Título: Os EUA encurralam o Brasil
Autor: Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2010, Economia, p. 14

Pacote de US$ 600 bilhões dos americanos expõe fragilidade interna e o dólar derrete a R$ 1,678, a menor cotação desde 20 de outubro

O pacote de estímulos do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos), com injeção de US$ 600 bilhões na economia americana, teve um efeito desastroso no mundo inteiro. No Brasil, a moeda derreteu. Caiu 1,41%, atingido R$ 1,678, a menor cotação desde 20 de outubro. Apenas em quatro dias de novembro, o dólar despencou 1,47%. No ano, o baque é de 3,73%. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, em discurso repleto de frases de efeito, criticou os EUA e ameaçou reclamar na reunião do G-20. As palavras do ministro caíram como uma bomba no mercado. Analistas de todas as tendências reagiram com ironia. Para eles, os americanos estão no caminho certo e o governo brasileiro é que não fez o dever de casa.

A expressão ¿guerra cambial¿, usada por Mantega para explicar a desvalorização das moedas dos países emergentes ¿não tem o menor respaldo teórico¿, disse o economista René Garcia, da Fundação Getulio Vargas (FGV). O despejo de dinheiro nos EUA tem como objetivo incentivar o emprego no país e só vai parar quando forem percebidos sinais de recuperação. ¿Seria melhor comprar as hipotecas, como fez o Bush, e refinanciar por 30 ou 40 anos. Na verdade, os EUA deveriam fazer um programa de nacional de requalificação para a nova realidade. Mas falar em guerra cambial? É até cômico. O assunto é sério demais para ser discutido com emoção¿, criticou Garcia.

Aplausos A seu ver, é a ¿maldição do vencedor¿ que atrapalha o país. ¿Na hora que paciente está cheio de energia, vamos aplicar uma injeção para ele ficar doente de novo?¿, ironizou. Para Cesar Bergo, economista da Corretora Planner, Mantega já não tem mais como mexer no IOF. ¿Ele sabe que o setor financeiro bate palmas para o Fed, mas o setor produtivo reclama uma política fiscal que salve os exportadores da falência. A solução tem que ser interna. EUA e China não vão praticar política cambial amiga¿, avaliou. A valorização do real, disse, pode ser boa para todos. ¿Em junho de 1994, no início do Plano Real, o dólar valia R$ 0,96. Ninguém lembra disso, né? Só que o governo perdeu tempo. Não fez planos para setores que precisavam de incentivo. Hoje, esta é uma das saídas.¿

Na avaliação de Mário Battistel, gerente de câmbio da Corretora Fair, o dólar vai continuar caindo. A reação de ontem foi apenas o primeiro impacto. ¿Vamos esperar começar o fato, o despejo dos US$ 600 bilhões¿, disse. Para Battistel, o raciocínio de que baixar a taxa de juros acarreta inflação de demanda não faz sentido. ¿Alguém consegue comprar com base na Selic. Há quem realmente acredite que uma queda de 40% para 35% ao ano vai desencadear corrida às compras?¿, questionou, com sarcasmo. ¿Então, é melhor baixar o juro e frear a gastança¿, complementou.

No mercado acionário, a decisão do Fed deu um imenso ânimo à Bolsa de Valores. O Ibovespa, índice mais negociado na Bolsa de Valores de São Paulo, fechou em alta de 1,52%, aos 72.995 pontos. É o patamar mais elevado desde maio de 2008 e próximo do recorde histórico de 73.516 pontos, registrados antes do agravamento da crise financeira global. A expectativa dos investidores é de que o índice paulista mantenha a tendência de alta e chegue aos 80 mil pontos até o fim do ano.

ENXURRADA CONTÍNUA

Victor Martins

A elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para estrangeiros ¿ de 2% para 6% ¿ não foi suficiente para cessar a enxurrada de dólares que inunda o Brasil. Em outubro, a diferença entre todo o capital que entrou e saiu do país ficou positiva em US$ 7 bilhões. O valor é o segundo mais elevado do ano. Perde apenas para os US$ 13,7 bilhões registrados em setembro, quando a capitalização da Petrobras foi responsável pela maioria das divisas que chegaram.

Em outubro, a exemplo de outros meses, o setor financeiro ¿ por onde estrangeiros aplicam na bolsa de valores, títulos da renda fixa e enviam recursos para o setor produtivo ¿ liderou a entrada de dinheiro no país. Por essa porta, US$ 34,5 bilhões foram despejados no Brasil e outros US$ 29,4 bilhões bateram em retirada. Todas essa movimentação deixou um saldo líquido de US$ 5,1 bilhões e acendeu um alerta nos gabinetes do Banco Central e do Ministério da Fazenda. O montante é o segundo mais elevado do ano, depois de setembro, quando US$ 14 bilhões foram atraídos pela Petrobras.

