Título: Mais forte, PSB já negocia governo de coalizão
Autor: Romero, Cristiano e Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Política, p. A7

Aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que emerge fortalecido das urnas, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) quer participar do núcleo decisório do governo num possível segundo mandato. O partido, que ultrapassou a cláusula de barreira, recebendo 6,15% dos votos para a Câmara dos Deputados, exige que Lula faça, enfim, um governo de coalizão e que se relacione de forma institucional com os partidos aliados, e não por meio de relações individuais e da compra de apoios e votos. "É preciso acabar com o governo do PT e criar o governo de coalizão", defende o presidente em exercício do PSB, Roberto Amaral.

Seu partido, além de ter superado a cláusula de barreira (fixada em 5% dos votos para deputado federal), foi o 6º mais votado na eleição para a Câmara. "O PSB se preparou para isso. Os partidos sabiam da cláusula de barreira há dez anos", observa o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS).

O partido superou também, em 23 Estados, a cláusula que obrigava as legendas a terem pelo menos 2% da votação. O PSB elegeu ainda um governador no primeiro turno - Cid Gomes, no Ceará, com 62,38% dos votos - e disputará o segundo turno em dois Estados.

Em Pernambuco, Eduardo Campos foi para a segunda rodada depois de ter obtido 33,81% dos votos na eleição do dia 1º. Suas chances de bater o candidato do PFL, Mendonça Filho, são grandes porque, embora o pefelista tenha alcançado quase 40% dos votos no primeiro turno, uma boa parte dos votos do terceiro colocado na disputa - Humberto Costa, do PT, com 25,14% - tende a migrar para Campos. No Rio Grande do Norte, tudo pode acontecer, mas a candidata do PSB, Vilma Faria, terminou o primeiro turno à frente, com 49,57% dos votos, menos de um ponto percentual à frente de Garibaldi Alves, do PMDB.

O PSB elegeu 27 deputados federais, um a menos do que possui na atual bancada e cinco a mais do que havia eleito em 2002. "Não temos uma bancada enorme, mas ampliamos a capilaridade", afirma Albuquerque. Os socialistas elegeram representantes em 16 Estados e no Distrito Federal. O PSB registra outra marca nesta eleição - o fato de ter o deputado federal proporcionalmente mais votado do país (Ciro Gomes, no Ceará, com 667.830 votos ou 16,19% do total dos votos válidos). A sigla conseguiu ainda eleger Renato Casagrande senador pelo Espírito Santo. Casagrande, o terceiro senador do PSB, teve 1.031.487, ou 62,37% dos votos válidos.

A cúpula do partido esperava eleger 35 deputados federais, mas é praticamente certo que a bancada deverá crescer nos próximos meses porque 22 partidos não alcançaram a cláusula de barreira e, portanto, perderão representatividade no Congresso, o que incentivará muitos deles a mudarem de filiação. Essas legendas elegeram 118 deputados. Desses, 50 estão em partidos à esquerda do espectro político.

Beto Albuquerque assegura que o PSB não está com as portas "escancaradas", mas ele acredita que a sigla será o caminho natural de pelo menos 30 parlamentares. Se isso acontecer, a bancada na Câmara crescerá para 57 deputados, tornando-se a 5ª maior, atrás apenas do PMDB, PT, PSDB e PFL, nessa ordem. Roberto Amaral ressalva que a migração depende ainda da definição da eleição presidencial.

"Uma coisa é Lula ganhar e sermos governo; a outra é ele perder e irmos para a oposição", pondera ele, fazendo em seguida uma advertência ao governo: "Não tivemos ajuda do governo para alcançar a cláusula de barreira. Agora, não temos que aceitar adesões que desfigurem o partido. O PSB não é solução para a formação de maioria para o governo no Congresso."

O PSB está mais preocupado em assegurar uma participação efetiva no núcleo decisório de um possível segundo mandato de Lula. Para tanto, a sigla está disposta a disputar poder com os outros partidos aliados. "Não temos assegurada a hegemonia. Nosso papel é fazer isso lá dentro do governo. Ir para o embate, na guerra de ocupação por espaços", defende o presidente em exercício do partido.

Amaral sugere que os partidos aliados façam essa disputa preferencialmente numa instância como é hoje o conselho político da campanha de Lula, na qual todos os aliados têm assento, inclusive aqueles que não fizeram aliança formal com o presidente, no primeiro turno, como o PMDB e o próprio PSB. O conselho, que tem se reunido com freqüência desde o início da campanha eleitoral, passaria a ter poder decisório. "É fundamental oxigenar o Palácio do Planalto", diz o presidente do PSB.

Os socialistas lembram que, no primeiro mandato, o governo Lula foi dominado pelo PT. Os partidos aliados - PSB e PC do B, além de PTB, PP, PL e PMDB - não participaram do núcleo de poder. A única exceção foi o deputado Aldo Rebelo, do PC do B, que durante quase um ano e meio foi o ministro responsável pela articulação política, depois que Lula resolveu dividir as atribuições da Casa Civil, então ocupada pelo todo ex-poderoso ministro José Dirceu. Ainda assim, Aldo, que hoje preside a Câmara, teve o seu trabalho boicotado pelo PT durante todo o tempo em que esteve no Palácio do Planalto.

A relação do governo com os partidos que não são aliados históricos do PT - PTB, PL e PP - acabou resultando no escândalo do mensalão. Já o relacionamento com o PMDB foi pautado por ligações individuais que, além de não assegurarem o apoio de todo o partido ao governo, falharam em votações cruciais no Congresso. Os pemedebistas que ocuparam ministérios foram escolhidos, em sua maioria, pelo presidente Lula ou indicados por lideranças específicas do PMDB, em vez de terem sido apontados de forma consensual pelo partido. Esse fato enfraqueceu o compromisso da sigla majoritária no Congresso com o governo.

O PSB avalia que o PMDB, mesmo tendo um comando dividido, é o fiel da balança da governabilidade. Foi assim na gestão de Fernando Henrique Cardoso e continuará sendo na de Lula. Os socialistas sugerem que o governo estabeleça uma relação institucional com o PMDB e com os outros aliados.

Essa preocupação foi manifestada na última quarta-feira pela executiva nacional do PSB, no dia em que a sigla decidiu apoiar a reeleição de Lula. Os socialistas começam a desconfiar da forma como o governo está se relacionando com o PMDB. O temor é a repetição dos erros cometidos no primeiro mandato. "A conflagração política que vai resultar deste segundo turno acirrado é inevitável, mas o presidente Lula não pode ceder à tentação de ir ao balcão de negócios com os partidos. A correlação de forças tanto na campanha como no governo tem que ser muito bem definida", declarou Eduardo Campos, numa referência clara aos escândalos que marcaram a relação do PT e do governo com alguns partidos aliados.

"Se o diálogo for institucional, não haverá balcão de negócios. A negociação tem que ser feita às claras", diz Beto Albuquerque (PSB-RS). "Precisamos do PMDB, mas isso não significa que o partido dará as diretrizes do governo", assinala Roberto Amaral.