Título: Rixa entre Anatel e governo domina debate
Autor: Moreira, Talita
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2006, Empresas, p. B3

O conselheiro da Anatel Luís Alberto da Silva jogou mais lenha ontem na disputa entre a agência e o Ministério das Comunicações, ao dizer que a interferência excessiva do governo no setor começa a afugentar investidores em telefonia.

"O sujeito não vai colocar dinheiro porque não sabe quem manda nesse negócio", afirmou ele, em entrevista após participar de um debate no último dia da Futurecom, evento de telecomunicações realizado nesta semana em Florianópolis.

Silva, cujo mandato está quase no fim, foi o único representante da Anatel a criticar abertamente o ministro das Comunicações, Hélio Costa, que na abertura do evento fez um discurso no qual desautorizou publicamente a agência.

"Quem define política de telecom no Brasil é o ministério, e não a Anatel", afirmou na segunda-feira à noite Costa. Na ocasião, ele também disse que o ministério vai criar um grupo de trabalho para abordar questões como o reajuste das tarifas de interconexão das ligações de telefones fixos para móveis e o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) - temas que, normalmente, são atribuições do órgão regulador.

Na avaliação de Silva, tem sido feita uma leitura equivocada da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e, com isso, "fica parecendo que o Executivo e o Legislativo podem baixar políticas a toda hora".

Conforme o artigo 18 da LGT, a competência do poder Executivo no setor de telecomunicações limita-se a quatro pontos: incluir e excluir serviços do regime público (classificação que recai apenas sobre a telefonia fixa); aprovar o plano geral de outorgas; aprovar as metas de universalização do serviço; e cuidar das relações internacionais.

As críticas feitas pelo conselheiro começaram quando ele participava de um debate sobre a evolução do modelo regulatório da telefonia no Brasil. Silva afirmou que a independência da Anatel, prevista em lei, é apenas teórica, uma vez que o governo impõe um estrangulamento financeiro ao órgão regulador. Segundo ele, o ministério vem tentando retomar o poder que já teve sobre o setor. "Estão forçando a barra para ver se voltam àquela situação."

Advogado, Silva foi nomeado conselheiro da Anatel em abril de 2002, portanto no governo FHC, para um mandato de cinco anos. O conselho diretor da agência é composto por cinco membros, mas um dos cargos está atualmente desocupado, o que tem prejudicado o andamento de algumas votações. No final da tarde, ao participar de uma palestra, o presidente da Anatel, Plínio de Aguiar Jr., tentou minimizar a polêmica. Inicialmente, disse que a agência tem, sim independência, apesar de "tropeços orçamentários".

Em seguida, no entanto, Aguiar disse que todo órgão regulador deve responder a uma instância superior. "Não defendo que seja totalmente independente. Por lei, a Anatel não é independente, é vinculada ao Ministério das Comunicações, responde ao Executivo." O conselheiro foi nomeado presidente da agência em julho, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Otávio Azevedo, presidente da AG Telecom (empresa da Andrade Gutierrez), afirmou que seu grupo lida com cinco diferentes agências e todas têm problemas, mas a Anatel é a que enfrenta maiores dificuldades. "Ainda na gestão de FHC a coisa começou a cair de qualidade. No caso do presidente Lula, atingiu o ápice da falta de prioridade."

A disputa entre a Anatel e o ministério e os possíveis entraves que isso acarreta na regulamentação do setor dominaram a Futurecom neste ano. Em sua palestra na manhã de ontem, Silva defendeu mudanças na legislação do setor para dar conta das inovações tecnológicas, que têm levado à convergência de serviços de telefonia fixa, móvel, internet e TV.

No entanto, o ex-presidente da Anatel Renato Guerreiro, que também participou do debate, afirmou que o órgão regulador coloca empecilhos onde não há. Segundo ele, existe uma "distorção" na forma como os atuais dirigentes da agência interpretam a LGT.

Segundo Guerreiro, os princípios gerais da lei permitem que, alcançadas as metas de universalização, as concessionárias atuem em qualquer serviço. "Não há por que esperar um passo mais ousado, que seria a criação de uma lei de convergência, se tiver como ousar um pouco mais na leitura da atual na Lei, sob o ponto de vista do cidadão", disse. Ele salientou que foi decisão do governo que as operadoras pudessem prestar qualquer serviço a partir do cumprimento das metas e que, por isso, é "uma distorção muito grande" a agência negar essa possibilidade.

Esse seria o caso, por exemplo, da proibição à participação das concessionárias no leilão de freqüências de banda larga em suas respectivas áreas - restrição que elas conseguiram driblar com duas liminares na Justiça. O leilão foi suspenso por questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU). Silva, da Anatel, admitiu que as operadoras poderiam participar da disputa, mas ressaltou que o órgão regulador optou por barrá-las para incentivar a competição.

O argentino Celedonio von Wuthenau, diretor para a América Latina para o CDG (grupo que promove o padrão CDMA de telefonia móvel) ressaltou que o Brasil, dez anos atrás, foi referência na região pela forma como conduziu o processo de privatização da Telebrás e pela criação da Anatel. "A situação no Brasil hoje é triste", observou. "Agora, a autoridade política está imiscuindo-se no trabalho da agência." (Colaborou Taís Fuoco, do Valor Online)

A jornalista viajou a a convite da organização da Futurecom