Todo esse fluxo de dinheiro para o Brasil está contribuindo para o derretimento do dólar e, segundo dados do BC, o ritmo é crescente. Apenas nos 10 últimos dias de outubro, o Brasil recebeu US$ 4,7 bilhões ¿ o dobro dos primeiros 10 dias do mês. No seu papel, a autoridade monetária tenta conter essa liquidez e está expandindo as reservas internacionais. Entre setembro e outubro, elas avançaram 3,5%

MANTEGA CONTRA-ATACA

Gabriel Caprioli

A decisão dos Estados Unidos de despejarem mais US$ 600 bilhões na economia, para a aquisição de títulos públicos, foi duramente criticada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e deve jogar ainda mais munição na batalha cambial travada no mercado internacional. Para ele, mais uma tentativa de impulsionar a recuperação norte-americana, a medida anunciada pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano) serviu apenas para derrubar ainda mais a cotação do dólar em relação a outras moedas, manter a competitividade dos produtos norte-americanos no comércio exterior e, no futuro, poderá ocasionar formação de bolhas de crédito.

¿Se você persistir nessa política (de irrigar a economia com dinheiro), o excesso de crédito não canalizado para produção será destinado para outras finalidades, como a especulação¿, afirmou o ministro. Dono da expressão ¿guerra cambial¿, Mantega disse que a disposição dos Estados Unidos em estimular a reação econômica não pode ser guiada apenas por medidas de política monetária. Para ele, é necessário combinar essas ações com uma política fiscal que reverta esse financiamento para o consumo e a produção. ¿Não adianta ficar jogando dólares de helicóptero na economia, porque isso não fará brotar crescimento. Não sou contra aumentar o crédito e reduzir taxa de juros, porém é preciso combinar isso com estímulos ao consumo e ao investimento¿, defendeu.

Apesar de alertar para o risco de bolhas, Mantega afastou a possibilidade de elas atingirem a economia brasileira. A seu ver, as ações adotadas até o momento no país, entre elas, o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o capital estrangeiro, foram eficazes. ¿No Brasil, não tem perigo porque tomamos medidas que evitam o fluxo exagerado (de dólares). Felizmente estamos conseguindo controlar a valorização do real.¿

Coordenação A guerra cambial deve ser o tema central dos debates na reunião do G-20 (grupo das 20 economias mais desenvolvidas), marcada para a próxima semana em Seul, na Coreia do Sul. Depois de Lula e da presidente eleita, Dilma Rousseff, afirmarem que estão dispostos a brigar por uma solução coordenada, Mantega reiterou que levará as reclamações ao fórum. ¿Vamos insistir para que os norte-americanos modifiquem essa política e apresentem outra alternativa. As economias avançadas não conseguiram uma recuperação adequada e não podem querer isso à custa de nossos mercados¿, afirmou.

Além dos Estados Unidos, a China também é alvo das reivindicações internacionais, já que é acusada de manter a sua divisa subvalorizada artificialmente. ¿Quando o dólar desvaloriza-se, atrapalha os países europeus, os latino-americanos e a própria China reage, fazendo a mesma coisa, reduzindo o valor de sua moeda. Temos que conversar com outros países, para que possamos influir e modificar o curso das coisas no mundo¿, disse Mantega.

Bancos sobem as apostas » Os bancos estão aumentando suas apostas na apreciação do real. Com o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos) imprimindo dólares sem limites e diante de uma política monetária frouxa, que oferece empréstimos a juros quase zero, o mundo ficou com uma liquidez nunca antes registrada e a divisa norte-americana segue em baixa. Tal tendência de queda tem feito as instituições financeiras no Brasil, na tentativa de lucrar com o derretimento da moeda, a colocarem suas fichas em uma desvalorização ainda maior do dólar. Apenas em outubro, desaguaram no mercado US$ 12,8 bilhões. A expectativa das instituioções é recomprar, mais à frente, a divisa a uma cotação menor. O montante aplicado nessa operação é 3,3% maior que o de setembro e a tendência, para os próximos meses, é de que esses valores sejam ainda mais incrementados. A quantidade de moeda vendida pelos bancos em outubro é a segunda maior quantia do mês, atrás somente do registrado em agosto.