Título: S.Bernardo lidera em repasses federais
Autor: Serodio , Guilherme
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2012, Especial, p. A14

Nos últimos quatro anos, algumas prefeituras conquistaram dezenas de convênios e milhões de reais em verbas federais para obras de saneamento, urbanização, construção de habitações e hospitais e projetos de educação. Em comum, as cidades líderes em captação de recursos no Sistema de Gestão de Convênios do Governo Federal (Siconv), que centraliza a maior parte dos convênios do governo, têm prefeituras governadas pelo PT ou por partidos aliados.

Com 765 mil habitantes, São Bernardo do Campo, cidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lidera a lista de cidades que mais captaram recursos com a União através do Siconv. A administração do prefeito Luiz Marinho (PT) assinou 64 convênios entre janeiro de 2009 e junho deste ano que somam R$ 203,3 milhões em repasses federais.

Em segundo lugar está o Rio de Janeiro, governado pelo aliado do governo Eduardo Paes (PMDB). A segunda maior cidade do país, com 6,3 milhões de habitantes, contratou R$ 196,3 milhões em 72 convênios no período. Os outros municípios com os maiores valores conveniados durante a atual administração foram Fortaleza (PT) cujos convênios somam R$ 129,7 milhões; Goiânia (PMDB) com R$ 108,2 milhões; Guarulhos (PT), R$ 106,6 milhões; e Belo Horizonte (PSB), R$ 104,5 milhões.

Todas as prefeituras contatadas pelo Valor negam que estar na base de apoio do governo favoreça a captação de recursos. "É algo absolutamente técnico, se você não apresentou os dados e a documentação, está fora", diz o chefe da Coordenadoria de Projetos Especiais de Fortaleza, Geraldo Accioly.

Entre os convênios de maior valor firmados pelas seis cidades, destaca-se a captação de R$ 14,4 milhões por São Bernardo do Campo junto ao Ministério da Cultura para a construção do "Museu do Trabalho e do Trabalhador". Ao custo total de R$ 18 milhões a obra deve ser concluída em nove meses, diz o secretário adjunto de orçamento e planejamento participativo da cidade, Sérgio Vital. O orçamento participativo da cidade prevê que os convênios passem pela aprovação popular antes de serem assinados. "Faz parte da gestão essa discussão com a população. Os recursos são escassos e a gente tem como lógica discutir isto com a cidade", diz Vital.

A vantagem de São Bernardo é a gestão organizada, aposta Vidal. "A gente sabe o que quer executar. Outros municípios não têm [a mesma] capacidade técnica", acredita.

A prefeitura de Fortaleza mantém em Brasília "uma espécie de despachante, que passa todo dia nos órgãos para ver como estão as coisas e criar uma rede de contatos. Você tem que acompanhar a burocracia, mas não pode ter uma postura de freezer", assume Accioly. "Não existe mandar o projeto e esquecer. Eu não chamaria de lobby, mas é importante você manter permanentemente esse diálogo", afirma.

Para o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), a competência da equipe técnica da prefeitura faz a diferença. "A gente é muito diligente com as aberturas que existem em Brasília e sempre apresenta projetos, o que nos dá vantagem enorme", afirma. Segundo ele, a administração anterior, de oposição ao governo desdenhava a verba federal. "Como era verba federal diziam "é melhor não pegar"", diz sobre o ex-prefeito César Maia (DEM). "Eu faço o contrário, qualquer dinheiro que houver lá eu pego".

Por via de regra, os prefeitos líderes na captação de recursos têm facilidade para se reelegerem ou empossar um sucessor. À exceção de Fortaleza, em todas essas cidades o candidato da situação tem mais de quinze pontos percentuais de vantagem sobre os adversários nas últimas pesquisas de intenção de votos.

Na capital cearense, o candidato da prefeita Luizianne Lins (PT) é o ex-secretário de educação do município, Elmano Freitas. Com 6% da preferência do eleitorado, ele tem o sexto lugar na corrida eleitoral. "Temos muita confiança que a população vai reconhecer nossas políticas públicas", diz Accioly. "Nós vamos fazer o sucessor", acredita. Criada em 2006, a coordenadoria de Accioly centraliza a captação de recursos na prefeitura e tem status de secretaria.

Em Belo Horizonte, o chefe da pasta de Finanças, José Bicalho, foi um dos seis secretários a deixar a prefeitura após o racha entre o prefeito Márcio Lacerda (PSB) e o PT, em julho. Mudanças na administração municipal são apontadas por Erik Vittrup, principal autoridade de assentamentos humanos do programa das Nações Unidas para Habitação (ONU-Habitat), como um obstáculo à captação de recursos. Procurada pelo Valor, a prefeitura de Belo Horizonte não quis se pronunciar.

A inadimplência e a falta de pessoal especializado são as grandes barreiras à captação de recursos federais. Em ano eleitoral, o problema da inadimplência costuma se agravar com a transferência de poder, afirma o assessor do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), Marcos Flávio. Mesmo com a lei de responsabilidade fiscal, "poucos municípios possuem em sua lei orgânica a exigência de uma comissão de transição", diz.

Não há um cadastro aberto sobre inadimplência, mas levantamento feito pelo Valor a partir de dados da Controladoria Geral da União (CGU), revela que irregularidades na prestação de contas de convênios com o governo levam anualmente mais de 10% dos 5.565 municípios brasileiros a entrarem no registro de Tomada de Contas Especiais (TCEs). Só este ano, 328 municípios chegaram a esta situação crítica e podem ter que devolver R$ 232,67 milhões em valores corrigidos aos cofres federais para quitar suas dívidas.

Com municípios mais pobres e menor estrutura administrativa, o Norte e Nordeste do país concentram a maior parte das cidades em Tomada de Contas. São 244 municípios nas duas regiões, 74% do total. Na distribuição por partidos, o PMDB tem o maior número de prefeituras devedoras - 21% do total.

O abandono de compromissos firmados e irregularidades no pagamento de contas públicas impedem os municípios de assinar novos convênios com Brasília. Administrações inadimplentes precisam retomar obras paradas, refinanciar multas ou devolver verbas federais cuja aplicação não pôde ser comprovada para regulariza sua situação.

Em julho, 57 dos 92 municípios (62%) do Estado do Rio de Janeiro estavam inadimplentes nos cadastros federais. A gravidade da situação incentivou o Estado a criar em 2009 o Programa de Captação e Gestão de Recursos para Municípios (Pecam) para ensinar funcionários das prefeituras a gerir as finanças municipais e desenvolver projetos aptos a captar recursos federais.

Entre 2008 e 2010, os primeiros quatro municípios a aderirem ao programa multiplicaram em no mínimo oito vezes a captação de recursos. As cidades de Barra do Piraí, Macaé, Petrópolis e Cabo Frio conseguiram sanar suas contas e, em 2011, captaram juntas R$ 121,3 milhões.

A cidade de Magé, na região metropolitana assinou seu último convênio com o governo em 2007. Inadimplente desde então, o município só conseguiu verbas federais para projetos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), que dispensa a necessidade da adimplência para o repasse de recursos e não transita pelo Siconv. Desde que aderiu ao Pecam, no ano passado, Magé já regularizou cinco convênios, mas ainda está inadimplente em outros sete. "Hoje a gente paga o preço do abandono dos convênios", conta o assessor da secretaria de Planejamento de Magé, Cláudio Sargentelli. Funcionário do governo estadual ele foi emprestado à prefeitura de Magé para ajudar a sanar as contas da cidade.