Título: Ação Penal 470 é recordista em provocar discussões ríspidas no plenário da Corte
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2012, Política, p. A9

O mensalão é o processo que levou a um recorde de discussões tensas entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde 2005, sempre que o caso entra em pauta, surgem desentendimentos e debates ríspidos entre os integrantes da Corte.

Até o início do julgamento, neste ano, o maior dos embates foi o ocorrido em outubro de 2005, quando os ministros discutiram se a Câmara dos Deputados poderia julgar José Dirceu por quebra de decoro parlamentar. O debate era aparentemente simples: Dirceu teria cometido crimes quando ocupava a chefia da Casa Civil, e não quando deputado. Logo, seria possível julgar um deputado por quebra de decoro no Parlamento por causa de supostos crimes praticados quando era ministro de Estado?

Quando já havia maioria contra Dirceu, o então ministro Nelson Jobim começou a fazer duras advertências aos demais ministros. Ele afirmou que a decisão "retomou o processo de degola com relação ao Executivo" e que o STF estava abrindo espaço para que o Congresso iniciasse cassações até de ministros do próprio Supremo. Gilmar Mendes riu da advertência de Jobim, fazendo pouco caso da previsão dele e dizendo que não seria correta. "Você não perde por esperar", contra-atacou Jobim, sustentando sua posição.

Aquela decisão foi tomada por sete votos a três, após quatro horas e meia de discussões entre os ministros. Um mês depois, houve nova votação sobre a cassação de Dirceu e o STF rachou ao meio. Em debate, a necessidade de retirar o depoimento da então presidente do Banco Rural, Katia Rabello, do processo de cassação contra Dirceu na Câmara pelo fato de ele não ter tido acesso prévio ao documento. Os ministros literalmente balançaram. Eros Grau disse, no início da votação, que não houve ofensa ao direito de defesa de Dirceu, mas, ao ouvir os votos de Marco Aurélio e Celso de Mello, mudou de ideia. Mendes afirmou, no começo da sessão, que o depoimento de Kátia deveria ser retirado do processo, mas, em seguida, entendeu que o processo correu sem problemas à defesa. Houve empate em cinco votos a cinco e coube ao então ministro Sepúlveda Pertence dar o voto decisivo. Ele o fez em tom de desabafo, criticando jornais e revistas que publicaram reportagens indicando que votaria a favor de Dirceu. Ao fim, o voto de Pertence prevaleceu e o STF permitiu a continuidade do processo na Câmara, determinando a retirada do depoimento de Kátia, e Dirceu foi cassado horas depois do veredicto do tribunal.

Sete anos depois daquela decisão, a expectativa é a de que a imputação do crime de quadrilha a Dirceu leve aos mais intensos embates entre os ministros da Corte em todo o julgamento, pois, nesse caso, eles vão ter que dizer se as provas testemunhais contra ele são suficientes para levar a uma condenação e se ele tinha mesmo o "domínio do fato" de que houve uma organização para comprar apoio político no Congresso e desviar dinheiro para campanhas políticas do PT e de partidos aliados.

Antes de o processo entrar em julgamento, houve impasses até mesmo em questões aparentemente simples, como se os réus do mensalão poderiam pedir o currículo dos peritos para contestá-los judicialmente. Numa noite de abril de 2011, quatro ministros votaram a favor do pedido dos réus e outros quatro foram contrários, gerando um impasse. "Essa exigência não está na lei. É chicana!", disse o relator, ministro Joaquim Barbosa. Já Celso de Mello achou que o pedido deveria ser atendido. "Com isso, enseja-se de modo pleno o direito de defesa", sustentou Celso.

Outro embate aconteceu em dezembro de 2006, na primeira vez em que o STF discutiu o desmembramento do processo. Gilmar Mendes defendeu a análise do mensalão de maneira unitária pelo tribunal, sem o envio de réus que não têm foro privilegiado para a 1ª instância. Já Barbosa descreveu os crimes como "absolutamente autônomos" e, com isso, queria retirar a maioria dos réus do STF.

Na época, Barbosa foi tão enfático na defesa do desmembramento que atacou o colega: "Pelo visto, vossa excelência não leu a denúncia". "Como vamos separar um crime de lavagem de dinheiro em diversas instâncias?" retrucou Mendes. "Até em jardim de infância de direito penal se sabe disso", continuou. Hoje, o caso está inteiro no STF e junto com ele seguem os debates tensos entre os ministros da Corte. (JB, MM e FE)