Título: Em benefício do Estado de Direito, o espetáculo terminou
Autor: Rodríguez , Víctor Gabriel
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2012, Política, p. A12

Começam os votos dos ministros no caso do mensalão e digo, sem medo de errar, que o que vem por aí decepcionará grande parte da opinião pública. Não porque eventuais absolvições surjam na contramão do que as pesquisas indicam como vontade popular, mas apenas pelo início da fase enfadonha de todo o espetáculo midiático no qual se transformou o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas o pouco interesse que a longa leitura de votos e as extensas discussões técnicas suscitarão nos espectadores não deveria induzir a uma impressão de justiça morosa e distante dos anseios da população.

Os meios de comunicação prepararam para o "julgamento do século" uma cobertura detalhada e emotiva, e não sem razão: o processo de argumentação, de convencimento e de tomada de decisão no tablado do Judiciário envolve conflito crescente de expectativa pelo resultado. Essa expectativa gera uma tensão, e a tensão reveste cada movimento de magnetismo ímpar: as falas, os gestos, as atitudes sarcásticas ou atrevidas ganham importância porque aparentemente influenciarão no veredito, e este tem a ver com o futuro de muitos personagens, políticos, que ainda antes de serem réus já garantiam recorde de audiência.

Mas para os operadores do direito a questão que aqui estou sugerindo não é nada nova. Há tempos se discutem as desvantagens pouco visíveis da TV Justiça, com sua transmissão "reality" dos julgamentos nos tribunais, em especial na Suprema Corte. E falo das desvantagens porque os benefícios são evidentes: em tempos em que se enfrenta uma batalha para que órgãos públicos cumpram a Lei da Transparência, seria no mínimo incoerente que algum jurista razoavelmente não ditatorial criticasse, sem outras razões, a abertura efetiva dos julgamentos ao público, em especial da Corte mais política da nação - e o adjetivo é institucional, sem qualquer demérito.

O problema é que, no caso específico do STF - dentre outros fatores, porque os seus componentes são poucos e porque agregam muito poder -, um processo natural levou à midiatização de suas figuras. Expostas durante horas por dia na TV aberta, são ainda alvo, legítimo, da atenção de jornalistas, a quem não seria lícito recusar recepção e respostas. O resultado é um círculo que, dizem alguns, vem influenciando negativamente os julgamentos: uma sentença que agrade a opinião pública importa em um relacionamento muito mais cômodo do personagem-julgador com essas forças, mas isso não garante, nem de longe, a decisão mais justa.

É aqui que divergirão juristas e opinião pública sobre como deveriam ser dados os próximos passos do julgamento. As teses a serem enfrentadas nos votos que se lerão são intrincadas e muito distantes do conteúdo da fala de acusação e defesa - que apresentaram só um "resumo", retoricamente adaptado, do que está exposto nos autos, aos quais apenas um seleto grupo de indivíduos teve acesso. Os votos dos ministros serão longos e de difícil compreensão aos ouvintes, em alguma medida para a felicidade do Estado de Direito: coloquialidades, adjetivos, comparações, metáforas ou citação de poemas e canções, ao mesmo tempo em que aproximam o Judiciário do público, afastam-no da técnica que, em última análise, é a saúde democrática no veredito. E o STF já comprovou, na ordem inversa, seu amadurecimento ao expulsar latinismos e outros ranços de sua linguagem, que são ainda um câncer em outros tribunais. Evidencia que sabe ser impossível construir um pensamento de vanguarda com uma linguagem pré-romântica e está corretíssimo nisso; mas a excessiva simplificação do arrazoado, que em nada se relaciona com clareza, seria também um risco.

A fundamentação de toda sentença no Judiciário é da ordem constitucional, por isso cada magistrado deve demonstrar seu posicionamento diante do alegado, ponto a ponto, réu a réu. É até permitido que, não havendo divergência, os componentes do plenário - à exceção do relator e revisor - deixem de redigir fundamentos, mas em um caso de tal magnitude é muito difícil que um ministro reprima sua vontade de opinar em cada um dos pontos nevrálgicos, como aliás já demonstrou o julgamento até aqui. E esses pontos são vários e profundos, daí que a apresentação do voto escrito, apenas porque este suporta maior complexidade, é extremamente recomendável e deverá ser adotada por quase todos os ministros.

Em outros termos, nos próximos dias podemos aguardar um julgamento muito mais enfadonho, porém necessário à construção democrática. Ainda que correndo o risco de não ser claro e direto à sociedade, o mais aguardado é que o STF decida com técnica cada questão posta pelos litigantes. É um diálogo para muitos dias. Os últimos capítulos, claro, voltarão a emocionar, mas eles não nos serão emitidos tão cedo.