Título: Ibsen e Collor voltam juntos ao Congresso
Autor: Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Política, p. A10

Quatorze anos depois de ter presidido a sessão da Câmara dos Deputados que cassou Fernando Collor de Mello, Ibsen Pinheiro e o ex-presidente voltarão juntos ao Congresso. Defenestrado do Congresso dois anos depois do ex-presidente, numa cassação sem provas por envolvimento no escândalo dos 'anões do Orçamento', que lhe custou o mandato de deputado federal no auge da carreira, em 1994, o gaúcho Ibsen Pinheiro (PMDB), 69 anos, retorna à Câmara em 2007 convicto de que o Brasil não pode mais adiar a reforma política. As mudanças, entende ele, precisam ser concluídas já no ano que vem para reduzir os espaços dos "desvios de conduta" e proteger parlamentares que ardem na fogueira da "caça às bruxas".

"Há muito tempo eram apenas vozes minoritárias que tinham essa noção, mas agora acho que piorou tanto que vai melhorar", afirma Ibsen. Ele evita fazer comparações entre a qualidade da atual legislatura e da próxima, até porque é o limite institucional para a atuação parlamentar o que mais o preocupa. "No quadro atual você elege um monge e ele é induzido à deformação".

Ibsen deixa o cargo de vereador em Porto Alegre, para o qual foi eleito em 2004, e chegará a Brasília defendendo um sistema distrital misto: eleições parlamentares regionais majoritárias mescladas com votações proporcionais em listas por Estados. As primeiras têm caráter estabilizador e tendem a evitar "aberrações" políticas, enquanto as listas, combinadas com mecanismos de prevenção contra manipulações das cúpulas, fortalecem a representação federativa e dos partidos, acredita.

Para o deputado, eleito com 76,1 mil votos (o 22º mais votado da bancada gaúcha de 31 integrantes), boa parte da crise ética que atinge a política brasileira é resultado de um sistema baseado no voto proporcional e nominal que, somado à "excrescência" das coligações de legenda, produz uma "absoluta impossibilidade" de construção de maiorias. Com isso, a barganha entre governo e Congresso, com a troca de cargos por apoio, é a menos pior das conseqüências. "A pior é o mensalão".

E mais: sem mudanças nas regras, resta aos eleitores oferecer respostas "contraditórias" à crise. "Sobrou o remédio precário de votar em pessoas decentes, mas como o nível de informação é pequeno acerta-se aqui e erra-se ali, e quando as instituições têm fronteiras frouxas, elas estimulam os desvios de conduta".

Com as listas e o fim das campanhas individuais para eleições proporcionais, será obrigatória a nítida definição política e ideológica de cada chapa. "Hoje, com a coligação de legendas, um stalinista acaba somando voto para o mais fanático dos liberais", diz o parlamentar, para quem a reforma deve ser conduzida pelos deputados eleitos neste ano e não por uma constituinte exclusiva, como chegou a ser cogitado.

Segundo Ibsen, os governos de Fernando Henrique e Lula erraram quando enxergaram apenas a "demanda óbvia" por reformas como a tributária e previdenciária, mas não perceberam que não é possível realizá-las a contento com o quadro partidário "quase caótico" na Câmara. Nesta conjuntura, qualquer mudança que ainda vier a ser feita "provavelmente será para pior".

O financiamento público, para Ibsen, também deve fazer parte da reforma. Além de garantir um tratamento "isonômico" entre os partidos, dispensará os candidatos de buscarem contribuições na iniciativa privada, fechando portas para condutas potencialmente perigosas no exercício dos mandatos. A cláusula de barreira, que impõe restrições à atuação dos partidos que obtiveram menos de 5% dos votos para deputado federal no país, foi um passo importante, avalia.

Ibsen não explicita se votará em Lula ou Alckmin, nem se escolherá a tucana Yeda Crusius ou o petista Olívio Dutra para governador. A decisão será tomada coletivamente no congresso extraordinário convocado para hoje pelo PMDB gaúcho, já com tendência de recomendação de voto nos tucanos. "Isto tem um pouco de noção política e outro tanto do enfrentamento (do PMDB) com o PT no Estado", explica. A segunda possibilidade, com menos adeptos, é a neutralidade, enquanto o apoio a Lula e a Olívio é "significativamente minoritário".

A inclinação também aparece na análise do parlamentar sobre o governo Lula. Para ele, o "aparelho de Estado" está freando o desenvolvimento porque não é fator de avanço econômico, social e nem institucional. "E como não sabe intervir para produzir políticas indutoras de justiça social, procura agir diretamente através da caridade", afirma, referindo-se ao Bolsa Família.

A distribuição direta de renda mínima à população mais pobre não é necessariamente ruim, comenta. "Só é insuficiente como política distributiva". A superação deste limite, na opinião dele, é um dos principais desafios do próximo governo, que precisaria formular um projeto nacional para acelerar o desenvolvimento associado a mecanismos para a melhor distribuição de riqueza.

Cassado por um suposto envolvimento com os chamados "anões do Orçamento", após ter deixado a presidência da Câmara, onde comandou parte do processo de impeachment do ex-presidente Collor, Ibsen atribui o fato à "grande exposição e nenhum poder político" que detinha na época. "Esta é uma combinação muito perigosa, porque se há exposição há conflitos e atritos".

Mesmo assim, ele não pretende abrir mão de seu "estilo agregador", na esperança de que já exista no país uma consciência "de que é preciso duvidar em todos os momentos das verdades que circulam avassaladoramente". Quanto ao reencontro com Collor (eleito para o Senado), embora em Casas diferentes, é taxativo: "A vida pública não é o espaço das amizades nem das inimizades. É o espaço das relações políticas e vou tê-las com todos que eu precisar".

Para Ibsen, que também é procurador aposentado do Ministério Público Rio Grande do Sul, o retorno à Câmara é o fechamento simbólico de um "ciclo vital". "Saí de lá e agora estou voltando. Se for o fim da carreira, acho que está irretocável". A eleição completa ainda as reparações que já obteve nas esferas administrativas, incluindo no Ministério Público e no Conselho Federal de Contribuintes, e judiciais, especialmente o habeas corpus de ofício (sem a solicitação da parte) emitido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2000, determinando o arquivamento de qualquer procedimento contra ele por "falta de justa causa".