Título: Bandarra acusado de corrupção
Autor: Campos, Ana Maria; Menezes, Leilane
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2010, Cidades, p. 27

O ex-procurador-geral de Justiça do DF e a promotora Deborah Guerner são denunciados por participação em suposto esquema de pagamento de propina. Ontem, o Conselho Nacional do MP promoveu acareação entre o ex-governador Arruda e Durval Barbosa

O inferno astral do ex-procurador-geral de Justiça do Distrito Federal Leonardo Bandarra e da promotora Deborah Guerner ficou pior na véspera do aniversário de um ano da Operação Caixa de Pandora. No fim da tarde de ontem, o procurador regional da República Ronaldo Albo protocolou no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região denúncia contra os dois integrantes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) por envolvimento em corrupção. Eles são citados como parte do esquema denunciado pelo ex-secretário de Relações Institucionais do DF Durval Barbosa nas investigações da operação que completa um ano no próximo dia 27.

O processo permanecerá sob a relatoria do desembargador federal Antônio de Souza Prudente, que autorizou em junho busca e apreensão na casa de Deborah Guerner, no Lago Sul. Na ocasião, o Ministério Público Federal conseguiu evidências que fortalecem a suspeita de existência de parceria entre a promotora e Bandarra para usar os respectivos cargos em troca de vantagens financeiras. Durante a busca, a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público recolheram gravações feitas pela própria Deborah, com câmeras externas e internas instaladas na casa da promotora, documentos e dinheiro escondidos num bunker no jardim. Numa das imagens, Bandarra chega de moto, entra e sai de capacete na residência da colega de trabalho. Todos os dados são mantidos sob sigilo.

Esta não deverá ser a única denúncia a ser protocolada contra o ex-chefe do Ministério Público do DF. É possível que o procurador Ronaldo Albo, num trabalho em parceria com o também procurador regional da República Alexandre Espinosa, ajuíze outras ações penais. Procurado ontem pelo Correio, Leonardo Bandarra disse que não poderia falar sobre o assunto porque não foi citado e não conhece o teor da denúncia. Em todas as instâncias em que se defende, o ex-procurador-geral de Justiça ¿ que agora atua numa das promotorias criminais ¿ sustenta ser vítima de uma armação de Durval Barbosa, em decorrência das ações ajuizadas contra ele pelo Ministério Público do DF.

Durval afirma que Bandarra se beneficiou do cargo para favorecer empresas de coleta de lixo durante a gestão de José Roberto Arruda. O ex-governador do DEM, em depoimento, contou ter conhecimento de que o esquema começou ainda na gestão de Joaquim Roriz (PSC). As acusações são investigadas também no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), onde tramita processo administrativo disciplinar contra os dois promotores, investigação que pode resultar na aposentadoria compulsória, caso se chegue à conclusão de que eles cometeram desvio de conduta. Em depoimento prestado a Ronaldo Albo, Arruda afirmou ser vítima de extorsão por parte de Deborah Guerner. Segundo ele, a promotora pediu dinheiro para não divulgar o vídeo em que o então governador aparece recebendo dinheiro das mãos de Durval.

Na manhã de ontem, Arruda, uma das principais testemunhas do caso, ficou cara a cara com seu algoz, Durval Barbosa, denunciante do esquema de corrupção revelado na Operação Caixa de Pandora. O CNMP intimou os dois a participarem de acareação para confirmar informações sob investigação no processo administrativo disciplinar. Arruda também esteve de frente com o jornalista Edson Sombra, pivô de sua prisão em fevereiro, por conta de uma suposta proposta oferecida a ele para que alterasse provas do Inquérito nº 650, em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre denúncias de pagamento de mesada a deputados distritais e secretários de governo.

Durval e Sombra confirmaram à comissão de promotores responsável pelo processo administrativo todas as denúncias feitas em depoimentos anteriores. A diferença é que, desta vez, eles estavam na frente de Arruda. Sombra voltou a dizer que ouviu do ex-governador, na biblioteca da Residência Oficial de Águas Claras, que ele pagava mesada de R$ 150 mil a Bandarra em troca de interferência em investigações e vazamento de informações sobre o trabalho de promotores de Justiça. O clima foi de constrangimento. Arruda não trocou nenhuma palavra com os inimigos, mas olhou fixamente para eles. Depois de sair do CNMP, o ex-governador embarcou num voo da Delta Airlines com a mulher, Flávia, e a filha caçula, Maria Luísa, para Nova York.

Roriz falta Roriz também foi intimado a prestar depoimento no CNMP, mas não apareceu. O advogado dele, José Milton Ferreira, esteve no conselho e justificou a ausência. ¿Ele não está na cidade. Mas assim que retornar, estará à disposição para prestar depoimento como testemunha¿, disse Ferreira.

O policial Dante Maciel, aliado de Durval, também foi chamado ao CNMP ontem. Ele voltou a dizer que esteve numa reunião em que Arruda falou ao advogado Aristides Junqueira, ex-procurador-geral da República, que pagava mesada a Bandarra. Na tarde de ontem, dois promotores do MPDFT também prestaram depoimento, Jairo Bisol, oposição a Bandarra, e Mauro Faria de Lima, responsável pela denúncia sobre superfaturamento na manutenção de carros da Polícia Militar, em maio do ano passado, que levou ao afastamento do então comandante da corporação, coronel Antônio Cerqueira. ¿Os promotores investigados (Bandarra e Deborah) tentaram interferir nesse processo, em favor do governo Arruda, que não queria a divulgação das irregularidades. Reafirmei isso no meu depoimento¿, informou Lima.

