Título: Relator já pediu condenação de quatro réus
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2012, Política, p. A8

O relator do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, adotou a estratégia de iniciar seu voto no processo do mensalão com a denúncia de que houve desvio de dinheiro público, questão central para que outros crimes também sejam identificados. Barbosa votou, ontem, pela condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por peculato, lavagem de dinheiro e corrupção passiva, e do publicitário Marcos Valério por corrupção ativa e peculato. Além disso, o relator também pediu a condenação dos sócios de Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, pelos mesmos crimes. Os demais ministros ainda não votaram esta questão, pois ficaram diante de um impasse sobre a forma do julgamento.

Em vez de ler seu voto de uma só vez, Barbosa optou por fatiar a leitura e seguir a ordem da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A primeira parte escolhida por ele foi o terceiro item, o que trata de supostos desvios de recursos públicos da Câmara dos Deputados.

Ontem, o relator apresentou apenas a parte de seu voto referente às relações entre João Paulo, Valério e seus sócios. O deputado é o único dos réus que é candidato nas eleições municipais. Ele disputa a Prefeitura de Osasco e foi o primeiro a ser apontado como condenado pelo relator.

Segundo Barbosa, João Paulo cometeu o crime de corrupção passiva por receber R$ 50 mil de empresas de Valério, que, de acordo com ele, foram a contrapartida para contratar a agência SMP&B para serviços de publicidade na Câmara dos Deputados. O ministro atribuiu aos publicitários o crime de corrupção ativa. Já João Paulo teria que ser condenado, segundo o ministro, por corrupção passiva, pois recebeu o dinheiro por meio de um saque feito por sua mulher em uma agência do Banco Rural, sob a autorização da SMP&B.

"O réu tinha tanta certeza de que o saque não fora formalizado que apresentou versão diferente à apresentada na CPI dos Correios", disse Barbosa. João Paulo havia informado inicialmente que sua esposa fora pagar uma conta de TV por assinatura na agência do Rural e, depois, justificou que os R$ 50 mil vieram do PT para pagar pesquisas eleitorais.

"A eventual destinação que João Paulo Cunha deu ao dinheiro depois de recebê-lo é irrelevante para a tipificação da conduta", disse o relator. "O crime se consumou e permitiu a ocultação da origem do dinheiro por quase dois anos", enfatizou Barbosa. Segundo o ministro, os órgãos de fiscalização não foram informados da operação. "O dolo (intenção de cometer o crime) também está presente, já que o próprio réu era o autor de um dos crimes antecedentes contra a administração pública", afirmou o relator.

Barbosa entendeu ainda que João Paulo praticou o crime de peculato (desvio de recursos públicos) ao contratar a SMP&B para serviços de publicidade da Câmara. De acordo com o ministro, a agência "subcontratou a execução integral do contrato, recebendo a remuneração prevista sem exercer atividades que autorizassem os pagamentos".

O relator afirmou que Cunha mantinha contatos frequentes com Valério e seus sócios. "João Paulo praticou um ato de ofício que atendeu o interesse dos sócios da agência. Ele assinou portaria que dava início ao procedimento de licitação, nomeou a comissão de licitação para elaborar o edital destinado à contratação de agência de publicidade pela Câmara e participou ativamente das subcontratações realizadas pela empresa em 2004, conduzindo as empresas a recebimento sem necessidade de contraprestação", afirmou o relator.

Barbosa utilizou um precedente do STF envolvendo Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo, para pedir a condenação de João Paulo por lavagem de dinheiro. Ele citou o caso, que foi relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski, com o objetivo de tentar vincular decisões recentes desse último a seu voto no mensalão.

Maluf foi acusado pelo Ministério Público de desviar mais de US$ 1 bilhão em obras realizadas quando ele era prefeito entre 1993 e 1996 para o exterior. Em setembro do ano passado, Lewandowski levou o processo a julgamento e afirmou que o crime de lavagem de dinheiro é permanente e continuado, motivo pelo qual não poderia estar prescrito, apesar de o prazo legal para tanto ser de oito anos. A escolha do caso Maluf não foi gratuita. Como revisor do mensalão, Lewandowski tem se oposto a teses de Barbosa. Então, Barbosa foi buscar no caso Maluf um voto favorável de Lewandowski à imputação de lavagem de dinheiro.

O advogado de João Paulo, Alberto Zacharias Toron, não estava, ontem, no plenário do STF, pois a Corte não informou previamente aos advogados dos réus em qual ordem faria a votação do mensalão. Ele negou as denúncias em defesa apresentada no dia 8. Na ocasião, Toron argumentou que nenhuma das empresas derrotadas na licitação da Câmara contestou o resultado. Para rebater a acusação de lavagem de dinheiro, Toron afirmou que não houve tentativa de camuflar o recebimento de recursos, pois a mulher de João Paulo sacou R$ 50 mil apresentando nome e documentos no Rural.