Título: Insatisfação move voto nas fronteiras do Norte
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Política, p. A11

Votos de insatisfação e de vingança esclarecem algumas surpresas no primeiro turno da eleição presidencial em estados do Norte. As perdas do agronegócio, os estragos da febre aftosa no preço da carne bovina e até os efeitos colaterais da concretização de uma antiga demanda indígena parecem explicar o inexplicável - porque Lula perdeu para Geraldo Alckmin em Rondônia, no Acre e em Roraima.

Eleitores de Rondônia, corredor dos grãos do Centro-Oeste, sugerem ter sido afetados pelas perdas com a política cambial - por lá Alckmin teve 47% dos votos no primeiro turno e Lula, 45%. O preço em queda da arroba do boi e a concorrência chinesa no mercado internacional da madeira são o pano de fundo que pode ter derrubado Lula num Estado de tradição de vitórias petistas, o Acre - Alckmin fez 51% dos votos e Lula, 42%. E a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, com 1,7 milhão de hectares, pode estar por trás da escolha de eleitores de Roraima que deram a Alckmin quase 60% dos votos e a Lula, 26%.

Em abril de 2005, quando a antiga reivindicação indígena foi atendida no Planalto, o governador Ottomar Pinto decretou "luto oficial" dizendo-se preocupado com as conseqüências econômicas no chamado "polígono dos arrozais". No domingo 1º de outubro, Ottomar se reelegeu com 62% dos votos, derrotando o nome apoiado pelo PT, Romero Jucá. "A homologação da Raposa do Sol indignou os plantadores de arroz que estão em Roraima desde os anos 80, vindos do Sul, e agora se vêem impedidos de continuar", diz Elder Andrade de Paula, professor da Universidade Federal do Acre.

O Bolsa-Família, que colocou recursos na mão de 55 mil famílias no Acre, atingindo quase a metade da população do Estado, não se transformou em votos para Lula. Ele perdeu até em redutos como Rio Branco e Xapuri. Os dados do IBGE de vendas no comércio mostram um exuberante crescimento - 75,1% do início do governo Lula a hoje em comparação aos 7,2% nacionais.

As urnas do Acre exibiram a vitória de Binho Marques, do PT, para governador, mas recusaram Lula. "Os pequenos agricultores ficaram desassistidos", justifica Elder Andrade. Ele enxerga outra nuance na esquisitice política produzida por ali. "É no voto presidencial que o eleitor encontra alguma autonomia para manifestar sua insatisfação. Nos outros, o esquema é barra pesada, ele fica intimidado."

É um pouco o que se vê em Rondônia. O Estado liderou o ranking nacional de prisões feitas pela Polícia Federal no fim de semana do primeiro turno. Foram 85 detenções, um terço de tudo o que ocorreu em todo o país, com uma sucessão de ilegalidades - da boca de urna à distribuição de combustíveis. Por lá, a compra de votos é quase uma instituição. Promete-se aos eleitores dinheiro ou panelas de pressão. Antes de cobrar a dívida, quem votou tem que contar detalhes da camisa do candidato, para mostrar que realmente o viu na foto na urna eletrônica. É folclórico o caso de um político que distribui armações de óculos para quem votar nele. As lentes só vêm depois.

Rondônia ganhou destaque no noticiário nacional em agosto, quando uma operação da PF indiciou por suspeita de desvio de dinheiro gente do Judiciário, do Executivo e do Legilsativo. "O Estado foi saqueado, Rondônia está em decomposição", diz Alessandro Lubiana, assessor de comunicação da dioecese de Ji-Paraná.

A imagem chega a ser literal para quem vê as ruínas da lendária ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho. Ou percorre os 350 quilômetros entre Ji-Paraná e a capital, pela BR 364. A paisagem é um pasto só e explica um rebanho do tamanho daquele uruguaio, com 12 milhões de cabeças. Colocaram vacas no lugar da floresta. Cercas bem pintadas de grandes propriedades sugerem que se está no Texas, mas as cidades no caminho são, basicamente, feias. "Mandamos para o Sul-Sudeste carne, madeira, leite. Mas não temos no Estado indústrias de calçados, de móveis. Não queremos só Bolsa-Família. As pessoas daqui querem emprego e oportunidades", diz Adilson Siqueira, professor de Filosofia da Universidade Federal de Rondônia e candidato derrotado ao governo pelo PSOL.