Apesar de o forte crescimento econômico dos últimos anos e a ampliação dos programas sociais terem melhorado significativamente a renda dos brasileiros, elevando o país ao posto de 8ª maior economia mundial, a classificação do Brasil no novo Índice de Desenvolvimento Humano Global (IDH) ainda mostra uma nação se debatendo entre o atraso e o futuro. Ao aparecer na 73ª posição em um ranking do qual fazem parte 169 países, com pontuação 0,699, apresenta uma faceta de Primeiro Mundo, mas com os pés atolados em desigualdades semelhantes às de países africanos, que ficam na rabeira do levantamento preparado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Mesmo com todos os avanços, o Brasil está distante de vários dos vizinhos latino-americanos.

Lançado em 1990, o IDH completa 20 anos com uma nova roupagem, adaptando muitas das sugestões feitas por especialistas e representantes de governos. O indicador avalia o nível de expectativa de vida, os anos médios de estudo, os anos esperados de escolaridade e a renda nacional bruta por habitante, com vários parâmetros novos e mais qualitativos. Na liderança do ranking está a Noruega, seguida da Autrália e Nova Zelândia. Na lanterna, aparecem Níger, República Democrática do Congo e Zimbábue, este último, devastado pela violência e pela disseminação descontrolada a Aids.

¿Quando comparamos os indicadores do Brasil com os de países vizinhos como Chile e Argentina, fica claro que ainda há muito o que melhorar em todos os quesitos, principalmente em educação, no qual podemos perceber uma maior deficiência¿, avalia, em entrevista ao Correio, o chefe de pesquisa do escritório mundial do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), Francisco Rodriguez. ¿O Brasil precisa de um crescimento em torno de 30% na renda per capita para acompanhar esses dois vizinhos, o que é pouco. Essa diferença, porém, só será tirada com um salto substancial na melhora da educação¿, afirma.

O novo indicador só pode ser comparado em um recorte menor do que os 20 anos do estudo, ou seja, somente a partir de 2000, quando os parâmetros atuais começaram a ser medidos e há um histórico para isso. ¿A mudança deveu-se à complexidade atual das economias e da sociedade, sem contar que existem hoje mais indicadores, mais qualitativos, para avaliação do que duas décadas atrás¿, explica o economista e coordenador do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) do Pnud Brasil, Flávio Comim.

Situação grave No ano passado, o Brasil ocupava a 75ª colocação em um ranking que utilizava indicadores diferentes para avaliar a educação e medir a renda. ¿O desenvolvimento humano no Brasil desenha uma clara tendência de melhora nas duas últimas décadas¿, avalia Comim. ¿O índice deste ano é completamente novo, é o início de uma nova série¿, ressalta.

Com a pontuação 0,699 (quanto mais próximo de 1 no indicador, menos desigual é o país), o Brasil está enquadrado no patamar considerado elevado. O indicador está acima da média global, de 0,455, mas bem abaixo da média dos países mais ricos, que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 0,754.

Em termos de desigualdade, a situação brasileira ainda é bem grave quando os dados são analisados separadamente. Nesse item, o país perde 15 posições em um total de 139 países analisados pelo Pnud, com um índice de 0,509. Já no ranking da desigualdade de gênero, o Brasil está abaixo da classificação geral, na 80ª posição entre 138 nações, situação tão grave quanto a dos demais vizinhos da América do Sul. E em termos de pobreza, o índice do Pnud aponta que 8,5% dos brasileiros têm pelo menos duas privações, entre 10 indicadores considerados no estudo. Esse percentual está acima dos 5,2% da população que vive com menos de US$ 1,25 ao dia e se encontram abaixo da linha de pobreza.

