Título: Área de grãos recua ao nível de 2002/03
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2006, Agronegócios, p. B12

Ainda sob o impacto da crise de renda e de liquidez vivida em 2005, os produtores rurais do país continuam desestimulados a aumentar seus investimentos nas lavouras. Pelo segundo ano consecutivo, e de olho nos elevados custos de produção e no câmbio desfavorável, eles decidiram pisar no freio e reduzir a área plantada com grãos, fibras e cereais no país.

A primeira estimativa para o atual ano-safra 2006/07, iniciado "oficialmente" em julho, indica uma queda média significativa de 2,05 milhões de hectares na área cultivada (4,3%), provocada sobretudo pelas lavouras de soja, milho e trigo, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

A superfície total, que chegou ao recorde de 49,1 milhões de hectares no ciclo 2004/05, recuará para 45,2 milhões de hectares no atual ciclo. É a menor área prevista desde 2002/03, quando foram cultivados 43,9 milhões de hectares. Na safra 2005/06, concluída em junho, os produtores já haviam deixado de cultivar 1,8 milhão de hectares, reduzindo a área para 47,3 milhões de hectares (3,7%).

"É um ano de retomada, de inflexão", tentou explicar o ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto. "Estamos vivendo a maior crise da história e a redução não foi tão grande. No fundo, é um tremendo êxito da política do governo Lula, que evitou uma queda ainda maior", afirmou.

Segundo o ministro, o Tesouro Nacional gastou R$ 6 bilhões em apoio à comercialização e renegociações de dívidas rurais. "Nunca na história do Brasil se deu um apoio deste tamanho", garantiu. Nos últimos sete anos, o governo gastou até R$ 28 bilhões nesse socorro - a média anual atingiu entre R$ 3,5 bilhões e R$ 4 bilhões, segundo ele.

Apesar do otimismo oficial, os produtores se mostraram mais seletivos e cautelosos nesta safra, bem diferente de anos recentes, quando investiram pesado em máquinas novas e alta tecnologia para as lavouras. Em conseqüência desse movimento, a produção total de grãos, fibras e cereais deve registrar uma leve retração média de 0,6% neste ciclo. No total, o país deve colher 119,2 milhões de toneladas a partir de janeiro. Na safra passada, foram colhidas 119,9 milhões de toneladas, segundo o último levantamento da Conab.

Carro-chefe da produção nacional, as lavouras de soja devem sofrer retração média de 6,4% na área plantada, mas registrar uma produção total de 54,3 milhões de toneladas - resultado 1,6% superior às 53,4 milhões de toneladas registradas na safra anterior.

"Há uma seleção de áreas. Mas [a queda] é compensada pela tecnologia e a agricultura de precisão, que trata cada área de maneira heterogênea", disse Guedes. O ministro reconhece, porém, que os produtores estão endividados e que optaram por plantar as áreas mais produtivas.

Os produtores de milho também devem reduzir em 1,65% a área média cultivada. Na safra de verão, a queda pode chegar a 2,25%. Ainda assim, vão tomar espaço da soja em função do menor custo de produção. Mas, embalada por um aumento da produtividade, a produção total do principal insumo da indústria de carnes deve ter um aumento médio de 1,8%, para 42,4 milhões de toneladas, segundo as estimativas da Conab.

Favorecida pelas boas cotações nos mercados interno e externo, além do alto volume da produção futura já negociada no mercado, a área das lavouras de algodão deve registrar um acréscimo médio de 15,5% neste ciclo. Segundo a Conab, a produção deve saltar 23%, passando de 1 milhão para 1,27 milhão de toneladas de pluma.

Na esteira da substituição promovida pelos grandes e médios produtores de soja da região Centro-Oeste, a área de arroz pode crescer 1,8% no país. Áreas velhas, até então ocupadas pela cultura, devem voltar a ser utilizadas. O custo de mantê-las vazias é superior ao plantio. Ainda assim, a produção está estimada em 11,56 milhões de toneladas, ou 1,35% inferior ao total da safra anterior.

A cesta básica se completa com um significativo aumento médio de 6,3% na área e de 17,5% na produção da primeira safra de feijão, a mais importante do ciclo. "Não haverá inflação de preços em 2007. Não tenho a menor dúvida disso", arriscou o ministro Guedes Pinto.

Alguns especialistas têm feito uma ligação entre o desestímulo dos produtores na safra passada e uma possível pressão inflacionária movida a cotações agrícolas. A quebra na produção de trigo, por exemplo, pode ser um complicador para os economistas do governo no ano que vem.

Com uma redução de 32,5% na produtividade, as lavouras de trigo devem ter uma redução de 26% na área cultivada e de 50% na produção neste ciclo. A descapitalização do produtor, aliada à estiagens no Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, além de geadas no Rio Grande do Sul, são as causas da quebra. Com isso, o país terá que importar 72% das 10,4 milhões de toneladas necessárias.

As projeções divulgadas ontem (dia 5) revelam a dificuldade que a gestão Lula teve para estimular e consolidar uma safra acima de 120 milhões de toneladas. O recorde continua com o ciclo 2002/2003, quando foram colhidas 123,2 milhões de toneladas, plantadas ainda sob os incentivos do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso. "Mas nós [governo do PT] tivemos uma seca sem precedentes em 2004. Se pegar a nossa média, estaremos próximos do ápice do FHC", defendeu Guedes. Na verdade, se confirmada previsão para a atual safra, a média do governo Lula chegaria a 118 milhões de toneladas. Longe, portanto, dos 123,2 milhões do recorde de FHC, cuja média foi de apenas 88,7 milhões de toneladas em oito anos.