Título: BC não pode sofrer pressões eleitorais
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Fonte: Valor Econômico, 06/10/2006, Opinião, p. A16

O relatório trimestral de inflação de setembro, divulgado na semana passada pelo Banco Central, prevê uma variação de 3,4% no IPCA deste ano.

É notável que, pela primeira vez desde a adoção do sistema de metas de inflação, em 1999, o risco de descumprimento do objetivo, fixado pelo Conselho Monetário Nacional, seja para escorregar abaixo do piso e não para cima do teto da banda. O alvo fixado para o ano é uma variação de 4,5% no IPCA, com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais a mais ou a menos. Portanto, a inflação deve ficar na faixa entre 2,5% e 6,5%. O relatório mostra que são praticamente desprezíveis os riscos de o IPCA superar o teto da meta de inflação.

Os analistas do mercado financeiro esperam inflação ainda mais baixa do que o BC. Sua projeção mediana é um índice de 2,98% em 2006. Os Top 5 de médio prazo, grupo formado pelas cinco instituições financeiras que mais acertam suas projeções, vêem um IPCA de 2,8% no ano. Sabe-se que o próprio BC será obrigado a rever para baixo as suas projeções, que foram elaboradas com as informações disponíveis em meados de agosto, quando ocorreu a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). De lá para cá, foram divulgados índices de inflação mais baixos do que os esperados.

O Banco Central sustenta que a inflação despencou porque houve uma seqüência positiva de choques de oferta, os quais não foram antecipados pela autoridade monetária nem pelo mercado. Cita, por exemplo, o extraordinário desempenho dos alimentos, sobretudo o dos produtos "in natura", e o recuo do preço do álcool. O câmbio também tem se mantido mais apreciado do que a média dos analistas previa.

A autoridade monetária refuta a insinuação de que tenha errado na fixação da taxa básica de juros. Seu argumento é que tanto o BC quanto os analistas de mercado foram surpreendidos por inflação sempre mais baixa. As seguidas revisões das projeções para o IPCA de 2006 foram concomitantes ao anúncio de índices mais baixos do que os esperados na inflação corrente. Assim, apenas se incorporaram nas projeções as surpresas inflacionárias de curto prazo, sem que houvesse mudanças substantivas nas expectativas que dizem respeito à trajetória de médio e de longo prazos da inflação - esta, sim, sujeita as decisões sobre juros.

Mas o fato é que a inflação está se desmanchando num ambiente de baixo crescimento econômico. No relatório de inflação, a projeção do BC para o crescimento do Produto Interno Bruto foi reduzida de 4% para 3,5%. O mercado financeiro trabalha com uma projeção mediana de 3,09%.

Ainda em 2005, quando teve início o atual ciclo de redução nos juros básicos, diversos foram os alertas de que, se o BC insistisse em sua política monetária excessivamente cautelosa, seria frustrado o crescimento. É certo que ocorrerá, nos próximos meses e anos, um debate instigante sobre até que ponto o Banco Central adotou uma política monetária ótima, pesando adequadamente os riscos inflacionário e de crescimento. De toda forma, ainda que as conclusões apontassem para excesso de rigor do BC, para um ritmo mais lento de queda do juro do que as condições objetivas de inflação sugeririam, há que se reconhecer que à política do BC também pode ser atribuída boa parte da mais absoluta estabilidade com a qual o país enfrentou turbulências internacionais recentes e, agora, o período eleitoral. Por essa razão, repercussões mais negativas que a da dose de juros adviriam de pressões políticas sobre o equipe do BC para uma atitude mais agressiva na próxima reunião do Copom. Essa preocupação não é despida de razão quando se leva em conta decisões como a apressada liberação de recursos orçamentários cortados 11 dias antes pelo governo. A conta do segundo turno pode ficar insuportavelmente pesada, se, além de uma farra fiscal, sobrar para o próximo ano o comprometimento da independência operacional do Banco Central.

A ação do Banco Central deve estar voltada para, colhendo os frutos de um ambiente econômico mais estável, explorar as atuais fronteiras não inflacionárias de crescimento, até que uma nova geração de reformas amplie o PIB potencial do país.