Dos indicadores que compõem o IDH brasileiro, o melhor resultado é o relativo à expectativa de vida. São 72,9 anos, enquanto o país com maior longevidade é o Japão, com 83,2 anos. Os indicadores de educação deixam o país em um patamar intermediário. São 7,2 anos de estudo, enquanto nos Estados Unidos, país de referência nessa área, as pessoas estudam, em médio, 13,2 anos. Em termos de anos esperados de estudo ¿ que leva em consideração a repetência, distorção série-idade, evasão e abandono ¿, no Brasil são 13,8 anos, e, na Austrália, país com melhor desempenho, 20,6 anos.

Mediano mesmo é o comportamento do padrão de vida no Brasil. A renda nacional bruta per capita prevista pelo Pnud para o final de 2010, de US$ 10,6 mil, só supera a do Paraguai, entre os parceiros do Mercosul. Na Argentina e no Uruguai, o volume é superior: US$ 14,6 mil e US$ 13,8 mil, respectivamente. A renda per capita brasileira chega a ser menor do que até que a da Botsuana e do Gabão, que giram em torno de US$ 13 mil.

O Brasil também perde para outros países da América Latina, como Chile, México, Bahamas, Panamá, Costa Rica e Peru, todos com pontuação acima de 0,7 no novo IDH. ¿Esse quadro não mudou muito nos 20 anos em que o índice é medido. Somente houve uma troca de posições no ranking entre o Brasil e a Venezuela¿, informa Comim. Entre os países do Bric (bloco de economias com crescimento acelerado e apontados como futuras potências), o Brasil está atrás da Rússia (0,719) mas à frente da China (0,663) e da Índia (0,519).

Diferença Questionado sobre como o próximo governo deverá melhorar o IDH brasileiro e reduzir a desigualdade social e econômica do país, Rodriguez afirma que a estratégia da presidente eleita, Dilma Rousseff, deverá ser baseada em três itens que compõem a base de cálculo do indicador, ou seja, a renda, a saúde e a educação. ¿Esses três componentes são partes do desenvolvimento humano. Há países de baixo crescimento econômico, mas com qualidade de educação e saúde muito melhor que no Brasil. A Coreia do Sul e a Indonésia, no entanto, conseguem combinar boas taxas de crescimento e desenvolvimento em educação e saúde¿, diz ele. ¿Esses dois países deveriam servir de exemplo para o Brasil melhorar seu IDH.¿

A melhora na educação, com certeza, poderá dar uma guinada na vida de pessoas como Lorraine de Souza Lopes, que está no auge da adolescência, aos 15 anos. No lugar dos passeios, descobertas e desafios típicos das jovens de sua idade, ela tem responsabilidades de gente grande: manter e cuidar da filha Ludmila, de seis meses. Com o apoio da avó, Maria das Graças, a gravidez não impediu Lorraine de seguir os estudos da 5ª série do ensino fundamental.

¿Os períodos mais difíceis foram as últimas semanas de gestação, pois não tinha como ir às aulas. A solução foi a professora passar os trabalhos e eu fazê-los em casa. Assim, não perdi o ano letivo¿, conta Lorraine. A jovem ainda não sabe qual profissão seguirá, mas está determinada a se formar. ¿Se eu não estudar, como poderei dar um futuro para a minha fofinha?¿, indaga.

O economista do Pnud ressalta a importância da força de vontade demonstrada por Lorraine. É o tipo de comportamento que fará a diferença mais à frente e o que o faz acreditar na tendência de uma evolução positiva no IDH em geral, assim como na renda nacional bruta, na expectativa de vida e nos anos esperados de escolaridade. ¿Em alguns países houve uma melhora devido ao aumento da renda. Já a qualidade do ensino apresentou queda¿, destaca Comim.

Sendo assim, os governos, especialmente o do Brasil, não podem perder a oportunidade. Devem conciliar o crescimento econômico com a melhora da qualidade da educação. Foi nesse quesito a única queda registrada no Brasil desde 2000. ¿A melhora da educação será o fator decisivo na mudança da qualidade de vida dos brasileiros¿, sentencia. (Colaborou Gustavo Braga)