Título: Em busca de um melhor dia seguinte
Autor: Andrade, Cyro
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2006, EU & Livros, p. D6

Há quem preveja para futuro não muito distante a explosão de uma bolha mal-cheirosa. O fenômeno seria conseqüência direta da expansão dos negócios com créditos de emissão de poluentes atmosféricos - um mercado que poderá chegar a US$ 40 bilhões até o final desta década. Esse modo de tentar controlar com incentivos econômicos as emissões de gases de efeito estufa, especialmente o dióxido de carbono, que provocam o aquecimento global, está previsto no Protocolo de Kyoto. Mas contribuiria de igual forma para aquele desfecho desagradável a progressão do investimento que, em paralelo ao dirigido para os créditos de emissões, irriga a indústria de energia renovável, cujo futuro, ainda na opinião de observadores pessimistas, não seria tão certo quanto pode parecer.

São especulações, que se antepõem a maneiras de ver as mesmas questões com olhos otimistas, ainda que cautelosos - como se recomenda, aliás, para a generalidade desses assuntos de convivência entre o homem e a natureza, sempre dispostos em amplos horizontes de tempo e, portanto, de incerteza. O otimismo estará justificado, contudo, se inspirado na suposição de que, depois de ter custado tanto a avançar na compreensão da delicadeza daquelas relações - entendimento de que o Protocolo de Kyoto é uma manifestação clara - as sociedades ditas civilizadas não destruirão, por ambição inconseqüente, mecanismos criados exatamente para viabilizar o crescimento econômico com sustentabilidade ambiental.

Em seu livro, Jacques Marcovitch, professor de estratégia empresarial da Faculdade de Economia da USP, da qual foi reitor, navega pelas águas desse otimismo esperançoso, enquanto expõe suas idéias ou apresenta as oferecidas em depoimentos de especialistas e "cases". São textos que organizam informações e propõem caminhos para políticas públicas e ações empresariais no Brasil. O pano de fundo é o Protocolo de Kyoto.

"Como é natural nas sociedades livres", diz Marcovitch, "há opiniões que se opõem ao Protocolo e mecanismos correlatos. Isso exige esforços de todos para a clarificação dos procedimentos e a análise de aparentes contradições." E adiante: "Como a cena final de um jogo de espelhos, o futuro fica longe, infinitamente longe. Não há como perceber nitidamente o seu contexto. Para torná-lo melhor, a única hipótese de trabalho é agir pacientemente, nos dias de hoje, em favor das causas justas, com o apoio fundamental da ciência". É uma forma de lembrar que será o conhecimento cientificamente fundamentado o fiador de constância na busca do desenvolvimento sustentável - em sobreposição à ligeireza das razões do lucro imediato, insuflador de bolhas de investimento especulativo. "A ciência deve ser prudente e lenta para ser boa. Não tem, nem poderia ter, o mesmo ritmo das nossas ansiedades", pondera Marcovitch.

Sobre a produção de conhecimento científico e posterior vulgarização de seus resultados por canais de mercado, cada país terá alguma coisa a dizer, pouca que seja, como signatário do Tratado de Kyoto - e talvez também tenha o que fazer, como contribuição para a solução de questões que são de interesse global. O Brasil desponta como fazedor.

Mas os campos de trabalho já em exploração, ou demarcados por balizamentos iniciais, são apenas parte da história, aqui e mundo afora. Há vários outros desafios, que Marcovitch condensa em perguntas assim: Como o aquecimento global afeta a saúde humana e a oferta de alimentos? Em que intensidade o uso de energias fósseis agrava a concentração de gases de efeito estufa? Quais as alternativas para estabilizar esse nível de concentração? Como decisões de nível local, regional ou nacional resultam em mudanças climáticas globais? Como reduzir os impactos de hábitos de consumo insustentáveis sobre a natureza? Como a oferta de água potável poderá ser diminuída por mudanças climáticas?

As respostas deverão ser procuradas, já se sabe, no contexto da cooperação entre governos, responsáveis por políticas públicas, e iniciativa privada, que terá incumbências de principal produtora de tecnologia. Em síntese, a grande pergunta será, sempre: O que é bom para o meio ambiente que pode ser bom também para se fazerem negócios?

Os EUA sempre foram "players" peso-pesado no terreno em que capitais de todos os tamanhos procuram extrair proveito de políticas e seus regulamentos. Não por outra razão, ali o capitalismo construiu a maior economia do mundo. Não haveria porque ser diferente com as questões ambientais. Os EUA, como se sabe, são líderes históricos na descoberta e uso de meios para controle de poluição atmosférica.

Não deixarão de sê-lo, com ou sem o Protocolo de Kyoto, que se recusaram a subscrever (foram os únicos a negar-se, junto com a Austrália, dentre os países economicamente relevantes). Com aquela arrogância que lhes é típica, os americanos isolam-se, de novo, em posição singular, certos de que, em qualquer hipótese, o mundo não poderá prescindir de sua participação, por meio de suas empresas e centros produtores de ciência e tecnologia, para colocar as questões do aquecimento global em equacionamentos de longo prazo.

Uma das idéias que orientam o livro de Marcovitch é "evidenciar o surgimento de um novo ambientalismo, não mais ativado exclusivamente pela militância, mas incorporando as forças de mercado" - necessariamente transnacionais. E uma de suas advertências é a de que "temos de encarar esse Tratado (de Kyoto) com realismo e avaliar corretamente suas limitações políticas, econômicas e mesmo científicas". O que não deve desestimular, mas, bem ao contrário, justifica de modo praticamente imperativo, que o Brasil continue avançando como fazedor de soluções, para si mesmo e para o mundo.

Há novas razões para otimismo. A imprescindível cooperação entre governo e iniciativa privada nesse campo poderá ganhar incentivo importante com a futura lei que regerá no Estado de São Paulo as ações das duas partes em questões de mudança climática. A primeira minuta do projeto será divulgada no final deste mês.

"Para Mudar o Futuro" - De Jacques Marcovitch. Saraiva/Edusp. 366 págs., R$ 60