Título: Magé custa a se recuperar de crise da inadimplência
Autor: Serodio , Guilherme
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2012, Especial, p. A14

Magé é uma cidade peculiar". A expressão do prefeito Nestor Vidal (PMDB) sobre a cidade que governa desde agosto do ano passado, quando ganhou a eleição extemporânea, reflete o imaginário popular dos mageenses. Para eles, há coisas que só acontecem em Magé.

Na posse, Vidal encontrou na prefeitura uma contabilidade caótica. As contas não fechavam e faltava informações sobre as despesas da prefeitura. A ex-prefeita, Núbia Cozzolino (PMDB) foi cassada em 2009 por crimes de responsabilidade e formação de quadrilha, acusada de desviar dinheiro público de programas de saúde. Quando seu vice, Rozan Gomes, renunciou, o presidente da Câmara Municipal, Anderson Cozzolino (PR), assumiu. Irmão de Núbia, ele nomeou a ex-prefeita como assessora especial Na prática, mesmo cassada, Núbia voltou a governar.

Desde 1984 a família Cozzolino esteve à frente da prefeitura por cinco mandatos. Foram seis primos e sobrinhos. O primeiro deles, Renato Cozzolino, inaugurou o terminal rodoviário do distrito de Piabetá com o seu nome. Na parede, pintura do rosto do ex-prefeito é acompanhada da legenda "terás minha ajuda se me ajudares e juntos venceremos o grande desafio mageense".

No ano passado, o executivo municipal fechou as contas no vermelho com passivo superior a R$ 6 milhões. Na época, o prefeito Vidal afirmou que a prefeitura não tinha caixa nem para renegociar dívidas. Nos últimos dez meses, a prefeitura de Magé perdeu R$ 10 milhões entre multas e devoluções de verbas contratadas que não puderam ser aplicadas devido a irregularidades em convênios. De lá para cá, a austeridade impôs ainda a dispensa de 200 funcionários não concursados.

"Nós não temos solução pra isso", diz o prefeito sobre a inadimplência municipal. "Acho que a federação deveria ser responsabilizada. Há uma falha na eleição extemporânea", critica. O prefeito atual cumpre mandato de apenas um ano e quatro meses, mas em primeiro de janeiro precisa ter as contas em dia em respeito à lei de responsabilidade fiscal. "Prevejo um fechamento de gestão problemático", diz Vidal.

Candidato à reeleição, Vidal diz ter mais de 51% dos votos. Nas ruas da cidade, o sorriso do prefeito ilustra nove em cada dez cartazes de candidatos à Câmara Municipal.

A rejeição à família Cozzolino explica parte da popularidade do prefeito. "Ele tem pouco tempo de governo, não fez ainda muita coisa. Mas vamos votar nele para ver se melhora, se não melhorar a gente pinta a cara e vai para a rua", diz a aposentada Antonia Silveira, 70, que aguarda seu ônibus sentada embaixo da pintura de Renato Cozzolino, na rodoviária de Piabetá. Ela própria votou na ex-prefeita Núbia. "Os Cozzolino a gente não quer mais. Eles arrasaram Magé, aqui só dava Cozzolino, até os colégios eram Cozzolino".

As escolas municipais receberam os nomes da família que dominava a política local na gestão da ex-prefeita Núbia. Foram batizadas como Renato Cozzolino, Raphael Cozzolino ou Pergentina Cozzolino II. A manobra populista resultou em multa de R$ 10 mil por dia aplicada pela Justiça. Núbia se recusou a mudar os nomes das escolas e hoje a dívida ultrapassa R$ 50 milhões.

Nestor Vidal terá apenas um adversário nesta eleição. O candidato do PSB Ricardo da Karol promete negociar as dívidas da cidade com o Estado e a União. Ricardo nega ter o apoio dos Cozzolino, mas tenta na justiça a coligação com o PR, partido dominado pela família em Magé.

No começo do mês, a Justiça Eleitoral impugnou o registro de candidatura de Narriman Zito (PDT). Ex-prefeita de Magé entre 2001 e 2004, ela teve as contas de 2004 da prefeitura reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Este também será o primeiro pleito em 28 anos em que nenhum Cozzolino vai concorrer à majoritária.

Além da desordem nas contas públicas, a política da cidade é marcada pela violência. Nos últimos dez anos Magé presenciou doze assassinatos políticos. O último foi do candidato a vereador Marcelo dos Santos (PSL), um sargento da Polícia Militar, morto pelas costas em um bar, em julho. O candidato do PSB faz campanha em carro blindado desde que dois homens armados foram presos na rua da sua casa, em junho. O prefeito também só sai à rua com dois seguranças armados. "Ameaça a gente recebe todo dia, por bilhetes, recados, pelo telefone", enumera Vidal. (GS)