Título: Rússia finalmente entra na OMC, mas a crise global reduz benefícios
Autor: Rao , Sujata
Fonte: Valor Econômico, 23/08/2012, Internacional, p. A11

Os 19 anos de espera da Rússia para entrar na Organização Mundial de Comércio (OMC) finalmente chegaram ao fim. Mas tudo indica que o milagre na área de exportações e de investimentos usufruído pela China depois da filiação à OMC não voltará a ocorrer.

A China esperou 15 anos pelo ingresso na OMC. Mas, para Pequim, a adesão, em 2001, abriu caminho para uma década que quintuplicou suas exportações e impulsionou sua economia, de sexta para segunda maior do mundo.

A economia russa, baseada em commodities, está em condições menos favoráveis para desfrutar desse tipo de arrancada. E, com os fluxos tanto de comércio exterior quanto de investimentos menores que os de uma década atrás, o país terá dificuldade de atrair investimentos em escala semelhante.

No entanto, há muitos pontos positivos em sua filiação à OMC.

Estima-se que as barreiras tarifárias no exterior custem aos exportadores russos de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões ao ano. A OMC confere barreiras comerciais mais baixas e tratamento igual aos seus membros. Moscou terá de corrigir suas próprias barreiras. A média das tarifas russas deverá cair um terço - as tarifas sobre carros estrangeiros, por exemplo, cairão à metade até 2019. Assim, a queda no preço de produtos importados pode deixar consumidor e empresas com mais dinheiro para gastar.

E, embora alguns setores pouco competitivos possam sofrer- a indústria automobilística russa é um exemplo - outros, como o bancário e o de telecomunicações, serão abertos a investimentos externos.

Além disso, a Rússia está engessada pela fama de praticar um capitalismo de compadrio, com excesso de burocracia e desrespeito aos direitos dos investidores. Os otimistas acham que a entrada na OMC, que conta com o apoio do presidente Vladimir Putin e tem um cronograma rígido, previamente pactuado, dará ao Kremlin um senso de urgência aos até agora hesitantes esforços de reforma.

Ed Conroy, administrador de investimentos do HSBC Global Asset Management, acha que a Rússia, a exemplo da maioria dos países recém-ingressos na OMC, gozará de crescimento e aumento dos investimentos se derrubar as barreiras protecionistas e der finalmente mostras de um claro compromisso com as políticas de livre mercado.

"A OMC não é uma varinha mágica que eles possam brandir para criar um refúgio para os investimentos, mas, quando você cria um quadro menos restritivo, automaticamente cria oportunidades. Não espere uma revolução, e sim uma evolução para uma economia mais aberta, mais competitiva", diz Conroy, que investe na Rússia.

Ele aposta que as ações dos bancos serão as mais favorecidas na Rússia pós-OMC. Outros, como Chris Weafer, da corretora Troika Dialog, de Moscou, aconselham apostar em ações de varejistas e empresas aéreas, cotadas para subir com a queda das tarifas de importação.

Tudo isso corrobora a opinião do Banco Mundial, que calculou o valor de curto prazo da filiação da Rússia à OMC em US$ 49 bilhões ao ano, ou mais de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, a preços de 2010. Esse montante sobe para US$ 162 bilhões anuais se considerado o impacto de mais longo prazo sobre os investimentos.

Mas isso não significa um milagre de crescimento como o chinês.

Um enorme exército de mão de obra barata possibilitou à China um período de prosperidade pós-OMC, com aumento das exportações de mais de 20% ao ano. A entrada de investimento externo direito disparou, com a instalação de fábricas de empresas estrangeiras.

Isso não vai acontecer na Rússia. Em primeiro lugar, porque sua pauta de exportações é dominada por petróleo e gás, que não estão sujeitos a barreiras tarifárias. Em segundo lugar, o modelo de exportações baseado na indústria provavelmente não deslanchará, devido aos custos de mão de obra relativamente altos na Rússia.

A Unctad, agência da ONU para comércio e desenvolvimento, também admite que o acesso à OMC "pode não ter efeitos significativos em termos de atração de investimento estrangeiro" na indústria.

O fator mais determinante é que a Rússia vai sofrer com a mudança da economia mundial que ocorreu após o ingresso da China, em 2001. Na época, a economia mundial estava no auge de um surto de crescimento do comércio exterior alimentado pela disparada do mercado imobiliário e de crédito.

"O que beneficiou a China foi termos tido, por muitos anos, um período de crescimento puxado pelo endividamento no Ocidente", disse John-Paul Smith, diretor de estratégia de ações de mercados emergentes do Deutsche Bank.

Agora, boa parte do mundo rico está em recessão. Governos e consumidores estão reduzindo gastos. A OMC prevê que o comércio exterior crescerá apenas 3,7% este ano, quase metade da média anual de 6% observada entre 1990 e 2008.

O efeito disso, mesmo sobre tradicionais potências exportadoras, foi profundo. O superávit comercial agregado da Ásia, por exemplo, corre o risco de se transformar em déficit em breve, pela primeira vez em mais de uma década, segundo analistas do J.P. Morgan.

Ironicamente, as exportações de metais e petróleo da Rússia são vulneráveis à desaceleração da China, cuja demanda sustentou o surto de crescimento de uma década do preço dessas commodities. Esse perigo é tão grande que poderá eliminar qualquer impulso dado pela OMC à Rússia, segundo Smith, do Deutsche Bank. "O fator ingresso na OMC deve ser minimizado pelo que ocorrer com o preço das commodities devido à situação na China", disse. "Principalmente se a economia chinesa estiver ingressando numa desaceleração estrutural, e não cíclica."