Entenda o caso Os promotores de Justiça Leonardo Bandarra e Deborah Guerner são alvos de dois procedimentos, um na esfera criminal e outra na área administrativa. Na Procuradoria Regional da República da 1ª Região, tramita o inquérito que apura prática de corrupção passiva e de vazamento de informações. O caso está sob a responsabilidade do procurador regional da República Ronaldo Albo que apresenta as ações contra os dois na Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, foro para processos penais contra promotores de Justiça. Caso sejam condenados, podem pegar penas de detenção.

No Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), uma comissão de promotores é encarregada de processo administrativo disciplinar contra os dois. Nesse caso, está em jogo a conduta funcional dos promotores, ou seja, a atuação no exercício da função. Se os conselheiros do CNMP entenderem que eles descumpriram deveres ou extrapolaram suas atribuições, haverá a aplicação de uma pena de aposentadoria compulsória. Em caso de condenação na esfera criminal, Bandarra e Deborah Guerner poderão perder os cargos

Comissão de Ética do PMDB reunida » Ricardo Taffner O PMDB esperou apenas as eleições passarem para tirar os esqueletos do armário. Ontem, às 19h, a Comissão de Ética da legenda se reuniu para discutir os processos abertos este ano contra seis filiados. Quatro se referem às investigações da Operação Caixa de Pandora e envolvem os deputados distritais Benício Tavares e Roney Nemer, além do ex-secretário de Educação José Luiz Valente e do ex-chefe de gabinete do ex-governador José Roberto Arruda (sem partido), Fábio Simão. Outros dois processos foram abertos contra o atual governador, Rogério Rosso, e a vice, Ivelise Longhi, sobre a postura adotada por eles no pleito deste ano

A reunião durou pouco mais de meia hora e serviu para tratar do andamento dos processos e das intimações dos envolvidos. A presidente da comissão, Ludmila Ayres Costa, saiu da reunião sem dar entrevistas. Por meio da assessoria de imprensa da legenda, ela informou que as ações correm sob sigilo e nenhuma informação poderá ser repassada, por enquanto, a fim de preservar os nomes dos correligionários. Dos sete membros do grupo, cinco participaram do encontro. Outra reunião foi marcada para a próxima quarta-feira, às 18h, na sede regional do partido.

O relatório final da Polícia Federal sobre o suposto esquema de pagamento de propina foi entregue em 23 de agosto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dois dias depois, a Executiva do PMDB se reuniu e enviou o caso dos quatro membros para a comissão. Entre os peemedebistas investigados, dois foram poupados de processo interno: a deputada cassada Eurides Brito e o primeiro vice-presidente local da sigla, Odilon Aires.

O PMDB foi um dos últimos partidos a tomar providências sobre as denúncias de corrupção. Outras legendas como o DEM e o PSB forçaram a saída dos filiados citados na operação ¿ que foi realizada há quase um ano. De toda sorte, a legenda conseguiu sair do processo eleitoral com a vitória ao lado de Agnelo Queiroz (PT) para o governo, mas com a redução das bancadas no Poder Legislativo. Para a formação da chapa nas eleições deste ano, a Executiva peemedebista se reuniu e decidiu, antes mesmo das convenções regionais, que o nome que disputaria o cargo majoritário seria o do próprio presidente, Tadeu Filippelli, o vice-governador eleito. Entretanto, Rosso e Ivelise decidiram desrespeitar a decisão dos dirigentes e se lançaram na disputa interna a fim de montar uma candidatura própria para o Palácio do Buriti.

Além de perderem nas convenções, os dois passaram a responder por processo ético. Ainda no primeiro turno, Rosso declarou publicamente apoio à adversária do partido, Weslian Roriz (PSC). Em direção contrária, a poucos dias do fim do segundo turno, Ivelise se voltou para o lado de Agnelo e, agora, será um dos nomes da transição de governo.

MEMÓRIA Distritais suspeitos As investigações da Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, cita dez deputados distritais suspeitos de terem participado do esquema de pagamento de propina no governo de José Roberto Arruda (sem partido). Três deles não exercem mais o mandato: Leonardo Prudente (sem partido), Júnior Brunelli (sem partido) e Eurides Britto (PMDB). Os demais investigados são Benício Tavares (PMDB), Aylton Gomes(PR), Benedito Domingos (PP), Rôney Nemer (PMDB), Pedro do Ovo (PRP), Berinaldo Pontes (PP) e Rogério Ulysses (sem partido).

Entre o material captado pela PF estão vídeos, escutas ambientais, documentos e listas com os nomes dos parlamentares e de empresários. Os dados fazem parte do Inquérito nº 650 do Superior Tribunal de Justiça. Por sua vez, a Câmara Legislativa também promoveu a apuração das denúncias. O relatório final da CPI da Codeplan, apresentado em agosto, pediu o indiciamento apenas dos três ex-parlamentares e poupou os demais envolvidos. O documento, entretanto, ainda não foi publicado no Diário Oficial da Câmara. Em reunião realizada durante o segundo turno das campanhas eleitorais, os distritais resolveram deixar a publicação para depois do pleito, a fim de não ser utilizado politicamente.