Título: Progresso não chegou para 16 milhões de brasileiros
Autor: Verdini, Liana; Braga, Gustavo
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2010, Economia, p. 13

Dados do Pnud mostram que 8,5% da população vivem na extrema pobreza

Pelo menos 8,5% da população brasileira, ou seja, quase 16 milhões de pessoas, estão na mais extrema pobreza. Elas passam por pelo menos três privações entre as medidas pelo novo Índice de Pobreza multidimensional (IPM) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Apesar de a renda ter melhorado, essa parcela de brasileiros não tem acesso, por exemplo a água potável, luz elétrica e a bens de consumos duráveis, além de conviver com crianças fora da escola.

Analisando os números do Brasil, o Pnud até constatou uma pequena melhora nos últimos anos. Mas os técnicos da instituição são unânimes em afirmar: ainda há muito por fazer. Para erradicar totalmente a pobreza do país até 2014, como promete a presidente eleita, Dilma Rousseff, o governo terá que melhorar a qualidade dos gastos públicos, reduzir a corrupção e focar os estratos da população realmente necessitados de ajuda.

É o que espera a dona de casa Maria Bethânia da Luz, 22 anos. A casa dela carece de estrutura. O local é desprovido de energia elétrica e os muros foram erguidos de forma improvisada com tábuas. A moradia, dividida em sala, cozinha, banheiro e um quarto é alugada e compartilhada com o marido e o casal de filhos: Natanael, 8, e Natanaína, 4.

O chão do quintal é de terra batida, já o piso do interior é de cimento, mas ainda está inacabado. Maria estudou só até a terceira série do ensino fundamental e, desde que teve o primeiro filho, aos 14 anos, largou a escola e nunca trabalhou. ¿Estou esperando ligarem a luz da quadra em que moro. Disseram que estava embargado, mas agora foi autorizado. Quando estiver tudo pronto, o proprietário deve terminar o muro¿, diz, esperançosa.

Dona Odinéia Pinto Paiva, 49, também torce para que, um dia, o poder público lhe estenda a mão. Ela conta que, para reforçar o parco orçamento de casa, faz uma série de bicos. Sem eles, haveria o risco de faltar o pão de cada dia para ela, três filhos, três netos e um genro, bancados. A casa em que mora está improvisada. ¿Falta construir tudo. A estrutura é provisória. O dinheiro só dá para a gente ir se mantendo. Meu maior desejo é dar um futuro bom para as crianças¿, diz. Mas, para realidade tão difícil, Odinéia não pode reclamar: mesmo construída a base do improviso ¿ as paredes são de madeirite ¿, tem água encanada, esgoto tratado e energia elétrica.

Segundo Pnud, a base do IPM é composta por três categorias: saúde, conhecimento e padrão de vida decente. Essas, por sua vez, contemplam dez indicadores (nutrição, mortalidade infantil, anos de escolaridade, crianças matriculadas na escola, energia para cozinhar, toalete, água potável, eletricidade, tipo de chão da casa e ativos, como bens de consumo duráveis). Com isso, o indicador de pobreza ficou bem mais amplo, com característica multifacetada.

O cálculo, por sua vez, dá peso igual para cada um dos itens do tripé. A média brasileira de 8,5% é menor do que o IPM do Peru (19,8%), melhor classificado do que o Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas é pior que o da Argentina (3%). No IPM, o pior índice é o da educação, pois 20,2% da população não tem acesso a esse benefício.

Ministério contesta dados

Liana Verdini

O Ministério da Saúde contestou alguns dos indicadores usados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no cálculo do IDH. Segundo o governo, ¿o relatório apresenta expectativa de vida para a população brasileira, em 2010, subestimada em relação ao número projetado pelo IBGE e utilizado pelo Ministério da Saúde¿. Para o Pnud, o brasileiro vive em média 72,9 anos. Já o IBGE considera uma expectativa de vida de 73,4 anos.

Outra variável questionada é relativa à taxa de mortalidade materna. Para o Ministério, o Pnud ¿considera uma Razão de Mortalidade Materna (RMM) desatualizada para o Brasil¿. No relatório, as contas são feitas a partir do índice de 110 óbitos por 100 mil nascidos vivos. ¿A atual RMM considerada pelo Ministério da Saúde ¿ que consta do Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio, publicado no último mês de março pelo governo federal e apresentado ao Pnud ¿ é de 75 óbitos por 100 mil nascidos vivos¿.

Por fim, o governo afirma que o Pnud não considerou os avanços brasileiros em relação ao planejamento familiar, na informação relativa à taxa de prevalência de contraceptivos (qualquer método). ¿É preciso destacar que o Ministério da Saúde reforçou a Política de Planejamento Familiar no país. As medidas desenvolvidas pelo governo federal incluem maior acesso a vasectomias e laqueaduras, distribuição de preservativos e ampliação do acesso a métodos contraceptivos¿, afirmou o Ministério em nota, lembrando que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente à população oito tipos de métodos contraceptivos.

O Ministério destacou que, em 2003, as mulheres retiraram 8 milhões de unidades de pílulas anticoncepcionais em postos de saúdes e hospitais de 4.920 municípios. ¿Em 2008, o Ministério da Saúde chegou à marca histórica de distribuir esse tipo de método contraceptivo a todas as cidades do Brasil. E, em 2010, finalizou a compra de 50 milhões de cartelas de pílula anticoncepcional ¿ quantidade seis vezes maior do que em 2003, quando foram compradas 8,1 milhões¿.

NOVA forma de cálculo

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi praticamente reconstruído. Depois de 20 anos, dos quatro indicadores usados desde 1990 para medir o progresso social de um país, três foram substituídos. Além disso, o jeito de calcular também mudou muito: sai a média aritmética e entra a geométrica, uma forma de impedir que uma evolução muito forte em apenas um dos três pilares de sustentação do índice ¿ saúde, educação e renda ¿ permita um avanço no ranking, mesmo que a nação patine nas outras duas colunas.

Sensível às críticas dos estudiosos, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) buscou indicadores mais qualitativos, especialmente para apontar o progresso na educação. Dessa forma, sai a taxa de alfabetização e entra o número de anos médios de estudo para a população acima de 25 anos. ¿Em relação à taxa anterior, ou se é alfabetizado, ou não se é. Esse era um indicador binário, dicotômico, e incapaz de mostrar o progresso de uma população¿, argumenta Flávio Comim, economista e coordenador do Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud Brasil. ¿No Brasil, por exemplo, estamos há tempos com uma taxa de 10% de analfabetos, difícil de reduzir¿, acrescenta. O outro indicador substituído foi o número de matrículas pelo número de anos esperados de escolaridade.

Na opinião do consultor de recursos humanos e professor universitário, Homero Reis, a queda na qualidade da educação dos brasileiros está ligada ao desmerecimento da classe e a um método ultrapassado de ensino. ¿Quando o professor era um dos poucos profissionais pagos para produzir, divulgar e analisar as informações havia a preocupação em manter esse cidadão com um certo nível. A nova geração de alunos chega a universidade sem ter lido um livro, mas com milhares de acesso a internet¿, comentou. (LV)